Alto custo é hoje o principal entrave para a difusão do condicionador natural de solo, avalia o engenheiro agrônomo Leônidas Carrijo Azevedo Melo, professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais
05 de março de 2024
Roberta Taliberti Tomasi
O biochar é considerado hoje uma das melhores ferramentas para o sequestro de carbono. Em entrevista ao Carbon Report, o engenheiro agrônomo Leônidas Carrijo Azevedo Melo, professor da área de Fertilidade do Solo da Universidade Federal de Lavras ( UFLA), Minas Gerais, explica o porquê.
Apesar de ainda não ter se tornado popular como outras palavras e expressões do glossário de sustentabilidade – greenwashing, pegada de carbono, biocombustíveis, upcycling – o condicionador do solo já é conhecido há muito tempo por profissionais e estudiosos do meio e está começando a ter seu uso mais difundido.
O biochar tem a capacidade de ser um condicionador de solo, ou seja, consegue melhorar algumas propriedades do solo como a atividade biológica, a acidez, o PH, eliminar alumínio tóxico. Com isso, melhora o ambiente que vai receber o fertilizante e pode reduzir o uso de fertilizantes, trazendo mais eficiência e diminuindo as perdas por volatilização, lixiviação, fixação ou precipitação, comuns durante o processo.
“Com as mudanças climáticas em pauta e o mercado de crédito de carbono aquecido, o biochar cresce no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Hoje todo o mundo quer sequestrar ou remover muito carbono da atmosfera e o biochar é a melhor ferramenta que se tem para fazer isso. Mas seu grande gargalo é a questão econômica”, explica Melo.
São necessários cerca de US$1.847 para produzir uma tonelada cúbica de biochar em larga escala. Para o engenheiro, esse custo pode até fazer sentido em países desenvolvidos, mas não no Brasil, onde o custo precisaria ser de 1/3 desse valor. “Os benefícios para o clima, o solo, as plantas e o meio-ambiente são nítidos, mas o biochar precisa ser viável economicamente para justificar seu uso pelos agricultores. Caso contrário, ele vai continuar sendo só objeto de pesquisa”, explica o pesquisador, para, em seguida, apresentar uma possível solução.
Melo dedicou parte de seus estudos à meta-análise, compilando resultados de 40 artigos científicos e concluiu que pequenas quantidades de biochar associadas a fertilizantes melhoram a produtividade das culturas. “Se você usar o biochar como condicionador de solo, a grande dificuldade é a quantidade que precisa aplicar, muitas vezes da ordem de várias toneladas por hectare. O custo fica muito elevado. Mas se associá-lo ao fertilizante pode reduzir a dose (entre uma e duas toneladas) e viabilizá-lo economicamente. A ideia é diminuir a dose e aplicar todo ano, aí você vai construindo a quantidade dele no solo, em vez de aplicar tudo de uma vez e depois ir amortizando. Ano a ano o produtor não sente tanto o impacto financeiro do uso do biochar e vê a melhora na produtividade”, explica.
Processo produtivo
Um dos principais diferenciais do biochar é que pode ser produzido a partir de qualquer matéria-prima agrícola ou não agrícola, qualquer resíduo orgânico que seja rico em carbono o suficiente para permitir que a pirólise aconteça. As biomassas contêm fração de carbono, mas ela não é degradável pelos microorganismos, então quando a biomassa é jogada no solo sem nenhum tratamento os microorganismos rapidamente a decompõe e a devolvem na forma de CO2.
No entanto, ao fazer oprocesso de pirólise, estabiliza-se cerca de 50% do carbono contido na biomassa. Os outros 50% viram gás que pode ser convertido em energia ou outros produtos. A parte do carvão, que é o biochar, especificamente, fica numa forma altamente estável.
Certificação
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) reconhece o biochar como uma tecnologia segura e eficiente na remoção e fixação de carbono atmosférico. Isso alavancou o interesse pela produção em larga escala. No Brasil, essa produção é feita por uma única empresa, a NetZero, mas para os próximos anos é esperado um crescimento exponencial.
Nesse mercado, o Brasil pode até se destacar, por causa da grande quantidade de biomassa que tem disponível, seja agrícola ou industrial, possível de ser utilizada na produção de biochar.
Matéria-prima
Para aplicar a sustentabilidade, precisa-se criar circularidade, voltando com os materiais para o ciclo produtivo. O biochar é um forte aliado nesse sentido, já que qualquer biomassa disponível pode ser utilizada em sua produção. A melhor é aquela que não tem o uso bem definido ainda, pois o custo dessa matéria-prima é zero ou próximo de zero.
Muitas vezes, a produção de biochar permite eliminar passivos ambientais e agregar ainda mais valor. Um exemplo é o lodo de esgoto. Ao ser utilizado como biomassa, o material é esterilizado, a fração de carbono é estabilizada e, com isso, melhora as propriedades do lodo como um todo. O lodo como resíduo acaba sendo um grande problema para o meio-ambiente, pois o fim do seu ciclo em geral é no aterro sanitário, mas ele carrega muitos nutrientes bons que podem ser utilizados na agricultura.
Além de poder utilizar qualquer biomassa em sua produção, o biochar pode beneficiar qualquer cultura. No entanto, culturas com maior valor agregado, ou seja, com maior rendimento por hectare, viabilizam mais o negócio. No Brasil, o café tem um valor agregado alto comparado à produção de grãos. Com um pequeno aumento de produtividade dá um retorno econômico mais rápido.
Saiba mais sobre o biochar em nosso glossário: https://carbonreport.com.br/biochar/
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