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O agro brasileiro ainda não está “pacificado” em relação ao modelo ideal de mercado de carbono

O agro brasileiro ainda não está “pacificado” em relação ao modelo ideal de mercado de carbono

A CEO da Carbonext, Janaina Dallan, fala sobre a importância de entender os pontos de vista, do agro às petroleiras, nos âmbitos privado, jurisdicional ou das comunidades

22 de março de 2024

Mariza Louven

O agro ainda não está totalmente “pacificado” quanto ao modelo ideal de mercado de carbono para o Brasil, admite a CEO da Carbonext, Janaina Dallan, ao falar sobre o ritmo da regulamentação do projeto de lei no Congresso Nacional. Parte do setor quer participar do mercado regulado e outra prefere ficar só no voluntário. Esse e outros conflitos atrasam a tramitação. O desafio é compor um projeto que englobe todas as vontades, no âmbito privado, jurisdicional e das comunidades.

Para ela, é preciso manter todo mundo no jogo, do agro às petroleiras e outras empresas de difícil descarbonização, as chamadas hard to abate. Afinal, a transição energética depende de recursos para investir em tecnologias de descarbonização, para incentivar os projetos que originam créditos de carbono e para comprar esses títulos.

“Quem gera muito recurso e tem muito dinheiro para investir? São eles. Não tem como chegar numa indústria pequenininha e dizer que agora ela vai colocar milhões e milhões em tecnologias, na preservação das florestas ou para incentivar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades”, destaca. Além disso, as mais intensivas em carbono são as que mais precisam se descarbonizar.

Esta também é uma explicação dada por ela para o fato de a Shell ter comprado uma participação minoritária na Carbonext, assim como em outras empresas ou participações ao redor do mundo, passando a se posicionar como uma companhia de energia, tendência no setor.

A associação com a Shell

“Estamos num período peculiar, de transição para a economia de baixo carbono: a gente não consegue desligar um botãozinho e ninguém nunca mais vai consumir derivados de petróleo. Tem derivados de petróleo em tudo: plásticos, combustíveis, geração de energia, na indústria química. A nossa vida foi muito construída com base nessa indústria, que entendeu que precisa fazer essa transição. Muitas empresas já são chamadas de empresas de energia e estão fazendo investimentos em novos tipos de energia eólica, solar, CCS.”

A Carbonext tem 20 projetos em desenvolvimento no bioma amazônico. Gera em média 10 milhões de toneladas de créditos de carbono por ano. Parece muito, mas Dallan diz que isso não é nada.

“Só uma empresa petrolífera, por exemplo, precisa de 120 milhões de créditos de carbono por ano. A gente gera dez milhões”, compara. “Por isso é que necessitamos de todos os atores: jurisdicional, privados, em comunidades.” 

Da briga interna no agro aos ataques de formigas

O valor mais alto do crédito negociado no mercado regulado é um atrativo. No mercado europeu, por exemplo, a tonelada de carbono, corresponde a um título, já foi negociada a 100 euros, enquanto no comércio voluntário é vendida por cerca de US$15. Alguns títulos originados de projetos mais antigos, por US$3 ou US$4.

Não é só a falta de regulamentação que dificulta a valorização. O preço também está relacionado à qualidade, mais associada a projetos de remoção de carbono. Existem poucas iniciativas desse tipo registradas no Brasil, mas ainda não originaram créditos.

A escassez desses projetos tem relação com o tempo maior de desenvolvimento, explica a engenheira florestal. Depende do plantio das árvores e de elas crescerem. Existem ainda outros problemas, como os ataques de formigas, o fogo, a braquiária (uma espécie invasora). Sem contar a necessidade de um grande contingente de mão de obra, o que também impacta o custo.

Para alguns padrões, como o SBTi (Science Based Targets Initiative), só os créditos de remoção resolvem o problema da descarbonização e ajudam de fato a conter as mudanças climáticas. Mas a CEO da Carbonext diz que isso não é real. O processo é muito lento”, reforça.

Lenta também está sendo a regulamentação. “A gente vê que não está sendo fácil compor um projeto de lei que englobe todas as vontades de todos os setores. Entendo que tem muita vontade de que isso aconteça”, opina Dallan.

Vontade e necessidade. “A COP30 está quase aí. Vai ser realizada ano que vem, em Belém. Como signatário do Acordo de Paris, o Brasil precisa mostrar que está alcançando suas metas. Ter um mercado regulado é um dos pré-requisitos.”

Para isso, segundo Dallan, todos os atores importantes precisam estar na mesa, inclusive para barrar desmatamento: os do âmbito jurisdicional, os do setor privado e os das comunidades. Pelo projeto de lei em tramitação, as comunidades terão autonomia para decidir se querem receber pagamentos por serviços ambientais ou desenvolver projetos com empresas privadas. “Toda essa conversa para que todos se respeitem é fundamental”. Dallan está participando de várias.

Mais valor e integridade

Além de possibilitar a elevação do valor dos créditos, a regulação também promete aumentar a integridade dos títulos. Os projetos estão realmente barrando o desmatamento? Até que ponto isso é verdade? Esses foram alguns dos questionamentos recorrentes, em 2023, quando o mercado voluntário foi fortemente escrutinado. “Por um lado, foi bom, porque eleva a barra do que é um projeto que realmente entrega resultados”, opina.

O mercado de carbono como um todo está fervilhando e tem muitos entrantes, o que aumenta a necessidade de “entregar” mais e melhor. “Eles são bem-vindos, mas têm que fazer de uma forma adequada. Ter uma consciência ali. Não é um oba-oba: ah, que bacana! Vou fazer porque vou ganhar dinheiro. Se entrar nesse mercado com essa lógica, já está errado. Gerar recurso é consequência de um bom trabalho desenvolvido, que tem fundamento, que está ali para entregar um serviço maior, que é combater as mudanças climáticas. Por isso a importância de separar os bons projetos.”

CCS está no radar da Carbonext

A vocação da Carbonext é a preservação e a restauração ambiental, mas no radar da empresa também está o segmento de captura, transporte e armazenamento de carbono, mais conhecido como Carbon Capture and Storage (CCS). “A gente estuda bastante a remoção de carbono por restauração florestal, mas o CCS é algo que a gente também estuda no nosso núcleo de novos negócios.”

Não existe uma solução só. “A gente precisa de todas as soluções. Na minha opinião, todas as alternativas são válidas e devem receber investimento”, afirma. “A restauração tem uma função importantíssima de remoção, mesmo que a longo prazo. Ela precisa acontecer porque remove CO2 e o fixa na biomassa, devolve corredores ecológicos e fluxos de sementes.”

A conservação consegue resultados rápidos, preserva a biodiversidade e tem papel social. Os projetos também levam acesso à educação, saúde, vacinas, conectividade. Sem contar que as florestas tropicais têm um papel muito importante de regulação climática. No Brasil, os rios voadores trazem umidade para o Centro-Oeste, onde está concentrada a produção de alimentos.

O diferencial

Segundo ela, o diferencial da Carbonext é o foco na qualidade e integridade dos créditos. A empresa tem um corpo técnico de 110 pessoas, constantemente treinado sobre as metodologias científicas e diagnóstico social, com aplicação de teoria da mudança para comunidades. Outro é o emprego de tecnologia. Os projetos são monitorados por imagens de satélite e analisados com o auxílio da inteligência artificial.

“O robô foi programado para ler essas imagens do jeito que a gente precisa: desmatamentos, degradação de solo, fogo.” Quando tem um alerta de invasão, fogo etc., as equipes em campo são acionadas para ir até o local e fazer o diagnóstico. “A gente já pegou muito desmatamento, início de invasão, e conseguiu barrar”.