Não é a primeira vez que empreendedores tentam levar à frente projetos de produção de biodiesel em larga escala para substituir parte do petróleo no Brasil. Iniciativas como o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, de 2005, com foco principalmente no pinhão manso e na mamona, não tiveram os resultados imediatos esperados na época. Na opinião de Blanco, o que deu errado não foi a estratégia de impulsionar o biodiesel e sim os gargalos de matéria-prima.

De lá para cá, a tecnologia evoluiu e, no caso da macaúba, exemplares da planta selvagem, encontrada na natureza, foram “domesticados” com a ajuda da pesquisa científica. A Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Mingas Gerais, é pioneira e referência no estudo da macaúba.

Histórias cruzadas no passado

A indústria da macaúba tem uma história que cruza com a da indústria do petróleo. A palmeira vem sendo estudada há quase vinte anos por pesquisadores da UFV, sob a liderança do professor Sérgio Yoshimitsu Motoike. O primeiro grande impulso foi dado pela Petrobras, que financiou o projeto inicial.

O surgimento da S.Oleum também tem um link com o petróleo. “Nós existimos graças ao programa de biocombustível de 2005 e ao investimento da Petrobras na pesquisa da UFV”, afirma Blanco. O executivo entrou no ramo da bioindústria depois de desenvolver um projeto no Paraguai, em 2018, para o BSbios, sediado em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, maior produtor de biodiesel brasileiro. Foi nesta ocasião que ele começou a ter contato com as petroleiras, que seriam as compradoras daquele biodiesel.

“Ficou óbvio que o grande gargalo para a produção não era a tecnologia, bem dominada por fornecedores robustos e estabelecidos; e que também não se tratava de capital, porque a indústria de óleo vegetal é capital-intensiva, mas nada anormal para o padrão do petróleo. O grande gargalo e fator de competitividade é a matéria-prima.”

O reencontro da macaúba com o petróleo

Hoje, o maior interessado na macaúba é a indústria do petróleo, afirma Blanco, pelo potencial do óleo extraído dessa palmeira substituir um percentual relevante do insumo de origem fóssil e intensivo em carbono. Não só por se encaixar em planos de descarbonização, mas também pela afinidade de infraestrutura.

“A cadeia de valor é a mesma, midstream e downstream. Só muda o upstream, que em vez de acontecer num poço de petróleo ou plataforma, está numa floresta. Dali para a frente, é a mesma cadeia logística. O óleo vegetal é coisa mais parecida com o petróleo que existe.”

Traduzindo a fala de Blanco: upstream, midstream e downstream são as três principais etapas da indústria do petróleo e gás natural, sendo que upstream são as atividades de exploração e produção, midstream envolve o transporte e o armazenamento do óleo bruto e downstream abrange a fabricação de derivados como combustíveis, asfalto e plásticos, tintas e fertilizantes.

Mobilização do investimento

Apesar de as pressões para a descarbonização da economia favorecerem o projeto da S.Oleum, as crises internacionais atrapalham a mobilização dos recursos. Até o inicio de 2022, havia uma forte pressão para que a indústria de petróleo investisse em transição energética e descarbonização, até que a guerra na Ucrânia causou alterações no fornecimento de petróleo e gás no mundo. Uma das consequências foi o aumento dos preços e o redirecionamento de parte dos investimentos globais para projetos de óleo e gás.

Ainda assim, em 2022, a S.Oleum recebeu um aporte de capital de uma empresa líder de bens de consumo global, no valor de R$ 50 milhões. Os recursos aceleraram a eliminação de gargalos e o início do plantio da macaúba em larga escala.

Com a transição energética correndo o risco de ser atrasada, governos como o dos Estados Unidos e a União Europeia destinaram bilhões de dólares a projetos de transição energética, por meio de pacotes de incentivos como o Inflation Reduction Act (IRA) e o Grean Deal.

“Isso terminou fazendo com que o dinheiro fluísse mais para a Europa e os Estados Unidos, onde os governos estão dando muito incentivo para cada dólar investido”, pontua Blanco. Segundo ele, nos últimos meses, porém, houve um retorno do apetite dos investidores para discutir potenciais arranjos comerciais e investimentos.

Modelo de negócio ainda não inclui carbono

Por enquanto, o modelo de negócio da S.Oleum prevê apenas a venda de óleo e farelo de macaúba, além dos subprodutos da palmeira, como etanol, e a produção agrícola associada. A geração e venda de créditos de carbono não está incluída.

Faltam cálculos baseados em metodologias internacionais para que mais esta fonte de recursos seja agregada ao empreendimento. No entanto, segundo ele, estudos acadêmicos indicam que será possível gerar créditos de remoção de carbono equivalentes a cercas de 27 toneladas de CO2 por hectare anualmente, até o nono ano de vida das palmeiras.

A intensidade das emissões de carbono em toda a cadeia de produção é baixa. Estudo conduzido pela Roundtable for Sustainable Biomaterials (RSB), avalia que será de menos 1kg de CO2e a alguns gramas de carbono. “Em números para indústria de energia, estamos falando entre -26g de CO2e por megajoule (uma medida usada no setor) a mais ou menos 10g de CO2e por megajoule. Isso quer dizer que o pior cenário é de 10g de CO2e, um resultado muito melhor do que a gente vê por aí, onde chegar a 10g é só com resíduo.”

Gargalos da transição dos óleos

A matéria-prima continua sendo a chave para a transição do óleo intensivo em CO2 para o de baixo carbono, na opinião de Blanco: a principal fonte do produto vegetal é a palma (Elaeis guineenses Jacq.), que produz um tipo de dendê. Desta planta é extraída cerca de metade da produção mundial. A palma e a soja, juntas, representam aproximadamente 70% do total.

Apesar de muito produtiva (três a quatro toneladas de óleo por hectare), a palma precisa alto índice chuvas para se desenvolver. Segundo Blanco, o problema é que o volume necessário só é encontrado nas florestas tropicais: “onde entra um hectare de palma, sai um hectare de floresta. Se não fosse isso, a palma seria fantástica.”

Já a soja, produzida prioritariamente para gerar farelo proteico e óleo, é intensiva em área. Dela são extraídas em torno de 500 toneladas de óleo por hectare, mais três a 3,5 tonelada de farelo proteico, informa. “Além da intensidade de terra, a soja tem a baixa produtividade, que se reflete no custo total.”

Blanco destaca que nenhum país do mundo se tornou exportador de petróleo porque investiu em refinarias. “Se não tiver o petróleo e a capacidade de explorá-lo, pode fazer quantas refinarias quiser que não será exportador de petróleo.”

O mesmo acontece, na visão dele, em relação ao biocombustível: “Tecnologia todo mundo tem a mesma, mas quem tem o diferencial de produzir matéria-prima sustentável e econômica é o Brasil. Se focar em arranjos produtivos como estamos desenvolvendo aqui, vinte vezes mais produtivos que a soja e duas a três vezes mais do que a palma, em área degradada, de baixa produtividade, já antropizada, que não disputa com floresta, estamos falando talvez na única fonte de transição energética que é economicamente competitiva com o petróleo.”

Segundo Blanco, o óleo vegetal nunca terá um custo tão baixo quanto o do petróleo, que em algumas regiões do mundo é de US$ 4 ou US$ 5 o barril. “Na macaúba, chegamos a um custo de produção perto de US$ 15 o barril. Com o petróleo a US$60, US$80 estaremos produzindo e vendendo no mesmo preço e ganhando bastante dinheiro. Não vamos precisar de incentivo.

O executivo critica o que chama de transição energética baseada em subsídios e sem perspectiva de queda dos custos no futuro. “Isso é condenar o mundo a viver subsidiando empresário.”

A macaúba como alternativa de baixo carbono

A escolha da macaúba foi norteada por critérios como ser uma alternativa dentro da biodiversidade brasileira altamente produtiva, que demanda extensões menores de terra. A possibilidade de consorciar a palmeira com florestas, que também adicionam o sequestro do carbono e alguns fatores positivos para o sistema como um todo, foi outro quesito que pesou positivamente.

Mesmo considerando que o melhoramento genético pode ser maior, hoje a produtividade da macaúba é aproximadamente 6 toneladas de óleo por hectare, informa.

Pesou também, para a definição da macaúba, o fato de a planta poder ser desenvolvida preferencialmente no Cerrado, “área mais abundante para a agricultura no Brasil, não considerado um bioma de risco, como a Floresta Amazônica e o Pantanal. Além disso, o Cerrado já passou por um processo de antropização, desde a década de 1950, ou seja, existem mais áreas disponíveis degradadas.” Blanco cita ainda estimativas de que o bioma tem cerca de 60 milhões de hectares degradados.

De acordo com Blanco, tem ainda o fator global: “se optássemos por biomas mais específicos, como o Pampa e a Mata Atlântica, teríamos uma região muito menor para explorar fora do Brasil. O Cerrado brasileiro é muito similar à Savana, por exemplo.”

Segundo ele, a macaúba pode gerar um volume de óleo vegetal de cerca de 8 milhões de barris por dia, muito maior do que o do petróleo produzido pela Petrobras. Os EUA, maior produtor de petróleo hoje, produz perto de 11 milhões de barris por dia. “Seria uma mudança na maneira de fazer agricultura no Cerrado brasileiro e de rearranjo na produção de energia.”

Pesquisa & desenvolvimento

O histórico de pesquisa e desenvolvimento focado na macaúba também contou. Desde 2005, a palmeira é estudada por pesquisadores da UFV. “O professor Sergio Motoike, hoje sócio da S.Oleum, encontrou uma forma de germinar a macaúba e eliminar o principal entrave à sua produção como cultura agrícola, que era a baixíssima germinação. De cada 100 sementes plantadas, em média, só duas viravam árvores. Hoje, é possível atingir 90% de germinação e produzir por meio do plantio de mudas.”

A domesticação da macaúba visou a seleção das melhores plantas para formação de um banco genético e saber qual é o melhor manejo: plantio, adubação, colheita etc.

Motoike é o fundador da Acrotech, empresa que iniciou um processo de melhoramento genético e de manejo da macaúba. Depois, novos investidores apoiaram a criação da Soleá, controlada pelo empresário Aurélio Pastori, responsável pela expansão do banco genético a partir das melhores árvores das populações selvagens de macaúba.

A Soleá iniciou o projeto-piloto de plantio da macaúba em 700 hectares, numa fazenda localizada no município de João Pinheiro (MG). Em 2020, Blanco criou a S.Oleum e adquiriu 50% do capital da Soleá, incorporando também a Acrotech.