Empresas focam nos ativos de carbono, mas esquecem que compromissos voluntários, como os de neutralidade de emissões, podem se tornar obrigações que venham a se materializar como passivos
25 de abril de 2024
Mariza Louven
A padronização da contabilidade de créditos de carbono no Brasil pode ser concluída ainda este ano, mas provavelmente passará pelo crivo de uma segunda audiência pública, segundo o coordenador técnico do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Eduardo Flores. A primeira rodada de debate com a sociedade sobre o tema foi concluída em outubro do ano passado, quando a previsão era de que a nova norma fosse publicada até março deste ano, contribuindo para dar mais credibilidade aos dados e segurança aos investidores.
Segundo ele, uma das principais questões está relacionada aos ativos e passivos que os créditos de carbono e os compromissos de redução de emissões podem representar.
“Mais especificamente, as empresas focam nos ativos de carbono, mas se esquecem que quando assumem compromissos voluntários, como, por exemplo, neutralidade de emissões, podem estar assumindo obrigações que venham a se materializar como passivos. Esse segundo olhar cria a necessidade de um amplo debate técnico, a fim de que as escolhas contábeis inseridas na orientação representem as mais assertivas seleções de procedimentos técnicos”, disse ao Carbon Report.
Carbon Report: A previsão é de que a contabilidade desses títulos seja normatizada ainda este ano?
Eduardo Flores: É esperado que haja progressões no ano atual. Contudo, mais importante do que a celeridade é a certeza de que o documento final representará o melhor tratamento técnico-contábil aplicado ao tema.
Existe possibilidade de uma segunda rodada de audiência pública?
Eduardo Flores: Sim, existe uma probabilidade não desprezível de uma segunda audiência pública, sobretudo, para validar melhorias relacionais no documento. Contudo, não se espera que a essência do tratamento contábil se altere de forma abrupta.
Quais são as dificuldades para estabelecer a padronização contábil para esse tipo de ativo, que é comercializado há anos no mercado voluntário?
Eduardo Flores: As maiores dificuldades residem no estabelecimento de uma redação que deixe evidente as análises técnicas realizadas e porque determinadas escolhas técnicas foram realizadas. Mais especificamente, as empresas focam nos ativos de carbono, mas se esquecem que quando assumem compromissos voluntários, como, por exemplo, neutralidade de emissões, podem estar assumindo obrigações que venham a se materializar como passivos. Esse segundo olhar cria a necessidade de um amplo debate técnico, a fim de que as escolhas contábeis inseridas na orientação representem as mais assertivas seleções de procedimentos técnicos.
Pode acontecer no Brasil o que ocorreu nos Estados Unidos com as novas regras de relato climático elaboradas pela SEC? Depois de quase dois anos de discussão, as normas foram publicadas no dia 6 de março deste ano, mas suspensas um mês depois, devido a lobbies e ações judiciais contrárias.
Eduardo Flores: Não tenho argumentos técnicos com relação a essa questão. Todavia, acredito que seja pouco provável, à medida que a OCPC 10 versa sobre aspectos contábeis e não de informações não financeiras.
A padronização da contabilidade de carbono no Brasil é esperada, principalmente por investidores que esperam ter mais segurança na contabilização desses ativos em seus balanços e carteiras.
Quem mais se beneficia com a publicação dessas normas?
Eduardo Flores: Todos os agentes participantes da cadeia produtiva da informação contábil se beneficiam. Preparadores e empresas se beneficiam por possuírem diretrizes mais previsíveis e objetivas. Os auditores se beneficiam por poderem padronizar os seus procedimentos de asseguração e também ganharem experiência em escala.
Investidores se beneficiam pelo atributo da comparabilidade dos agentes que divulgam as informações. A sociedade civil que utiliza a informação contábil para validar a licença social das organizações se beneficia por contar com dados mais críveis.
A quem a padronização pode incomodar mais no Brasil?
Eduardo Flores: Sendo uma norma de natureza técnica robusta, não consigo verificar alguma instituição se incomodando, a qual esteja efetivamente engajada com a publicação de relatórios contábeis críveis e fidedignos aos atos e fatos que pretendem representar.
A regulamentação do mercado de carbono no Brasil ajuda ou atrapalha essa normatização?
Eduardo Flores: O tratamento contábil para mercados regulados de carbono se encontra previsto na norma. Portanto, o documento já antecipa os próximos passos da criação de ETS (sistema de comércio de emissões) brasileiro.