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Duas cientistas brasileiras vão trabalhar na elaboração do novo relatório especial do IPCC

Duas cientistas brasileiras vão trabalhar na elaboração do novo relatório especial do IPCC

A arquiteta e urbanista Maria Fernanda Lemos e a especialista em segurança alimentar e nutricional Elisabetta Recine se juntarão a 120 especialistas globais. Primeira reunião será em abril

26 de fevereiro de 2024

Duas cientistas brasileiras foram selecionadas para participar da elaboração do Relatório Especial sobre Mudanças Climáticas e Cidades, que será produzido durante o Sétimo Ciclo de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). A arquiteta e urbanista da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Maria Fernanda Lemos, e a especialista em segurança alimentar e nutricional da Universidade de Brasília (UnB), Elisabetta Recine, se juntarão ao grupo formado por 120 especialistas globais.

A primeira reunião em abril, em Riga, capital da Latávia, nos Bálcãs, vai estabelecer o escopo do documento.

Atualmente, 57% da população global vive nas cidades. A projeção da ONU é de que esse percentual chegue a 68% em 2050, ou 6,3 bilhões de pessoas. As regiões urbanas também contribuem com 70% das emissões de carbono relacionadas ao consumo global. No Brasil, os dados do Censo de 2022 revelam que a concentração populacional nas cidades é de 61%, ou 124,1 milhões de pessoas.

“Além de concentrarem a maior parte da população, as cidades concentram investimentos, infraestruturas críticas, áreas portuárias. Temos muitas cidades nas áreas costeiras, no mundo inteiro, muitas cidades de grande porte, e as áreas costeiras são muito expostas (à mudança do clima) porque existem alguns fenômenos que são particulares nessas áreas. Isso justifica que se dê atenção a elas”, explica Lemos, que coordenou o capítulo de América do Sul e América Central do Grupo de Trabalho II do Sexto Ciclo 6 do IPCC.

Segundo ela, as cidades sempre foram objeto de atenção na área de mudança do clima e estiveram em posição de destaque nos relatórios anteriores do IPCC. São áreas consideradas críticas por causa da vulnerabilidade e dos riscos diante do aumento de intensidade e frequência de eventos extremos.

Relatório especial destaca importância das cidades no debate climático

Dada a complexidade do tema, a chamada do IPCC mobilizou especialistas de diferentes áreas do conhecimento, desde biofísica, impactos financeiros e riscos, até energia e emissões. “Faz todo o sentido, porque a cidade é um objeto complexo. E a gestão urbana é muito complexa”, explica Lemos. A cientista explica que para conseguir efetuar análises de modo integrado é preciso envolver outros setores para além dos tradicionais do planejamento e gestão urbana, como infraestrutura, habitação, saneamento, transporte, saúde e segurança.

Lemos destaca ainda que a produção científica envolvendo o tema é bastante significativa e que há diferenças entre as questões que são prioritárias para as grandes cidades dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. As megacidades estão concentradas em países de baixa renda e contam com regiões metropolitanas que são ‘objetos hipercomplexos’. “Tem uma distribuição muito desigual do que é possível fazer, dos riscos que estão incidindo sobre essas áreas urbanas”, diz. “Já estamos atrasados na adaptação das cidades”, acrescenta.

Regiões periféricas e os desertos alimentares

A pesquisadora da UnB Elisabetta Recine participará pela primeira vez da elaboração de um relatório do IPCC. A especialista em segurança alimentar integra o Painel de Especialistas de Alto Nível do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas (CSA/ONU) e também é presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no Brasil. Ela.

“Eu me candidatei porque o tema da questão urbana e das cidades e a relação com a segurança alimentar é estratégico e tem pouca visibilidade no âmbito da COP. O planeta já é um planeta urbano. É importantíssimo que essa agenda seja abordada”, afirmou Recine.

Segundo ela, a crise climática é uma camada desafiadora para a agenda de segurança alimentar. Além dos impactos como a perda da capacidade de produção em regiões do planeta por consequência de estiagem e aridez, eventos extremos interferem nas vias de escoamento e abastecimento. Os reflexos aparecem na qualidade, oferta e preço dos alimentos. “Não é uma questão só garantir que os alimentos existam, é preciso garantir a oferta e o acesso. Tem que olhar o sistema alimentar como um todo”, avalia.

Recine lembra que a concentração da população, principalmente nas cidades de grande e médio porte, está localizada nas periferias, onde há problemas de abastecimento. “Tem desertos alimentares. São grandes adensamentos com redes de varejo insuficientes. Há dificuldade de encontrar variedade e preço”, explica.

Além disso, as cidades sofrem as consequências diretas dos impactos climáticos, com comprometimento de infraestruturas e na condição de vida da população que perde casas, imóveis e equipamentos. “Tudo isso gera um círculo vicioso na vida das pessoas que já tem desafios grandes. De alguma maneira, as cidades são um dos entroncamentos das complexidades de consequências de toda a crise climática”, avalia Recine.

Trabalho colaborativo

Pesquisadores brasileiros que tenham interesse em contribuir com o Sétimo Relatório de Avaliação do IPCC devem ficar atentos à divulgação do calendário do Painel e manifestar interesse à Coordenação-Geral de Ciência do Clima do MCTI.

No ciclo 7 serão produzidos os relatórios do Grupo de Trabalho I sobre a Base da Ciência Física; do Grupo de Trabalho II sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade; e do Grupo de Trabalho III sobre Mitigação das Mudanças Climáticas. Além do relatório especial de cidades, serão elaborados um Relatório Metodológico sobre Forças Climáticas de Curta Duração e um Relatório Metodológico sobre Tecnologias de Remoção de Dióxido de Carbono, Utilização e Armazenamento de Captura de Carbono.

Segundo o IPCC, o Relatório Síntese do Sétimo Relatório de Avaliação será produzido após a conclusão dos relatórios do Grupo de Trabalho e divulgado no final de 2029.

Foto: Agência Brasil