Povos indígenas, quilombolas e extrativistas querem mais participação e poder decisório sobre os sistemas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+)
07 de fevereiro de 2024
Iniciativas de redução das emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação florestal devem conter mecanismos de proteção aos direitos de povos indígenas e de comunidades tradicionais, recomenda o estudo divulgado nesta quarta-feira (7/2) pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Intitulado “Salvaguardas Socioambientais e a Garantia dos Direitos dos Povos da Floresta”, o documento focado em iniciativas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) no bioma Amazônia é voltado a tomadores de decisão.
“A intenção é evidenciar os principais obstáculos ao cumprimento das salvaguardas socioambientais de REDD+ na perspectiva dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, bem como oferecer sugestões para que os gestores estaduais consigam resolver esses obstáculos quando estiverem implementando seus sistemas jurisdicionais”, diz Raissa Guerra, pesquisadora do IPAM e principal autora do estudo.
A análise identifica desafios e propõe soluções para o cumprimento das salvaguardas socioambientais – como são chamadas as medidas que podem garantir a inclusão equitativa dessas populações nas estruturas de governança e, assim, reduzir os riscos associados a projetos de compensação de emissões.
Respeitar salvaguardas socioambientais para reverter crise climática
“O ano de 2023 bateu recordes de secas extremas, altas temperaturas e enchentes. Essa crise afeta de maneira mais intensa os povos indígenas, evidenciando a injustiça climática sentida por eles. Reverter esse cenário é urgente e, para isso, respeitar as salvaguardas socioambientais é o primeiro passo”, avalia Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM, também autora.
Os desafios mais citados pelos povos da floresta, quanto à construção dos sistemas de REDD+ estaduais, são apresentados em cinco categorias: participação social; protocolos de consulta; repartição de benefícios; proteção e direito aos territórios; e conflitos internos. Para chegar a esse resultado, as pesquisadoras realizaram oficinas sobre mudanças climáticas e REDD+ nos nove Estados da Amazônia Legal, algumas em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
“Durante as oficinas, nós observamos que povos indígenas, quilombolas, extrativistas e outras populações locais querem mais participação e maior poder decisório na construção e implementação dos sistemas de REDD+. As salvaguardas de Cancun são um primeiro passo, mas mecanismos de proteção mais específicos e adaptados à realidade local precisam ser construídos em conjunto com os grupos envolvidos para a efetiva garantia de direitos e proteção dos territórios e modos de vida tradicionais”, comenta Ariane Rodrigues, pesquisadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM e autora.
As salvaguardas de Cancun, citadas por Rodrigues, foram definidas em 2011 no âmbito da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) para garantir o compromisso de iniciativas de REDD+ com povos indígenas e comunidades tradicionais.
Proposta é criar comitês de povos da floresta
Entre as recomendações das pesquisadoras, a partir dos desafios identificados, está a criação de comitês de povos da floresta, com participação paritária, inclusive de gênero, em instâncias consultivas e deliberativas dos sistemas de REDD+ jurisdicionais, bem como a repartição justa dos benefícios econômicos da conservação. O fortalecimento do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC) e a garantia de acesso aos recursos naturais dos territórios pelos povos e comunidades também estão entre as sugestões.
“Este policy brief reforça que, sem o cumprimento das salvaguardas socioambientais e sem os povos da floresta, nenhuma política de REDD+ funciona, seja nos projetos privados, seja nos jurisdicionais. É importante que tomadores de decisão consigam estruturar seus Estados para incluir essas pessoas no mecanismo de REDD+. Elas precisam ser informadas, consultadas, e de espaços de governança que garantam a sua participação. Precisam estar inseridas nas discussões sobre repartição de benefícios e indicar como os recursos devem ser distribuídos”, acrescenta Guerra.
O mercado de carbono, por ser mais amplo, inclui atividades realizadas em diversos outros setores, como a indústria, energia e transporte. No mecanismo do REDD+, é atribuído um valor monetário à redução do desmatamento e à proteção e manutenção das florestas vivas, especialmente as mais ameaçadas. Isso é negociado em créditos de carbono, por reconhecer a contribuição e o valor econômico dos serviços ambientais prestados pela vegetação para a remoção de gás carbônico da atmosfera.
“Sabemos que a implementação de uma política de REDD+ se depara com um conjunto de desafios, como a falta de recursos, a grande extensão territorial a ser monitorada, além da dificuldade logística para realizar os processos de consulta. Mas é preciso superar essas questões”, conclui a primeira autora. Leia o documento em português e em inglês.