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Centro Brasil Clima vai propor ao Ministério da Fazenda a criação do Bolsa Carbono

Centro Brasil Clima vai propor ao Ministério da Fazenda a criação do Bolsa Carbono

Distribuição de parte dos recursos gerados pela comercialização das permissões de emissão de carbono negociados no mercado regulado visa reduzir o peso da descarbonização para as famílias mais vulneráveis

06 de abril de 2024

Mariza Louven

O Centro Brasil Clima (CBC) vai encaminhar ao Ministério da Fazenda, ainda este mês, a proposta de criação de um Bolsa Carbono pelo governo federal. O objetivo é promover uma transferência direta de renda às famílias mais pobres, com parte dos recursos gerados no mercado regulado de carbono.

A outra sugestão é a de fortalecimento da capacidade institucional dos estados na agenda climática, por meio da destinação a estes entes federativos de 5% das receitas oriundas dos leilões de emissões de carbono, realizados pelo governo federal. Os recursos seriam alocados no reforço da fiscalização e gestão ambiental estadual, reconhecendo o papel crucial dos estados na implementação efetiva da legislação ambiental.

No último dia 19, o governador do Espírito Santo e presidente do Consórcio Brasil Verde, Renato Casagrande (PSB), o secretário executivo da mesma instituição, Fabrício Machado, o diretor executivo do CBC, Guilherme Syrkis, e o diretor técnico do CBC, William Wills, apresentaram a ideia ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em encontro em Brasília.

Encontro em Brasília do governador do Espírito Santo e presidente do Consórcio, Renato Casagrande (PSB), o diretor executivo do Centro Brasil Clima (CBC), Guilherme Syrkis, o diretor técnico do CBC, William Wills e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Encontro em Brasília do governador do Espírito Santo e presidente do Consórcio, Renato Casagrande (PSB), o diretor executivo do Centro Brasil Clima (CBC), Guilherme Syrkis, o diretor técnico do CBC, William Wills e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O Consórcio Brasil Verde é uma coalizão de governadores pelo clima articulada pelo CBC, que teve adesão de 24 chefes de governo estaduais e foi ratificada por 15 estados.

“Estamos fazendo uma sugestão para o Ministério da Fazenda estudar. Com o mercado de carbono, a indústria vai ter que se atualizar. Vai ter que trocar processos, ter que ser mais zelosa. Isso vai demandar (novos investimentos em) tecnologia, o que vai refletir em (aumento dos) preços.

Alguns produtos vão ficar mais caros e, sem dúvida nenhuma, terá impacto inflacionário. Como são recursos vultosos que vão ser captados, merece ter uma rubrica ali para a questão social”, afirma Syrkis.

A estimativa é de que os leilões de permissões de emissões de carbono pelo governo federal possam gerar mais de R$100 bilhões anuais em 2050. De acordo com a proposta, 10% da receita de venda desses títulos deveria ser destinados às famílias em situação de pobreza, para compensar o possível efeito inflacionário da precificação de carbono.

O Bolsa Carbono

Wills idealizou o “Bolsa Carbono” como uma inovação para ser integrada ao programa Bolsa Família, buscando uma transição mais justa e equitativa rumo a uma economia de baixo carbono. Ele defende que, para a implementação efetiva da precificação do carbono, é fundamental considerar os impactos sociais. Ele cita exemplos de repercussões negativas de aumentos súbitos no custo dos combustíveis, como os significativos protestos desencadeados na França devido ao aumento dos impostos sobre combustíveis fósseis; e a greve dos caminhoneiros no Brasil durante a administração Temer, que culminou em uma paralisação nacional.

“Se a precificação do carbono não tiver um apoio da sociedade, não será bem-sucedida. Na primeira volatilidade de preços, vai haver uma reação muito grande da população, particularmente da mais pobre e vulnerável”, prevê.
Wills liderou o estudo de modelagem dos impactos da precificação de carbono no Brasil, financiado pelo Banco Mundial e coordenado pelo Ministério da Fazenda, entre 2018 e 2020. 

A precificação do carbono, como Wills prefere se referir ao mercado de carbono regulado, terá impacto inflacionário porque as empresas terão seus custos aumentados e possivelmente tentarão repassar esse aumento aos consumidores. Esse aumento de custos de produção se dá por dois canais: a necessidade de investimentos em novas tecnologias, e o custo com a compra das permissões de emissão.

Segundo Wills, a precificação de carbono pode acabar tendo um efeito equivalente a um aumento da carga tributária, se o governo simplesmente utilizar esses recursos para seus gastos correntes. Com isso, as classes mais pobres e vulneráveis, que já vivem muito perto do limite, terão seu poder de compra ainda mais reduzido, podendo levar a uma instabilidade social no país. “A gente verifica isso perfeitamente com a modelagem”, acrescenta Wills.

Portanto, outro aspecto crucial a ser destacado, segundo ele, é a necessidade de haver a neutralidade fiscal do mecanismo de precificação do carbono.

A divisão do bolo do carbono

O projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono, atualmente no Senado, prevê que 85% dos recursos obtidos com o leilão dos certificados de permissão de emissões a serem realizados pelo governo sejam destinados a um fundo para pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria, 10% para manter a estrutura do mercado e 5% para estimular o turismo.

“É importante que parte dos recursos vá para pesquisa e desenvolvimento da indústria. Tem a sua legitimidade, mas a gente acha que é preciso dividir o bolo. Dá para incluir os mais pobres, que vão sentir mais essa transição. Lembrando que é uma transição e que ela tem desafios. Temos que olhar para os que mais precisam”, acrescenta Syrkis.

Mais justiça social

“O governo deverá seguir as definições que constem no PL em discussão no Senado, e avaliamos que a divisão tem que ser mais bem feita para acomodar também a parte econômica-social e garantir uma transição mais justa e equitativa”, afirma Wills.

É preciso garantir que a política de precificação do carbono fique de pé e não seja atropelada pelas oscilações da economia. Segundo ele, se a população receber benefício direto vindo do mercado de carbono, haverá maior aceitação e caminhará para entender a importância da descarbonização, ficando menos exposta aos altos e baixos dos preços.

CBAM brasileiro

Wills também destaca a importância de o Brasil salvaguardar sua competitividade no cenário internacional ao adotar a precificação do carbono. Ele ressalta o risco de perda de competitividade, especialmente em relação aos produtos importados da China, caso não haja uma proteção efetiva contra a concorrência de países que não adotam medidas semelhantes.

Para mitigar esse risco, junto com a entrada em vigor do mercado de carbono, Wills sugere a adoção de um mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras, inspirado no CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM) da União Europeia. Esse mecanismo visa equalizar o custo do carbono entre os produtos nacionais e importados, assegurando assim um campo de jogo nivelado para os produtores locais.

Foto da reunião em Brasília. Da esquerda para a direita, Fabrício Machado,secretário executivo do Consórcio Brasil Verde; ⁠Guilherme Syrkis, diretor executivo do Centro Brasil no Clima; Renato Casagrande, governador do Espírito Santo e presidente do Consórcio Brasil Verde; ⁠Fernando Haddad, ministro da Fazenda; e William Wills, diretor técnico do Centro Brasil no Clima