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Fundo nacional de créditos de carbono poderia financiar gestão do lixo urbano

Fundo nacional de créditos de carbono poderia financiar gestão do lixo urbano

Pesquisa apoiada pela Fapesp analisou soluções em quatro cidades brasileiras como a gigantesca São Paulo e o município amazônico de Carauari

15 de fevereiro de 2024

Via Agência FAPESP

Com base na análise de soluções adotadas em quatro diferentes cidades do país, pesquisadores financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) propõem a criação de um fundo nacional de créditos de carbono para viabilizar iniciativas de gestão do lixo urbano. Segundo o estudo, a taxa de reaproveitamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil ainda é extremamente baixa, de apenas 2,2%, mas o manejo adequado poderia reduzir a emissão de gases de efeito estufa e ainda gerar receita extra por meio da economia circular.

Manejo adequado, segundo eles, é o aproveitamento dos resíduos orgânicos para a produção de adubo e biogás, promover a reciclagem efetiva e o uso de soluções criativas para parte do rejeito.

Não existe varinha mágica para resolver o problema dos resíduos. Mas encontramos, nas quatro cidades, boas práticas, que podem ser sintetizadas em um projeto abrangente, apoiado sobre quatro pilares: capacidade técnica e política local; educação ambiental e participação social da população; colaboração entre os três níveis de governo [federal, estadual e municipal]; e parcerias locais para inovação”, afirma o pesquisador Michel Xocaira Paes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Desses pilares, derivamos a proposta de criação de um fundo nacional de crédito de carbono, a ser gerenciado pelo governo federal com a participação dos estados e municípios. Esse fundo poderia financiar as iniciativas de redução da geração dos resíduos, por meio, por exemplo, da compostagem doméstica; transformação de resíduos em recursos, por meio de economia circular; e desenvolvimento e implementação de tecnologias locais, como a compostagem, reciclagem e o aproveitamento do biometano dos aterros. Tudo isso sob a ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa e do estímulo à economia circular e de baixo carbono. É um modelo que não só poderá ser implantado no Brasil, mas também inspirar soluções semelhantes em outros países em desenvolvimento, na América Latina, África, Ásia e BRICS (grupo de países de mercado emergente, entre eles o Brasil).”

Os pesquisadores estudaram o manejo dos resíduos sólidos urbanos em seis cidades brasileiras e escolhemos quatro delas para exemplificar caminhos para a inovação na gestão. Essas cidades são Harmonia (RS), São Paulo (SP), Ibertioga (MG) e Carauari (AM).

A gestão do lixo na maior cidade do país

Apenas a cidade de São Paulo produz cerca de 20 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) todos os dias, sendo 12 mil toneladas domiciliares e 8 mil toneladas oriundas da limpeza urbana. Em média, cada habitante gera um quilo de lixo por dia.

De acordo com o padrão nacional, cerca de 50% desses resíduos são compostos por matéria orgânica, 35% por recicláveis e 15% por rejeitos rejeitos. No entanto, segundo Paes, o uso de tecnologias que integrem compostagem, reciclagem e o aproveitamento do metano dos aterros para a geração de bioenergia, podem diminuir significativamente as emissões produzidas pelos sistemas municipais de gestão de resíduos sólidos.

“Isso corresponderia a uma redução de 4,9 a 57,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, aportando benefícios econômicos anuais de US$44 milhões a US$687 milhões em créditos de carbono”, afirmou Michel Xocaira Paes, primeiro autor de um estudo sobre o tema publicado no periódico Habitat International.

O artigo é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Paes, financiada pela FAPESP e que também recebeu apoio por meio de um projeto coordenado por seu então supervisor, José Antonio Puppim de Oliveira.

Reaproveitamento ainda é baixo em SP

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a quinta mais populosa do mundo, com mais da metade dos habitantes concentrados na capital. “Embora acima da média nacional, o percentual de aproveitamento de resíduos ainda é baixo em São Paulo: somente 3%. Por outro lado, a cidade apresenta importantes inovações, como atuação das cooperativas de catadores de materiais recicláveis; duas centrais mecanizadas para separação do material reciclável; unidades de compostagem para o tratamento dos resíduos orgânicos; e a cogeração de energia a partir do metano gerado nos aterros sanitários”, afirma Paes.

Mais uma inovação importante são os ecopontos, que já somam atualmente 125 unidades de coleta distribuídas pela cidade. O atendimento é gratuito e os resíduos aceitos incluem material reciclável (papel, papelão, plástico, vidros e metais); podas de plantas e árvores domiciliares; entulhos de construção civil; e objetos volumosos, como móveis velhos.

Iniciativas novas, ainda de pequeno porte, mas com potencial de serem replicadas, também têm aparecido na cidade. É o caso da Realixo, empresa criada por jovens com formação universitária engajados em práticas de preservação ambiental, economia circular e sustentabilidade. Mediante pagamento mensal, a empresa recolhe semanalmente resíduos orgânicos ou recicláveis nos domicílios dos usuários e depois destina os materiais a instituições parceiras, para compostagem ou reciclagem.

O caso Carauari

Carauari é um município amazônico com apenas 28 mil habitantes, localizado na margem do rio Juruá, a duas horas de avião ou cinco dias de barco de Manaus. Tem 21,5 mil pessoas na área urbana e 6,5 mil nas áreas rurais e florestais.

Mas a distância engana. Em vez de uma população desassistida, o que encontrei lá foi uma população muito organizada, empoderada e engajada no manejo comunitário dos recursos naturais e em iniciativas de bioeconomia, economia circular e sustentabilidade. Há um forte protagonismo das associações e organizações locais em parceria com organizações não governamentais, universidades, governos e iniciativa privada”, relata Paes.

Publicado no periódico Nature, o estudo feito em Carauari apresentou informações detalhadas sobre as atividades das comunidades locais, baseadas principalmente na pesca e manejo do pirarucu e na extração de sementes para a produção de óleos vegetais. Integrados por meio de economia circular, os resíduos gerados em uma atividade, em vez de impactarem o meio ambiente, são convertidos em recursos para implementar outra atividade.

As cascas das sementes empregadas na produção de óleos vegetais são encaminhadas para compostagem. E há um aproveitamento quase integral do pirarucu: além da carne do peixe, que é o objetivo principal da pesca, as vísceras são convertidas em ração para alimentar tartarugas, as escamas fornecem material para a confecção de joias e a pele é utilizada na fabricação de bolsas, roupas e calçados.

O artigo Waste management intervention to boost circular economy and mitigate climate change in cities of developing countries: the case of Brazil pode ser acessado em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0197397523002503?via%3Dihub