carbonreport.com.br

Renováveis são vantagem para o Brasil, apesar da tributação de carbono na fronteira da Europa

Renováveis são vantagem para o Brasil, apesar da tributação de carbono na fronteira da Europa

Segundo o estudo da KPMG, entre os principais desafios estão conciliar a descarbonização com as políticas sociais e reduzir a pegada de carbono dos transportes

9 de novembro de 2023

A KPMG divulgou nesta quinta-feira (9/11) um relatório que examina as iniciativas de 24 países e de setores econômicos-chave para reduzir as emissões de gases de efeito estufa causadores da mudança climática. O estudo também aborda o estágio de preparação e a capacidade de cumprir as metas de descarbonização. Segundo o documento, o esforço de substituição energética pode conferir vantagens ao Brasil, em relação a seus competidores, diante das novas exigências impostas pelo Mecanismo de Ajuste de Carbono de Fronteira da União Europeia (CBAM).

Entre os maiores desafios para o Brasil estariam conciliar a descarbonização e as políticas sociais, além de mudar o setor de transportes de cargas, movido basicamente a combustíveis fósseis. O documento cita ainda a falta de solução para o dilema de passar a tributar a propriedade de veículos antigos para estimular a renovação da frota brasileira ou incentivar financeiramente a troca desses automóveis.

Brasil pode se beneficiar dos altos níveis de utilização de renováveis

De acordo com a KPMG, o Brasil espera se beneficiar de altos níveis de utilização de energia limpa ao exportar para a União Europeia, no contexto do CBAM. Uma nova ferrovia de carga, a Norte-Sul, um robusto plano agrícola e o aumento do monitoramento do desmatamento proporcionam mais oportunidades para a descarbonização do país.

Segundo o estudo, o Brasil percorreu um longo caminho para descarbonizar a energia de sua produção, com quase 45% do total proveniente de fontes renováveis. Cerca de quatro quintos da eletricidade do país vem de usinas hidrelétricas, relata, e a geração solar está crescendo rapidamente.

O relatório cita ainda que a maioria dos carros brasileiros é flex-fuel e pode rodar com etanol produzido a partir da cana-de-açúcar ou do milho, além da gasolina, algo que o governo vê como um ponto significativo em favor de sua indústria automotiva. A chinesa Wall Motor iniciou em abril a produção local de carros híbridos, que funcionam 100% com etanol e eletricidade.

Felipe Salgado, diretor Consultivo de Descarbonização da KPMG no Brasil, diz que o progresso do país em energia limpa cria oportunidades para suas empresas. Pode, por exemplo, significar exportadores brasileiros pagando menos do que os de outros países no âmbito do CBAM, que iniciou a sua fase transitória no dia primeiro de outubro deste ano. Esta nova regra tributa as importações do bloco em linha com os encargos enfrentados pelas empresas europeias, sujeitas ao Sistema de Comércio de Emissões (ETS). Isso pode ajudar os países que usam energia de baixo carbono.

O governo brasileiro também está discutindo a introdução de um mercado regulado de carbono, que espera implementar antes da COP28, prevista para começar no fim deste mês em Dubai. “Isso é uma virada de jogo”, diz Salgado. “Esses dois impulsionadores, o mercado interno regulamentado e o CBAM, podem impulsionar a descarbonização das grandes empresas à medida que começam a medir e implementar iniciativas de redução de carbono.”

Reflorestamento é oportunidade

Salgado diz que além de reduzir as emissões líquidas e melhorar a situação ambiental do país, o reflorestamento oferece oportunidades comerciais através da venda potencial de créditos de compensação de carbono.

O documento também menciona a agricultura, responsável por emissões significativas e uma nova versão do plano ABC para descarbonização do setor foi publicada pelo governo em outubro de 2021, para a COP26, de Glasgow. O Plano ABC+ inclui recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens atualmente degradadas, ampliação do uso de fixação biológica de nitrogênio para substituir fertilizantes à base de nitrogênio e o reflorestamento de milhões de hectares de terra.

Plano agrícolas, nova ferrovia e carros velhos

Os caminhões de carga no Brasil tendem a usar diesel com alto teor de carbono em vez do etanol, diz o relatório. O texto cita ainda que, depois de 35 anos, o governo concluiu em junho a construção da Ferrovia Norte-Sul, com 2.257 quilômetros de extensão.

A ferrovia liga áreas produtoras de commodities como soja, milho e algodão, aos portos marítimos de Santos (SP), no Sudeste, e de Itaqui, no Maranhão, Nordeste do país. Mesmo antes de sua conclusão, a Norte-Sul transportava cerca de metade dos sólidos agrícolas a granel exportados do país.

O Brasil também está estudando como pode transferir parte da carga das estradas para o transporte marítimo, diz o estudo.

Os dilemas da descarbonização do Brasil

Salgado avalia que alguns programas e políticas existentes, incluindo as de combate ao desmatamento, são prejudicados pela má fiscalização. Na avaliação dele, podem surgir conflitos entre a descarbonização e as políticas sociais.

Outra questão é a renovação da frota brasileira. Atualmente, o governo não tributa a propriedade de veículos mais antigos, mas há discussões iniciais em mudar isso para incentivar os motoristas a adotar sistemas mais novos e normalmente mais eficientes em termos de combustível.

No entanto, acrescenta, isso poderia exigir apoio financeiro para ajudar proprietários de veículos antigos a comprar carros mais novos.

Problemas globais

Uma das principais barreiras para alcançar as metas climáticas destacadas no relatório é o alto nível de dívida pública em muitas economias do mundo, após o aumento dos gastos dos governos com problemas como a pandemia de Covid-19, subsídios à energia, invasão da Ucrânia pela Rússia e a elevação das taxas de juros. Yael Selfin, economista-chefe da KPMG no Reino Unido, disse que “isso deixa menos espaço para gastos no cumprimento das metas líquidas zero.”

Os custos altos da descarbonização também são vistos como desafio à transição energética em alguns países. Por outro lado, o aumento da frota de veículos elétricos se contrapõe ao custo elevado e a baixa disponibilidade de combustíveis de baixo carbono em alguns países, o que dificulta a transição em setores como os de aviação e transporte marítimo.

Embora o relatório registre uma grande mudança nas tendências de investimento ao longo dos últimos anos, citando inclusive o Inflation Reduction Act (IRA) dos Estados Unidos, assinala que os gastos globais no desenvolvimento de energia de baixo carbono estão significativamente mais elevados do que com os com combustíveis fósseis.

O relatório destaca uma série de desafios que impedem a mudança das fontes de energia, como o aumento da demanda energética de países em rápido crescimento, como a China e a Índia. Isso tem levado ao crescimento da produção de combustíveis fósseis e de renováveis, ao mesmo tempo. O estudo menciona, ainda, entre as questões a serem solucionadas, a infraestrutura da rede elétrica para lidar com fontes de geração de energia mais amplamente distribuídas e mais a produção intermitente típica de energia renovável.