carbonreport.com.br

Carlos Nobre: tragédia do RS confirma importância de reflorestamento das áreas urbanas

Carlos Nobre: tragédia do RS confirma importância de reflorestamento das áreas urbanas

A secretária Nacional de Mudanças do Clima, Ana Toni, destacou os benefícios da restauração florestal durante webinar da Morfo Brasil sobre financiamento, com a presença do BNDES

29 de maio de 2024

Mariza Louven

É preciso acelerar a restauração florestal urbana, disse na manhã desta quarta-feira (29/5) o meteorologista Carlos Nobre, no webinar “Financiamento da Restauração Florestal: O Brasil pode liderar uma revolução”, realizado pela Morfo Brasil. Por quê? Além de remover carbono da atmosfera, as florestas urbanas reduzem a temperatura e retiram 20% a 30% dos poluentes, com benefícios para a saúde humana, explicou o cientista, que também é membro do Conselho de Administração do BNDES.

“Na mudança climática, o que mais mata são as ondas de calor e a poluição do combustível fóssil”, acrescentou, destacando a importância da eletrificação das frotas de ônibus urbanos, que já está sendo financiada pelo BNDES, para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e proteger a saúde das pessoas. Nobre lembrou a tragédia do Rio Grande do Sul, ao dizer que as florestas absorvem muita água, reduzem as enchentes, protegem de desastres naturais.

“Além de (capturar) carbono, biodiversidade, temos que fazer as chamadas esponjas urbanas: restaurar totalmente as matas ciliares, as áreas de encostas e topos de morros desmatados”, disse, lembrando também o desastre ocorrido em janeiro de 2011, na região serrana do Rio. Na ocasião, 918 morreram em decorrência de deslizamentos, 85% originados em topos de morros desmatados.

A estimativa do Instituto Escolhas de que sejam necessários R$ 230 bilhões para que o Brasil alcance a sua meta de restaurar 12 milhões de hectares de florestas foi citada como parâmetro do investimento em restauração necessário no país. Para a secretária Nacional de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ana Toni, o exercício agora é saber quanto custa e de onde virão os recursos. Mas, independente do número, que varia, o importante são os benefícios.

A estimativa do investimento necessário e dos benefícios da restauração, feita pelo Instituto Escolhas, foi citada pelo CEO da Morfo Brasil, Gregory Maitre. O retorno seria três vezes maior do que o gasto.

O superintendente de Meio Ambiente do BNDES, Nabil Kadri, destacou a importância de unir os setores público e privado em torno do financiamento da restauração. Segundo ele, o BNDES desenvolveu um modelo de instrumento de financiamento verde que coordena recursos para restauração em todos os biomas do país.

Isso já resultou no maior edital para restauração de manguezais que o país já teve, de quase R$ 50 milhões. O segredo, acrescentou Kadri, foi atrair parceiros públicos e privados para casar os recursos, numa proporção de um para um, garantindo também a territorialização, ou seja, a prioridade dos locais de restauro, em parceria com a secretaria de biodiversidade do MMA.

Segundo Kadri, o BNDES também assumiu, junto com MMA e o Serviço Florestal Brasileiro, a ambição de transformar o arco do desmatamento no arco da restauração florestal na Amazônia. Além das questões de escala e território, ele disse que um dos maiores desafios são os investimentos necessários para criar um ambiente de negócios para a restauração. Isso inclui ter rede de sementes de qualidade, viveiros funcionando, mão de obra capacitada.

“Não é só um desafio ambiental. É um desafio econômico, um desafio de cadeia produtiva, de ter os instrumentos”, destacou Kadri. Para o Brasil sair da dinâmica do desmatamento, é preciso criar a dinâmica econômica da floresta, e a restauração é só o primeiro passo, afirmou. Os seguintes são adensar as cadeias produtivas, adicionar tecnologia, marketing.

Maitre destacou que o tema central da Cúpula do Clima, ocorrida recentemente em Paris, foi a escala. Nobre citou que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, (IPCC) estima em seis a sete milhões de km2 a necessidade de restauração florestal em todo o planeta, para combater a emergência climática e impedir que a temperatura passe de 1,5ºC no fim do século. Para isso, é preciso remover muito gás carbônico da atmosfera e promover a restauração natural de todos os biomas, principalmente as florestas tropicais, que crescem mais rápido.

O Brasil tem, segundo Nobre, toda condição de desenvolver o maior projeto de restauração de floresta tropical no mundo. Para isso, o país precisa restaurar, no mínimo, 500 mil km2, ou seja, 50 milhões de hectares.

Perigo da seca na Amazônia

Carlos Nobre é autor de um dos primeiros estudos científicos, publicado há 35 anos, sobre a possibilidade de o desmatamento provocar o aumento da seca prolongada (seis a sete meses no ano) na Amazônia e levar a região ao chamado ponto de não retorno. As árvores típicas de regiões úmidas dariam lugar à vegetação de Cerrado e a Amazônia se transformaria numa savana. Na época, 7% da Amazônia era desmatada, disse ele. “Infelizmente, isso não é só mais uma projeção futura. Hoje, a Amazônia está muito próxima de um ponto de não retorno.”

Por quê? “Porque, nos últimos 40 anos, em toda a região Sudeste e Sul da Amazônia, 2,3 milhões de km2, principalmente no Brasil, até a Bolívia, a estação seca já está quatro a cinco semanas mais longa do que na década de 1970. O período seco durava de três a quatro meses, na região mais ao Sul, disse ele. Hoje, já são quatro a cinco meses de duração. “Se atingir seis meses, não mantém. A floresta vai se autodegradando.” Isso quer dizer mortalidade de árvores do clima úmido e permanência das que são típicas do bioma Cerrado.

Outro dado preocupante é que, na década de 1990, a Floresta Amazônica removia quase dois bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) da atmosfera por ano. Hoje, ainda remove, observou Nobre, mas também é fonte de carbono na área que vai do Sul do Pará ao Norte do Mato Grosso.

Nobre defende as soluções baseadas na natureza para zerar o desmatamento e o fogo, e criar um gigantesco projeto de restauração florestal, além de uma sociobioeconomia de floresta em pé.

“Restaurar a Amazônia não é só remover carbono. É impedir o ponto de não retorno”, ressaltou. Segundo ele, a região pode virar uma savana em 30, 50 anos. “Vamos perder de 50% a 70% da Amazônia e isso vai jogar, no mínimo, 250 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, com o maior risco da biodiversidade do mundo.”