Segundo ele, preço alto de CO2 é fundamental, mas tem que ser complementado por política industrial, redução de juros e reforço de bancos de investimentos como o BNDES
Mariza Louven
O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia, defendeu a precificação do carbono como medida fundamental para garantir a transição energética do Brasil e o protagonismo do país na agenda de transição verde. Segundo ele, o preço do CO2 tem que ser alto, de US$ 100 ou mais a tonelada, para criar uma transição mais justa e relações de mercado mais equilibradas.
No entanto, a precificação do carbono, sozinha, não basta, disse ele nesta terça-feira, durante o evento “Diálogo Pré-COP28 – O papel da Indústria na agenda de Clima”, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). É preciso um conjunto mais amplo de iniciativas, que inclua a regulamentação do mercado, redução das taxas de juros, uma política industrial e que estimule o investimento na economia verde e incentivos públicos.
Stiglitz defendeu o fortalecimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e até a criação de outros bancos de desenvolvimento verde pelos Brics para impulsionar os investimentos. Mencionou que este é um movimento que vem acontecendo nos Estados Unidos, onde o estado de Nova York criou o seu próprio banco de desenvolvimento.
Precificação do carbono
“Quando não precificamos algo, costumamos ter uma alocação errônea de recursos”, disse o economista. Segundo ele, o custo do carbono é alto, mas se for considerado zero, não haverá incentivo para que as emissões sejam reduzidas e nem para respostas eficientes à clise climática. “A precificação do carbono é crucial”, afirmou.
O economista discordou, porém, de que este seja o único instrumento necessário. “A precificação do carbono, sozinha, não pode solucionar o problema. Precisamos de regulamentação. As pessoas da indústria podem dizer que, muitas vezes, as regulamentações são distorcivas, ineficientes, mas talvez seja possível introduzir uma regra simples, de não permitir mais usinas ou fábricas alimentadas por combustíveis fósseis”. Outra regra clara seria uso industrial de combustíveis fósseis e estimulando a eletrificação veicular, complementou.
Como as respostas dos mercados podem ser lentas, explicou, é necessário “um empurrão mais forte, por meio da regulamentação”, assinalou, defendendo também o investimento público para fomentar a transição verde. Um dos setores destacados por ele foi o de biocombustíveis, em que o Brasil já tem uma das tecnologias mais eficientes do mundo de transformação da cana-de-açúcar em etanol. “Isso não teria acontecido sem o estímulo do governo”, reforçou.
A barreira dos juros altos
O “pacote abrangente de medidas” necessário para estimular os investimentos numa economia verde, na visão dele, tem que incluir a redução das taxas de juros e a formulação de políticas industriais. Stiglitz disse que os países emergentes deveriam incentivar, por meio de políticas industriais, as suas próprias transições verdes.
“É imperativo diminuir as taxas de juros”, ressaltou o economista, para que não prejudiquem o investimento produtivo na transição verde e com impacto social. As autoridades monetárias do Brasil estão impedindo a transição verde, pontuou, ao criticar as altas taxas de juros em vigor, criticando também as taxas nos Estados Unidos.
Stiglitz defendeu o fortalecimento do BNDES e até a criação de outros bancos de desenvolvimento para apoiar os investimentos na economia verde, lembrando que o estado de Nova York criou o seu banco de investimento. Na opinião dele, os mercados emergentes, até por meio do Brics, têm os recursos para criar e expandir o financiamento para impulsionar a transição verde.
Sugeriu ainda que o Banco Mundial e outras instituições multilaterais sejam encorajadas a oferecer empréstimos com baixas taxas de juros e a criar um fundo de tecnologia verde para ajudar os emergentes a fazer a sua transição.
Neocolonialismo
O ambiente global está mudando muito, disse ele, inclusive em torno da ideia de liberalização da economia, de que todos se beneficiariam da remoção de barreiras: “ninguém mais acredita nisso”. O neoliberalismo acabou, disse ele, acrescentando que por muitos anos as políticas industriais foram criticadas. Agora, porém, acrescentou, tanto os republicanos quanto os democratas estão dizendo que os Estados Unidos precisam de uma política industrial para fins de segurança, para garantir chips seguros e para a transição verde.
Stiglitz elogiou a política de combate à inflação (o Inflation Reduction Act – IRA) do governo Biden, que destina bilhões de dólares para a transição energética. Mas disse que o efeito colateral é criar mais desigualdade na transição. Ele também elogiou os incentivos da Europa à transição verde, mas opinou que, junto com os subsídios dos EUA, criam mais desvantagens para os emergentes.
Para piorar, tem ainda os ajustes transfronteiriços e tarifas verdes, como o imposto de fronteira que vai começar a ser adotado na Europa (CBAM). Segundo ele, isso é uma nova forma de “protecionismo verde”, que poderá prejudicar as exportações de países como o Brasil. “Os países desenvolvidos estão dificultando a transição para as economias emergentes”, afirmou.
Novo fôlego para a política industrial
Numa nova arquitetura global em que as políticas industriais voltaram a ser aceitas, segundo Stiglitz, o Brasil precisa pensar como recriar igualdade de condições de mercado. O Brasil tem que responder a essas pressões no G20 e na COP 28”, afirmou.
Segundo ele, a imposição de novas tarifas verdes pelos países desenvolvidos tem um efeito de “neocolonialismo”, ao dificultar a exportação de produtos de maior valor agregado e manter os países menos desenvolvidos apenas como produtores de commodities. “Por isso, a liderança do presidente Lula é tão importante”, comentou.
O economista disse que houve uma mudança no entendimento sobre a relação entre mudanças climáticas e a economia. Hoje, está claro que as políticas de combate as mudanças climáticas podem promover o crescimento econômico. Questionou também quem diz que as energias renováveis não são muito confiáveis, dizendo que “ditadores como Putin (o presidente da Rússia, Vladimir Putin) são menos confiáveis ainda”.
Se a política climática for forte, pode promover o crescimento em todos os aspectos, acrescentou. Além da redução das emissões, tem uma série de benefícios, como os de saúde, que são parcela dos benefícios totais. No Brasil há outro aspecto que é o fato de a Amazônia ter um impacto no clima de todo o país, com influência também no clima do mundo: “sabemos que se não houve chuvas o Brasil não terá colheitas. “Existe um link muito claro entre a preservação da Amazônia e da agroindústria”.
Stiglitz lembrou que o agronegócio é responsável por grande parte das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, ao falar da importância de fixação de carbono no solo.
Outras áreas que, na visão dele, merecem atenção são o investimento em transporte público e a criação de regras de zoneamento urano para estimular a construção de habitações mais sustentáveis.