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Empresa fundada por brasileira na Finlândia desenvolve óleos sustentáveis à base de resíduos

Empresa fundada por brasileira na Finlândia desenvolve óleos sustentáveis à base de resíduos

Filha da Unicamp inova para substituir óleo de palma, de coco e gorduras animais na fabricação de ingredientes de última geração para as indústrias alimentícia, cosmética e oleoquímica

06 de agosto de 2024

A cientista brasileira Nemailla Bonturi encontrou na Estônia um terreno fértil para fundar a ÄIO, uma empresa-filha da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que desenvolve óleos a partir da fermentação de resíduos como a serragem. A empresa produz ingredientes de última geração para as indústrias alimentícia, cosmética e oleoquímica em substituição ao óleo de palma, de coco e gorduras animais.

Ex-aluna de mestrado e doutorado da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, Bonturi e o professor de Tecnologia de Alimentos e Bioengenharia na Universidade de Tallin – TalTech, na Estônia, criaram a ÄIO em 2022. O negócio é focado em criar alternativas mais sustentáveis, baratas e rápidas aos óleos de origem vegetal e animal reduzindo emissões de carbono e implementando processos de reciclagem.

Durante o doutorado em Engenharia Química, Bonturi começou a fazer testes com hidrolisados do bagaço de cana em um projeto de pesquisa em parceria com a Universidade de Lulea, na Suécia, onde passou a usar resíduos de hidromassa de madeira para gerar óleos para produzir biocombustível. Em 2016, a pesquisadora se mudou para a Estônia para atuar como docente e pesquisadora na Universidade de Tartu, onde trabalhou a fermentação com leveduras e microrganismos e no campo da biologia sintética.

“Não posso negar que, de alguma forma, a ÄIO começou na Unicamp”, diz ela sobre a relação com a Universidade situada em São Paulo. Atualmente, além de ser uma das fundadoras da ÄIO, a cientista também é docente no Departamento de Química e Biotecnologia da TalTech.

A ÄIO é cadastrada como uma empresa-filha da Unicamp. Segundo a Inova Unicamp, esses são os empreendimentos formados por alunos (ou ex-alunos), pesquisadores, docentes (em atividade ou aposentados), empresas e startups que tenham sido incubadas na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp ou criadas a partir de uma tecnologia ou conhecimento desenvolvido na universidade, as chamadas empresas spin-off.

Mais produtividade e menor impacto ambiental

O foco da ÄIO é o desenvolvimento de óleos a partir de leveduras oleaginosas para as áreas de alimentação, ração animal e cosméticos. A matéria-prima usada pela empresa é composta basicamente por resíduos, como os de produção de bebidas, de pães e confeitaria, frutas e vegetais, além de açúcares extraídos de serragem, maior resíduo gerado na Estônia.

“Para que o preço possa competir com óleo de palma, de coco ou gordura animal, ao invés de usarmos açúcares ou substratos puros, a gente faz o upcycling. Recicla resíduos de empresas ou da agricultura que, tecnicamente, teriam valor negativo, uma vez que as empresas precisam pagar para descartar esses resíduos”, explica Bonturi.

Além do preço, a circularidade atraiu a Valio, uma das maiores empresas de laticínios da Finlândia, que desenvolve linhas de produtos alternativos a carnes. A empresa firmou parceria com a ÄIO para aproveitar o descarte de grandes quantidades de permeado de lactose e usá-lo na produção de ingrediente para a linha vegetariana que a empresa está testando.

O processo de produção da ÄIO ocorre por meio da fermentação de leveduras, aumentando a produtividade e reduzindo a pressão para o desmatamento em, pelo menos, dez vezes em relação à palma, de acordo com Bonturi. Segundo ela, o desenvolvimento de óleos de origem animal tem impacto ainda maior. Ao invés de hectares de terra, o óleo pode ser produzido em um reator de 30 metros, usando menos água, menos terra, menos recursos, gerando menos dióxido de carbono (CO2) e, ainda, com redução do tempo de produção.

A tecnologia desenvolvida pela ÄIO também tem se mostrado uma alternativa mais sustentável aos óleos de origem animal e vegetal, especialmente para o uso na indústria alimentícia, devido ao potencial antioxidante maior do que em óleos de palma e de coco, mais parecido com o azeite de oliva nesse aspecto, além de ser livre de gorduras trans. A empresa está desenvolvendo aplicações de seus óleos na produção de ração animal e para linhas de cosméticos, como sabonetes, cremes e uma ampla gama de produtos.

Com mais de 100 parceiros na Europa, América do Norte e América do Sul, incluindo o Brasil, a ÄIO já recebeu dois aportes de fomento de equidade por venture capital (modalidade de investimento feito em startups): o primeiro, de € 675 mil (cerca de R$ 4,2 milhões), em 2022, e o segundo de € 500 mil (cerca de R$ 3,1 milhões), em 2023. A empresa também recebeu apoio à pesquisa (sem equidade) por meio de grants (doações) que somam € 2,5 milhões de euros (R$ 15,5 milhões).