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Três coisas que você precisa saber sobre o calorão nas cidades

Três coisas que você precisa saber sobre o calorão nas cidades

O meteorologista Diego Souza, do Cemaden, fala sobre como os centros urbanos podem enfrentar melhor o calor extremo e as catástrofes naturais provocadas pelas mudanças climáticas

18 de março de 2024

Mariza Louven

Você sabe a diferença entre uma onda e uma ilha de calor e o que isso tem a ver com a sensação térmica recorde de 62,3º Celsius, registrada pelo Sistema Alerta Rio neste domingo (17/3), no bairro carioca de Guaratiba? O meteorologista Diego Souza, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica esses fenômenos e fala sobre como as cidades podem enfrentar melhor os efeitos das mudanças do clima.

O fim oficial do verão, na próxima quarta-feira (20/3), e as previsões de desaceleração do El Niño não são garantia de que o calorão vai começar mesmo a ir embora, prevê o meteorologista. Isso quer dizer que você ainda vai continuar ouvindo falar muito em ondas de calor, caracterizadas pelo registro de temperaturas máximas muito altas, acima do padrão, durante dias consecutivos.

O que são as ilhas de calor?

Já a ilha de calor ocorre devido à diferença de temperatura entre uma área mais e outra menos urbanizada. O excesso de construções, o tráfego de veículos, o uso de equipamentos como refrigeradores de ar etc. esquentam o ambiente. Nas cidades, onde a concentração de pessoas é grande, monitoramentos como o que é realizado pelo Cemaden e pelo Alerta Rio são fundamentais, para ajudar a prevenir desastres naturais e para os municípios se prepararem.

meteorologista Diego Souza, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)
Diego Souza, meteorologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)

Em áreas urbanas ou onde se concentram as populações mais vulneráveis, é muito importante monitorar o tempo para que se possa adotar políticas públicas e ações locais. “Não pensar só em países tentando reduzir seus efeitos sobre o clima, mas também os municípios fazendo a parte deles, com planejamentos urbanos e planos diretores que visem a mitigação dos efeitos que as mudanças climáticas podem acarretar.”

Os primeiros estudos e conceitos sobre ilhas de calor foram feitos inicialmente para países frios, do hemisfério Norte. No Brasil, se referiram à região metropolitana de São Paulo.

Para alguns, o fato de o Brasil ser um país naturalmente quente e com cidades muito grandes torna a ideia de ilha de calor um pouco sem sentido aqui, mas Souza discorda:

“Elas existem e podem ser medidas, mas a gente não vai observar uma diferença tão grande de temperatura”, afirma. Quando fiz o meu doutorado estudei as ilhas de calor de Manaus e de Belém. Manaus é uma cidade com uma floresta densa em volta. Essa floresta também armazena calor, de alguma forma, mas vimos que a área urbana se aquecia mais, durante o dia, e a de floresta se mantinha
numa temperatura praticamente constante, não variava muito. Isso foi observado também em Belém. A gente via muito bem a influência do tráfego: na hora de maior pico de veículos nas ruas, de manhã e no fim do dia, também ocorriam os picos de temperatura.”

O movimento do calor formado nas cidades e da brisa da floresta, dos rios ou do oceano influencia na formação de tempestades. “Em São Paulo, por exemplo, o aumento de temperatura da área metropolitana acelera a penetração da brisa marítima, mais úmida”, comenta.

Segundo ele, apesar desta área estar distante do litoral, o calor da região metropolitana acaba potencializando a formação de tempestades, principalmente no fim do dia, quando o tráfego é mais pesado.

E o que a umidade tem a ver com tudo isso?

A umidade tem grande influência na sensação térmica, ou seja, na temperatura que as pessoas sentem. Por isso é que, no contexto das mudanças climáticas, as regiões mais úmidas podem ser mais afetadas negativamente. Guaratiba, por exemplo, tem características geográficas que favorecem a ocorrência de temperaturas e umidade relativa do ar elevadas,o que aumenta a sensação de calor.

Alguns estudos indicam que cidades do Norte do Brasil, como Belém, no Pará, podem ser muito mais afetadas pelas mudanças climáticas do que outras mais secas. Um deles, elaborado pela ONG CarbonPlan e o jornal The Washington Post, indica que Belém se tornaria a segunda cidade mais quente do mundo em 2050, com mais de 200 dias de calor extremo por ano, na frente até de Dubai (situada numa região de deserto), nos Emirados Árabes Unidos, com 189 dias. A primeira seria Pekanbaru, na Indonésia, com 344 dias de muito calor no ano.

Segundo Souza, nas cidades que já têm uma temperatura média mais elevada, devido à sua posição geográfica, mantida a umidade, a sensação térmica pode ser mesmo muito mais alta, no cenário de mudanças climáticas.

Uma explicação para isso é a de que a umidade retém o calor, liberado quando ela evapora. Assim, a temperatura diminui onde a umidade do ar é mais baixa.

Por que se fala mais em aquecimento global do que local?

Diego Souza explica que a meteorologia e o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas(IPCC) tendiam a olhar mais o risco climático do ponto de vista global porque era o que os modelos permitiam. “Esta continua sendo a melhor maneira de visualizar os efeitos das emissões de gases de efeito estufa e o aumento da temperatura do planeta”, afirma Souza.

O avanço da tecnologia e o desenvolvimento dos modelos permitiu reduzir a escala das análises e das projeções climáticas para o nível local. Os últimos relatórios do IPCC já conseguiram avaliar possíveis impactos, em escala menor, dos extremos de temperaturas, para cima ou para baixo.

“A gente sempre pensa em aquecimento global e em temperaturas muito elevadas, mas os extremos também podem estar relacionados a baixas temperaturas, a chuvas muito intensas ou à escassez delas, ou seja, às secas. Isso é muito nítido no último relatório do IPCC.”