iCS, SIS, INESC e IDS debateram nesta terça-feira como a reforma tributária pode estimular a economia limpa e evitar que atividades intensivas em carbono continuem sendo incentivadas
A regulamentação do mercado de carbono brasileiro não prevê a taxação das emissões de CO2, mas o Imposto Seletivo (IS), em discussão no âmbito da reforma tributária, pode operar como uma espécie de imposto de carbono. A avaliação é do coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Gustavo Pinheiro.
Pinheiro participou de um debate virtual, na manhã desta terça-feira (3/10), com a participação da diretora-executiva da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), Luciane Moessa, da assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Livi Gerbase, e da coordenadora executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Carolina Mattar.
O sistema tributário atual é regressivo social e ambientalmente, porque arrecada mais dos mais pobres e produz externalidades negativas. Taxa pouco ou subsidia atividades que produzem poluição enquanto sobretaxa quem contribui com serviços ambientais.
Para ele, a ideia do IS também se conecta com a taxonomia verde, em consulta pública pelo Ministério da Fazenda. O IS poderia impor uma sobretaxa para atividades que fazem mal à saúde, como por exemplo as que têm alta emissão de carbono, opinou. Poderia operar como um tributo de carbono, disse.
Pinheiro afirmou que existe hoje uma campanha disfarçada contra o IS. A alegação é de que poderia encarecer insumos básicos, como por exemplo a energia. Segundo ele, isso não faz sentido. O que tem encarecido é a produção de energia baseada em insumos fósseis. “Tentam rotulá-lo como imposto do pecado, como se taxar o pecado fosse ruim. Na verdade, ruim é cometer o pecado.”
O evento aconteceu na mesma data em que foi realizada a 38ª reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para discutir a reforma tributária.
De acordo com Live Gerbase, a reforma tributária tem que ser saudável, solidária e sustentável, mas privilegia os combustíveis fósseis. Segundo ela, a reforma deveria ir além da simplificação da tributação e priorizar o que é saudável, solidário e sustentável. Na visão dela, o IS deveria ter a função de inibir o consumo de produtos que não são saudáveis, solidários e sustentáveis.
No entanto, segundo Gerbase, o INESC identifica aumento dos subsídios aos combustíveis fósseis nos últimos anos. Apesar das metas de conter o aumento da temperatura global, o G20 investiu US$ 1,4 trilhão em 2022, disse. Não houve queda nos subsídios. Os números mostram muitos subsídios sob a forma de incentivos diretos e renúncias de receitas e gastos orçamentários, acrescentou.
No Brasil, especificamente, não existe uma estimativa oficial do total desses incentivos, mas de acordo com ela o Repetro, que é o mais antigo o país, também aumentou em 2022: “Os subsídios estão em toda a cadeia de petróleo e gás”.
Os incentivos encorajam os níveis de produção e consumo de combustíveis fósseis, pontuou, e incentivam a exploração de áreas ambientalmente sensíveis. Fica mais difícil a transição. Na visão dela, os incentivos deveriam ser destinados a estimular setores em que o crescimento é desejável.
Gerbase defendeu que a reforma tributária vá além da simplificação. O ideal do IS, disse, é que funcione como inibidor de produtos que não são solidários, saudáveis e sustentáveis.
O parágrafo 9 do artigo 9, por exemplo, prevê a não incidência do IS sobre produtos com alíquotas reduzidas. Isso quer dizer que todo mundo que entrar na lista do incentivo fiscal não vai poder entrar no IS. “Isso é matar o IS no começo”, acrescentou.
Na visão dela, a lógica tinha que ser o contrário: quem está no IS não deveria poder receber incentivos fiscais. “Estamos vendo uma lista cada vez maior de incentivo fiscal e o IS está lá, sendo minado”, reforçou Gerbase.
Carolina Mattar disse que o IDS tem trabalhado para que a reforma contemple a responsabilidade com o meio ambiente, a proteção à saúde e a redução das desigualdades sociais. Para ela, o IS talvez possa ser a luz no fim do túnel: a descarbonização hoje não explicitada no texto da reforma pode vir através da lei complementar como um parâmetro, o princípio do poluidor pagador, ao especificar a lista de bens e serviços setores que seriam cobertos pelo IS.
Segundo ela, também tem muita importância o ICM ecológico, que será substituído pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Defendeu que este imposto tenha os mesmos critérios do ICMS verde, que compensa municípios pela proteção de unidades de conservação e áreas protegidas.
Luciane Moessa defendeu que a taxonomia – sistema de classificação de atividades econômicas – verde seja usada para fins tributários. No setor financeiro, as taxonomias buscam influenciar o acesso ao capital conforme o nível de impacto positivo ou negativo da atividade.
Isso é muito importante, porque a maior parte das atividades econômicas dependem em alguma medida do setor financeiro, mas algumas se viabilizam via capital próprio. Todas, porém, pagam imposto. “Então, inserir isso na tributação tem alcance ainda maior do que no setor financeiro, como tem sido feito mundo afora”, disse Moessa.
Além da União Europeia, mais 17 países já têm taxonomias oficiais, via legislativo ou executivo, acrescentou. Mas nenhuma delas é usada para fins tributários. “É uma lástima e uma perda de oportunidade.”
Segundo Moessa, a taxonomia pode ser usada para várias finalidades, mas a principal é buscar a transição de uma economia que levou o mundo para a situação de emergência climática e crise de biodiversidade. A taxonomia mede para mudar, complementou: Daí a importância de medir e saber o montante de incentivos aos combustíveis fósseis.
Pode ser usada também para medir a sustentabilidade das atividades que fazem parte de portfólios de investimento e de crédito e para rotular produtos financeiros, evitando também o greenwashing.