Embrapa atesta crescimento de produtividade com tecnologia sustentável na última fronteira agrícola do país, mas boa parte dos agricultores não sabe disso
Mariza Louven
As técnicas sustentáveis de cultivo conhecidas como poupa-terra podem ser a verdadeira salvação da lavoura e da agenda de descarbonização do Brasil. Esses recursos ajudam a fixar carbono no solo e aumentar a produtividade da produção de alimentos, reduzindo o desmatamento, garante o zootecnista Pedro Alcântara, há mais de uma década na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Tocantins.
Em conversa com o Carbon Report, Alcântara diz que soluções poupa-terra para a recuperação de áreas degradadas têm possibilitado o aumento de até dez vezes na produtividade da região conhecida como Matopiba, considerada a última fronteira agrícola do país. MA + TO + PI + BA é o acrônimo formado pelas siglas dos estados do Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia, onde ocorreu forte expansão agropecuária a partir da segunda metade dos anos 1980.
“As técnicas poupa-terra ampliam a produção média brasileira da pecuária, por exemplo, de quatro a cinco arrobas (medida correspondente a 15 quilos) por hectare/ano, para até 50 arrobas por hectare”, afirma Alcântara.
O problema, diz ele, é que a maioria dos produtores do país não tem acesso a essas técnicas de baixo carbono e nem sabe que elas existem. Contribui para isso o fato de o sistema público de assistência técnica ao produtor rural estar tão sucateado quanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), dificultando a chegada da inovação à pequena propriedade, responsável pelo maior volume de produção de alimentos e de empregos.
Informação versus desinformação
“A assistência técnica oficial está sendo deixada cada vez mais de lado, sem investimentos. Mas é esse pessoal que faz a informação chegar no campo. Nesse setor, a internet não adianta tanto: mais desinforma do que qualquer outra coisa”, opina Alcântara, analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa no Tocantins.
Fazer a informação chegar ao produtor, principalmente o de perfil familiar, e dar mais volume à transferência de tecnologia é um desafio. “Os grandes players da cadeia de insumos, muitas vezes, não têm interesse nesses processos. Querem vender seus produtos”, acrescenta.
Referindo-se não só à Embrapa, mas também a universidades e outros institutos de pesquisa, ele diz que será preciso fazer esforço para os sistemas sustentáveis chegarem na ponta.
O grande e o médio produtor conseguem se virar com a assistência privada, mas o pequeno, responsável pelo grosso da produção brasileira de alimentos e pela maior parte dos empregos, não.
No Tocantins, dos 139 municípios, 116 têm escritórios do Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins), a assistência técnica pública. No entanto, segundo ele, “se a pessoa está lá num lugar caindo aos pedaços, sem computador para trabalhar, com carro estragado e sem combustível, como vai atender a toda a demanda do município?”
Quem faz os novos processos chegarem ao pequeno produtor é o agente de desenvolvimento que, hoje, “está jogado às traças”. O sucateamento do Ibama é amplamente conhecido, mas o da assistência ao produtor, nem tanto.
“Um ponto que pega muito para a gente aqui, nesta época do ano, são as queimadas. É uma técnica antiga, ultrapassada, mas usada pelo pequeno produtor, que não tem acesso a outra informação, a outro tipo de tecnologia. A queimada é utilizada para fazer o pasto brotar e a vaca não morrer de fome. Ele poderia estar fazendo tanta coisa melhor, mas não tem orientação. Por isso, é dentro de assentamentos e pequenas propriedades que costumam ocorrer as queimadas”, afirma.
A queimada é uma técnica dos anos 1950. De lá para cá, houve muita evolução, mas os pequenos produtores nem sempre têm acesso a elas. Na visão de Alcântara, se esses agricultores tivessem um agrônomo que os visitasse mensalmente e os orientasse, no mínimo ficariam constrangidos de atear fogo.
Mesmo o financiamento à produção, segundo ele, é tímido: “O setor tem acesso a juros subsidiados que outros não têm, mas não o mesmo subsídio dado em outros países. As tecnologias sustentáveis deveriam ter um peso maior no financiamento”, completa.
Efeito poupa-terra
Práticas como o plantio direto, manejo e conservação do solo e dos recursos hídricos podem ser caracterizadas como poupa-terra. Elas aumentam a produtividade de modo sustentável, porque abrangem os aspectos ambiental, econômico e social. Permitem que os sistemas agrícolas mantenham sua produção no longo prazo, sem dilapidação dos recursos naturais como a biodiversidade, a fertilidade do solo e os recursos hídricos.
As tecnologias poupa-terra são entendidas como aquelas que permitem incrementos sustentáveis na produção total em uma mesma área. Graças ao seu uso, são evitadas aberturas de novas áreas para a produção de alimentos e energia, reduzindo impactos ambientais negativos. Essas técnicas têm o efeito de reduzir emissões de gases de efeito estufa pelo solo degradado, além de capturar e estocar carbono na terra.
Vale lembrar que as pastagens degradadas são responsáveis por cerca de metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. A restauração dessas áreas passa, necessariamente, segundo o zootecnista da Embrapa, pela recuperação da fertilidade do solo e o manejo da área. Não basta recuperar. O manejo é fundamental para que, em alguns anos, o solo não esteja degradado de novo.
Entre as principais técnicas poupa-terra estão a integração lavoura-pecuária-floresta; plantio direto; fixação biológica de nitrogênio; e emprego de bioinsumos.
O sistema de integração lavoura-pecuária-floresta é uma estratégia que combina, na mesma área, a produção pecuária, agrícola e florestal, com benefícios mútuos para cada uma delas e para o produtor, que diversifica a sua fonte de lucro. Para o meioambiente, o ganho é devido à diversificação da produção. O cultivo de uma única espécie pode exaurir o solo.
No sistema de plantio direto, são adotadas práticas de manutenção da cobertura do solo com restos de colheita e palhas. Isso diminui a compactação da superfície, reduz a erosão e o assoreamento dos recursos hídricos. Essa cobertura protege a terra, diminuindo a taxa de evaporação e aumentando o armazenamento de água. Ajuda, ainda, a manter a temperatura na camada superficial do solo, favorecendo o crescimento de organismos e matéria orgânica.
Outra técnica é a de fixação biológica do nitrogênio, realizada por bactérias presentes no solo ou adicionadas por meio da prática da inoculação, que reduz a necessidade de adubação química. Isso diminui o custo da produção e provoca menos impactos ambientais negativos, como contaminação dos rios, lagos e lençóis freáticos.
A Embrapa tem pesquisado soluções para diminuir a dependência da agricultura brasileira da importação de fósforo (elemento químico cujo símbolo é o P). Recentemente, identificou duas bactérias capazes de solubilizar o mineral do solo, o que resultou no primeiro inoculante biológico para absorção de fósforo do Brasil.
Para a Embrapa, a agricultura sustentável também depende de práticas que promovam o uso da biodiversidade brasileira. A expectativa é de que o Programa Nacional de Bioinsumos, de maio de 2020, que visa a reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados e ampliar oferta de matéria-prima para o setor, ampliar a agropecuária com uso de recursos biológicos em 13%.
Agricultura de baixo carbono
A unidade da Embrapa do Tocantins foi aberta em 2009, ano em que o Brasil se comprometeu voluntariamente a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), durante a COP 15. O Plano ABC, publicado em 2010 pelo governo federal, estabeleceu metas e ações para redução das emissões na agropecuária.
Esta política pública disponibilizou linhas de financiamento para pesquisa e adaptação do sistema de produção ao cenário das mudanças climáticas, bem como ações voltadas para a capacitação dos produtores e de transferência de tecnologia.
No Tocantins, o ABC+TO deu continuidade à política nacional para enfrentamento das mudanças climáticas no setor agropecuário durante o período de 2020 a 2030. O objetivo é promover a adaptação e controle das emissões de gases de efeito estufa no setor, com aumento da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos.
A Embrapa atua na vertente tecnológica do Plano ABC, fazendo a ponte entre a tecnologia mais recente e de maior potencial de mitigação de emissões com o produtor. A unidade do Tocantins trabalha os sistemas agrícolas da região do Matopiba.
Uma das metodologias de transferência de tecnologia é do Banco Mundial, chamada treino e visita, com utilização do pessoal que presta assistência técnica pública ou privada ao produtor. Entre os agentes estão profissionais da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), que no Rio e Janeiro é a Emater e no Tocantins é o Instituto do Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins (Ruraltins); do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas (Sebrae). Há ainda os consultores privados.
“Fazemos muita parceria com eles. Nós os treinamos no uso das tecnologias e depois os assessoramos em visitas a produtores para adoção e implementação dos processos nas fazendas. Esse é o treino e a visita”, explica Alcântara.
A outra metodologia é a rede de referências, em que são buscados alguns produtores para que estabeleçam sistemas com potencial de se tornarem referência na região. Além de criar exemplos para e outros agricultores, esta metodologia ajuda a aumentar o acesso às informações técnicas e financeiras importantes para a tomada de decisão.
“Hoje existe uma rede de trabalho com cerca de 60 profissionais atuando no Tocantins e em estados da fronteira, nas atividades de pecuária de corte, pecuária de leite e na cadeia de grãos”, informa. “Assim, conseguimos acelerar muito o tempo entre o resultado da pesquisa e o caminho que ela faz até o campo, sua validação e multiplicação. O carbono é um dos componentes desse trabalho”.
O pragmatismo do campo
Mudar uma cultura, como o modo tradicional de produzir alimentos no Brasil, não é tarefa simples. Mas, segundo Alcântara, isso está acontecendo por puro pragmatismo e não exatamente pela conscientização sobre as vantagens da descarbonização.
As tecnologias que promovem o sequestro de carbono e menor emissão de gases de efeito estufa também aumentam a rentabilidade dos sistemas produtivos e reduzem riscos. Ajudam, por exemplo, a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, como os veranicos muito frequentes no Tocantins, diminuindo a possibilidade de perdas.
A tecnologia que, por um lado, contribui para reduzir as emissões é a mesma que amplia a resiliência do sistema de produção. Isso, segundo ele, tem um apelo muito forte.
“É claro que o carbono está entre os aspectos que o produtor considera na tomada de decisão, mas conta mais o fato de as tecnologias tornarem o negócio dele mais produtivo, rentável e resiliente, gerando ainda o efeito poupa-terra. Ele acaba mudando não porque estamos num processo de mudanças climáticas, precisamos reduzir as emissões ou começar a fazer o plantio direto, recuperar o pasto e fazer a integração entre a lavoura e a pecuária”, complementa.
Não só a evolução tecnológica, mas a questão do mercado força o avanço. Segundo ele, as margens estão muito pequenas. É preciso trabalhar com muita eficiência. Além disso, os incentivos em termos de financiamento existem, mas na visão dele são muito tímidos. Não são determinantes para a tomada de decisão rumo aos sistemas mais sustentáveis. O produtor é levado mais pela sustentabilidade do negócio.
“Quando falamos de carbono nesses sistemas, estamos nos referindo, principalmente, a sequestro e fixação do CO2 no solo. Isso significa aumento de matéria orgânica, que é o ponto de virada para qualquer propriedade rural”, afirma Alcântara. O produtor entende este argumento.
Alcântara complementa que é muito mais viável buscar o efeito poupa-terra numa área já aberta, onde foi retirada a vegetação nativa, do que pensar em cortar árvores, mesmo sendo um desmatamento legal. Ele explica que desmatar uma propriedade rural é caro: “o agricultor demora mais de uma década para recuperar o investimento no desmatamento. Se o projeto é imobiliário, no entanto, o efeito é outro, de ganho patrimonial”.