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A tragédia no Rio Grande do Sul, o surto de dengue e o custo coletivo das mudanças climáticas

A tragédia no Rio Grande do Sul, o surto de dengue e o custo coletivo das mudanças climáticas

O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, Ariaster Chimeli, defende a precificação do carbono, via Imposto Seletivo ou mercado de créditos, para descarbonizar a economia

15 de maio de 2024

Mariza Louven

A decisão de usar um carro a gasolina ou de comprar uma alface transportada por um veículo a diesel pode até ser individual, mas parte do preço final é de toda a sociedade, afirma o professor Ariaster Chimeli, da Universidade de São Paulo (USP). Essa conta não é justa e, neste momento, está caindo no colo dos gaúchos.

“É um caso clássico de papel do Estado. Nessa hora, o Estado tem que canalizar recursos para fazer com que os agentes privados internalizem esse custo que eles estão empurrando para outros”, acrescenta. Uma oportunidade de dividir melhor a fatura, na opinião dele, é a Reforma Tributária, que deveria ser usada para a adoção do Imposto Seletivo sobre o carbono.

professor Ariaster Chimeli, da Universidade de São Paulo (USP)
Ariaster Chimeli, professor da Universidade de São Paulo (USP)

“As pessoas costumam fazer uma conta privada do custo e do benefício de usar um carro a gasolina ou comprar um produto transportado em veículos a diesel. Só que tem também o custo social, que não é levado em consideração. Esse custo é a probabilidade de um evento climático extremo, mas ficou varrido para baixo do tapete e caiu na conta das pessoas que moram no Rio Grande do Sul”, assinala.

O uso intensivo do carbono provoca mudanças no clima que intensificam as ondas de calor, com aumento do volume de chuvas, secas prolongadas e proliferação de doenças como a dengue. Isso afeta a todos.

Mas quem vai pagar a conta da descarbonização e das medidas necessárias para evitar novas tragédias e epidemias? Segundo ele, o primeiro passo para tornar essa conta mais equilibrada é entender que, neste exato momento, estamos produzindo a próxima catástrofe. Por isso, é preciso mudar as escolhas individuais e fazer a transição da economia para um processo de produção menos dependente de carbono, além de criar formas de adaptação e mitigação dos impactos do clima extremo.

O que está acontecendo no Rio Grande do Sul é uma combinação de um El Niño atípico, relacionado às mudanças climáticas, à forma como usamos o solo, como construímos em encostas, como calculamos probabilidades de enchentes, diz ele.

“Vamos precisar construir de forma diferente, ter outro tipo de infraestrutura mais resiliente e aprender com a natureza. Em vez de retificar rios ou de ocupar planícies, dar espaço para que esses rios encham e se acomodem.

O custo da emergência é ainda maior

Outra urgência é criar um desenho institucional de como responder às tragédias. Historicamente, as crises levam à realização de transferências muito rápidas de recursos que, com muita frequência, são gastos de forma ineficiente.

“Isso inclui desde pressa em gastar, porque há uma tragédia e não dá tempo de pensar muito, até o comportamento oportunista e a corrupção. O melhor é se preparar com antecedência, saber que as crises vão acontecer e criar mecanismos para fazer transferências de recursos e um conjunto de ações de forma mais automática e eficiente.”

O economista comenta que tem se frustrado com um aspecto da tragédia do Rio Grande do Sul: “A gente está vendo uma grande mobilização da sociedade. É comovente ver o que está acontecendo, como as pessoas se importam e estão se mobilizando, mas tem um silêncio gritante. As petroleiras, onde elas estão?”

Precificação necessária do carbono também pode pesar mais para os pobres

A precificação do carbono, via imposto ou comércio de créditos de carbono, é considerada positiva para incentivar uma produção mais limpa. No entanto, exigirá algum tipo de compensação para as famílias de renda mais baixa, que gastam proporcionalmente mais com alimentação, moradia e transporte. “O carbono mais caro, pelo menos inicialmente, vai ter um peso maior no bolso dessas famílias.”

Na opinião dele, os recursos arrecadados com a precificação do carbono devem ser usados também para fazer transferência de renda para as famílias de renda mais baixa. “Se isso não acontecer, corremos o risco de criar uma medida de proteção ambiental que é politicamente inviável.”

Segundo Chimeli, a falta de um mecanismo de redistribuição das receitas geradas no mercado regulado de carbono, em fase de regulamentação no Brasil, é uma vulnerabilidade do projeto de lei que tramita no Congresso. “O que tem sido feito no mundo é separar uma parte significativa desses recursos para transferir para famílias de baixa renda. Isso não está previsto no projeto brasileiro.”

O levante popular de 2013, provocado pelo aumento das passagens, é citado como exemplo. “Aquilo foi uma ebulição de vários desconfortos que existiam na sociedade. Se a gente ignorar esse problema, vamos nos deparar com uma resistência muito grande quando as pessoas começarem a notar os aumentos de preços” provocados pela precificação do carbono. “E quase tudo tem carbono. Isso pode gerar retrocessos e desaceleração do movimento para uma economia mais limpa.”


Foto: Ricardo Stucker/PR