carbonreport.com.br

Quais são os limites climáticos da agricultura brasileira e as soluções para os produtores?

Quais são os limites climáticos da agricultura brasileira e as soluções para os produtores?

A pesquisadora do IPAM e do Woodwell Climate Research Center, Ludmila Rattis, explica porque é fundamental analisar a emergência climática a partir de uma visão local

28 de fevereiro de 2024

Mariza Louven

A produção agrícola em larga escala pode atingir o teto no Brasil, se soluções locais sustentáveis não chegarem ao campo. Não só em teoria, mas também na prática. Este é um dos diferenciais do GALO (sigla em inglês para Global Assessment from Local Observations, ou Análise Global a partir de Observações Locais, em português), um projeto científico “pé no chão”.

A ideia é aliar a ciência a resultados facilmente aplicáveis por quem está no dia a dia da roça, informa Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e do Woodwell Climate Research Center, uma instituição dos Estados Unidos focada em estudos climáticos.

Para potencializar os resultados do GALO, os achados científicos serão comunicados em veículos respeitados nos meios acadêmicos, claro, mas também diretamente aos produtores, por mensagens que possam ser encaminhadas até pelo whatsapp.

Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e do Woodwell Climate Research Center
Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e do Woodwell Climate Research Center

Ludmila Rattis é mineira de Passos, Minas Gerais, um município situado no bioma Cerrado. De lá, ela traz o olhar local para a pesquisa, baseada também em oito anos de trabalho no IPAM. Atualmente, a cientista vive em Boston, nos Estados Unidos, de onde falou ao Carbon Report.

O GALO foi lançado durante a Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai, no fim do ano passado, e será executado em cinco anos.

A ameaça de bater no teto

Limite climático para a agricultura no Brasil” é o título do estudo publicado por Rattis e um grupo de cientistas no fim de 2021, na Nature, mostrando que a liderança do Brasil na produção de soja e milho depende de chuvas previsíveis na região de transição entre o Cerrado e a Amazônia, que inclui o Mato Grosso, Goiás e o Matopiba (fronteira agrícola composta por partes dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Na área considerada celeiro mundial, no entanto, o aquecimento e a seca regionais já empurraram 28% das fazendas para fora do seu “ideal climático”. Essas propriedades estão produzindo, mas com quebras safra frequentes neste século. “O mais assustador é que, até 2030, este pode ser um problema permanente para 51% delas”, afirma.

Rattis acrescenta que, provavelmente, 100% dessas propriedades ficaram fora do ideal climático em 2023, por causa do super El Ninho, fenômeno que levou as temperaturas em todo o mundo a baterem recordes históricos. “O volume de chuva não mudou muito e nem vai mudar na região do Cerrado-Amazônia”, explica. O problema é a distribuição: chuvas torrenciais seguidas de períodos secos, os veranicos, dentro de uma estação chuvosa.

Por causa do trabalho da Embrapa, do Instituto Agronômico de Campinas e das universidades brasileiras, o Brasil virou uma superpotência agrícola. A gente pode não lembrar, mas na década de 1960, o país era um grande importador de alimentos. Hoje, é uma potência, apesar de ter bastante gente na miséria e passando fome”, pontua.

Os avanços tecnológicos nas sementes, melhoramentos genéticos etc. foram fundamentais para o Brasil produzir comida em larga escala, mas na avaliação de Rattis estão chegando ao limite imposto pelas mudanças do clima.

Vapor d’água e produtividade

O que mais afeta a produtividade de grãos (soja e milho), hoje, é o déficit de pressão de vapor (Vapor Pressure Deficit – VPD), diferença entre a quantidade de umidade que o ar consegue reter e a que de fato ocorre.

Esse déficit aumenta muito com o desmatamento, informa. Um dos primeiros desafios do GALO é resolver a seguinte questão: 10% de desmatamento afetam em X o VPD e diminuem em Y o número de sacos de soja ou milho por hectare. “As análises estão prontas. Agora estamos escrevendo o texto, que deve ser publicado até o fim deste ano.”

A supressão da vegetação encurta o período de chuva, que começa a chegar mais tarde e a terminar mais cedo, reduzindo as janelas de plantio. “A gente viu a safra e a safrinha de sequeiro sumirem do Matopiba, dos anos 2000 para cá. A irrigada sim, mas se não tiver água, como irrigar?

Rattis explica que existem vários tipos de secas e maneiras de medi-las. Segundo ela, calcular a intensidade de uma estação seca é uma boa maneira de prever como será o comportamento da lavoura do ano seguinte. No entanto, os produtores costumam usar o modelo agronômico, baseado na umidade do solo, e não o ecológico, que considera a intensidade da estação seca para definir o plantio.

Visão local e não global

O GALO é focado na análise e busca de soluções locais. “A gente amostra em um lugar e tenta extrapolar para uma região. Estamos tentando transformar pontos de amostragem em padrões gerais”. O objetivo é identificar as configurações que uma propriedade rural deve ter para ser o mais sustentável possível: onde deve ficar a plantação de milho, a de verdura, o pasto, o galinheiro.

Rattis diz que a visão local e não global tenta entender os efeitos das mudanças do uso da terra no clima. “Olho para o que acontece quando a gente corta uma árvore no quintal. Se a árvore tinha um médio porte, deixou de jogar para a atmosfera, por dia, 300 litros de água, deixou de gastar a energia necessária para dois aparelhos de ar-condicionado por hora. Com o corte da árvore, essa água não vai circular, essa energia vai ficar ali, causando o aquecimento local e secando o ambiente. Esse é o tipo de mudança climática que mais afeta a agricultura”, explica.

O GALO está debruçado sobre os aspectos que ajudam nessa configuração da paisagem. Um deles é a comida. Ela gera um solo mais saudável, rico em carbono e matéria orgânica, com microrganismos vivos?

Um dos objetivos é calcular a quantidade ideal de insumos usada para garantir o melhor rendimento das colheitas, combinando ganhos ambientais e econômicos e evitando desperdícios. Outro foco é a biodiversidade. Qual é a vegetação nativa mínima para garantir uma biodiversidade mais rica? Tem ainda a questão da água: qual é a configuração de paisagem para ter mais água e água com qualidade? Por fim, o estudo olha como criar áreas à prova de mudanças do clima.

As configurações das áreas de produção são a base para calcular o custo da mudança nos sistemas e também o benefício. Quanto o produtor vai gastar e quanto vai ganhar no futuro? A análise considera as grandes diferenças existentes em um país como o Brasil.

A abordagem para recuperar uma área de pastagens no Rio de Janeiro não é a mesma que para a região de Chapadinha, no Maranhão, por exemplo: são realidades muito diferentes, que vão sofrer de maneira muito diferente os impactos das mudanças climáticas. São necessárias, no mínimo, soluções regionalizadas.”

O desmatamento no Brasil é hiperlocal, diz ela. Isso significa que a solução também varia de lugar para lugar. E quando a análise é regionalizada, fica mais fácil entender os custos e os benefícios.