Superado o desafio de aumentar o nível de acerto da previsão do tempo no Brasil, o meteorologista Carlos Magno Nascimento diz que agora é hora de desmistificar as mudanças climáticas
14 de março de 2024
Mariza Louven
O meteorologista Carlos Magno Nascimento identificou um gap no mercado antes de vender 100% de sua participação na Climatempo e criar o Climate Change Channel, o C3 TV, um canal com 24 horas de informações sobre as mudanças climáticas. Depois de passar os últimos 30 anos fazendo previsões do tempo e ajudando a consolidar a credibilidade da meteorologia no Brasil, o foco dele, agora, são as análises para ajudar os diversos setores da economia a lidar com problemas como os que levam à previsão de uma redução de 8% na safra brasileira de grãos deste ano.
Esta previsão foi feita pelo governo em função do impacto do El Niño na agricultura, fenômeno natural que desde o ano passado tem provocado o aquecimento das águas equatoriais do Oceano Pacíficio. “Essa grande massa de água aquecida acaba modificando a atmosfera em todo o planeta e provocando situações como a seca extrema ocorrida no fim do ano na Amazônia, além de certa irregularidade das chuvas nas áreas produtoras de grãos do Brasil”, explica Nascimento.
Depois da venda da Climatempo, no início do ano passado, o C3 TV foi lançado no fim de 2023 com o objetivo de fornecer informações corretas sobre o que está acontecendo. A ideia é levar a ciência para o dia a dia das pessoas. “O propósito é ajudar a sociedade a enfrentar as mudanças climáticas com conhecimento e informação científica, esclarecendo questões como as relacionadas à seca na Amazônia: ela foi provocada pelas mudanças climáticas ou é uma variabilidade do clima sem importância?”
Segundo ele, a ciência consegue prever fenômenos como o El Niño e seus impactos no contexto das mudanças climáticas, ajudando a sociedade a se preparar. A ideia é atuar em todas as áreas da economia. A agricultura se destaca por sua sensibilidade ao clima, importância no Produto Interno Bruto (PIB) e na balança comercial do país.
“O grande instrumento é a informação. É o produtor saber o que pode acontecer e tomar algumas atitudes, como por exemplo atrasar o plantio do milho ou tomar a decisão de substituir esta cultura por outra. Ter informações permite mitigar os impactos negativos do clima e reduzir a exposição ao risco”, afirma. “Não somos porta-vozes do apocalipse. Somos cientistas que querem dar luz à ciência, ajudar a lidar com as mudanças climáticas e dizer que é possível reverter essa situação”, acrescenta.
Mudanças climáticas são o desafio do momento
A meteorologia era muito desacreditada no Brasil, quando Nascimento iniciou sua vida profissional, nos anos 1980. O desafio era aumentar o índice de acerto da previsão do tempo, na época baixo. Na década de 1990, no entanto, a modelagem meteorológica começou a fazer parte do dia a dia, ajudando a aumentar a assertividade das previsões depois que os supercomputadores ficaram mais disponíveis, marcando o fim do mundo analógico.
Hoje, com os avanços tecnológicos, a meteorologia consegue fazer previsões com bastante antecedência. “Essa evolução aconteceu e fico contente de ter participado da construção da credibilidade da meteorologia no Brasil, junto com meus colegas das áreas de modelagem e computação.”
Agora, na visão dele, o momento é parecido: “as pessoas dizem que a variabilidade do clima é normal. Não é bem assim. Quando o pessoal fala nas eras glaciais, está falando em milênios. Quando a gente olha em termos de carbonização da atmosfera, a gente vê que desde a década de 1980 isso está acontecendo de maneira exponencial. Está mudando o clima, de maneira geral, tanto em larga escala quanto em microescala.”
Nascimento cita o aparecimento de ciclones tropicais no Atlântico e o furacão Catarina, que de certa forma surpreendeu a comunidade meteorológica brasileira. Isso porque a tese era de que no Atlântico não teria espaço para a formação de um furacão, mas ele aconteceu. O fato ocorreu há quase 20 anos, segundo ele já em decorrência da transformação que está acontecendo no planeta.
“A gente tem visto sinais muito fortes, nos últimos 30 anos, por exemplo, do gelo do Ártico, uma área de oceano que antigamente tinha um aquecimento e um resfriamento normal. Hoje em dia isso não acontece mais. Estamos perdendo área de gelo, o que não significa deixar de ter uma área com temperatura baixa”, comenta. A perda de uma área coberta de gelo, que reflete radiação solar para o espaço, acelera o aquecimento do oceano e de todo o planeta.
Já a diminuição de áreas da Floresta Amazônica e seu entorno tem levado ao desaparecimento da Zona de Convergência do Atlântico Sul. Esse sistema que leva a umidade da Amazônia pelo Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil está cada vez mais raro.
Os rios voadores estão ficando mais secos, provocando tempestades tropicais mais intensas. “A gente não explica as atuais enchentes de Minas, São Paulo e Rio pela zona de convergência, uma área de instabilidade que ficava estacionada durante uma ou duas semanas, responsável pelas enchentes em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.”
Hoje, as enchentes estão sendo causadas pelos avanços intensos de frentes frias que encontram o calor muito forte. Isso provoca tempestades violentas, mas logo em seguida o tempo abre e o calor volta.
As mudanças nos padrões climáticos em locais como RS, Argentina e Uruguai têm provocado alterações nas culturas e causado prejuízos econômicos e a migração.