O coordenador técnico do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade, Eduardo Flores, explica os impactos da medida considerada um marco da contabilidade de carbono
Mariza Louven
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) conclui, no dia 20 de outubro, uma consulta pública sobre a contabilidade dos créditos de carbono, também chamados de créditos de descarbonização. O objetivo é lançar, até o início de 2024, uma orientação com força de regulação que possibilite maior comparabilidade entre as práticas contábeis e evite equívocos. “Trata-se de uma diretriz consolidadora sob a perspectiva contábil”, informa ao Carbon Report o coordenador técnico do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) do CFC, Eduardo Flores.
As diretrizes do CFC serão válidas para os mercados voluntário e regulado. São consideradas um marco para empresas, investidores e demais instituições lidarem com requisitos essenciais da contabilidade de carbono como reconhecimento, mensuração e evidenciação dos créditos, além e eventuais passivos a eles associados. Isso é particularmente importante nos investimentos relacionados a aposentadorias, realizados pelos fundos de pensão.
“A estruturação de um mercado regulado de crédito de carbono ocorre por meio de mecanismos de permissões de emissão de CO2, as famosas allowances. Dessa forma, à medida que uma empresa recebe tais permissões e ao término de um período verifica que está abaixo ou acima da permissão recebida para emissão de gases de efeitos estufa, surgem efeitos de ativos, passivos, receitas e despesas em seu resultado”, explica Flores.
A seguir, a entrevista com Eduardo Flores sobre as orientações que estão em gestação no CFC.
Carbon Report: O CFC abriu uma consulta pública sobre a contabilidade dos créditos de carbono ou créditos de descarbonização. O que a entidade espera obter com essa consulta?
Flores: O processo de audiência pública cumpre sempre um duplo Papel: técnico – receber comentários dos interessados no tema acerca da validade técnica e robustez dos conceitos aplicados para endereçar o assunto do ponto de vista das demonstrações financeiras; e educacional – informar ao mercado que o tema será tratado pelas normas contábeis e quais são as ações necessárias para que as empresas e os profissionais compreendam e se adequem às novas diretrizes.
CR: Quando o CFC pretende lançar o seu conjunto de orientações para a contabilidade de carbono no Brasil?
Flores: O processo de audiência pública da orientação sobre a contabilização de créditos de descarbonização tem data de conclusão em 20/10/23, de modo que, após esta data, o grupo técnico irá discutir os comentários recebidos e avaliar a consistência técnica dessas informações, podendo sinalizar que o documento está na direção correta ou até mesmo que ajustes e revisões são necessários. Por essa razão, não é possível prever com precisão estabelecer a data de publicação do documento, mas há uma expectativa que isso ocorra, no mais tardar, até o primeiro trimestre do próximo ano.
CR: As orientações do CFC seriam alinhadas aos padrões do ISSB que a IOSCO já chancelou?
Flores: As diretrizes estabelecidas pelo CFC na minuta da orientação são todas elaboradas com base nas normas contábeis vigentes, tais como emitidas pelo IASB e adotadas pelo CPC. As normas do ISSB não preveem tratativas acerca da contabilização de eventos econômico-financeiros, mas, sim, como reportar assuntos relativos à temática de sustentabilidade. Já com relação à IOSCO, é necessário rememorar que este não é um normatizador de práticas contábeis por si. Desse modo, as diretrizes da OCPC 10 estão em consonância com um tratamento contábil técnico e convalidado pelas normas emanadas pelo IASB e pelo CPC.
CR: As orientações do CFC servem para o mercado voluntário de carbono ou também para o regulado? Têm força de autorregulação, ou seja, deverão ser cumpridas, obrigatoriamente, apesar de o marco legal do mercado brasileiro de carbono ainda não ter sido aprovado?
Flores: Esse ponto é bem interessante e oportuno, pois permite esclarecimentos sobre o porquê da decisão de se inserir a seção de mercado regulado na minuta que está em audiência pública. A discussão sobre mercado de créditos de carbono no Brasil mostra-se muito incipiente e em estágio inicial. Desse modo, surgem algumas confusões que carecem de sustentação. De uma maneira geral, a estruturação de um mercado regulado de crédito de carbono ocorre por meio de mecanismos de permissões de emissão de CO2, as famosas allowances. Dessa forma, à medida que uma empresa recebe tais permissões e ao término de um período verifica que está abaixo ou acima da permissão recebida para emissão de gases de efeitos estufa, surgem efeitos de ativos, passivos, receitas e despesas em seu resultado. Tão logo, os modelos de mercado regulado seguem uma estrutura funcional mais ou menos parecida, o que permite que a Orientação se antecipe e apresente como tais eventos precisam ser interpretados à luz das diretrizes contábeis.
CR: Será preciso atualizar as orientações quando o mercado de carbono for finalmente regulamentado no Brasil?
Flores: De tudo o que se tem visto nos projetos de lei voltados à criação de um mercado regulado de crédito de carbono, a resposta é não. Isto é, não será necessário atualizar o documento. Contudo, é importante que se tenha em mente que, já há algum tempo, a Contabilidade opera com o conceito da essência econômica sobre a forma jurídica, o que para esse caso implica dizer o seguinte: se um projeto de lei ou regulamentação indicar que os créditos de carbono são ativos financeiros, por exemplo, à luz das normas contábeis, verifica-se que estes ativos não são financeiros e, portanto, deverá imperar a essência econômica do ativo para fins do tratamento contábil.
CR: A orientação do CFC é considerada um marco importante para lidar com requisitos essenciais de reconhecimento, mensuração e evidenciação de créditos e eventuais passivos associados ao carbono. Por quê?
Flores: A inexistência de uma diretriz contábil consistente do ponto de vista técnico e criada sob a premissa da representação fidedigna permite que sejam elaboradas diversas interpretações acerca da forma de se tratar tais eventos nos balanços das empresas. Fato este que, ao fim e ao cabo, implica a quebra de comparabilidade das demonstrações financeiras. Portanto, a orientação é relevante para que haja maior comparabilidade entre as práticas contábeis e evitar equívocos. Trata-se de uma diretriz consolidadora sob a perspectiva contábil.
CR: As orientações do CFC podem estimular a incorporação desses créditos de descarbonização nos portfólios de investimento?
Flores: Acredita-se que sim, porque à medida que se tem maior consistência e previsibilidade dos tratamentos contábil, permite-se que os investidores saibam quais as implicações desses ativos junto às demonstrações financeiras das empresas em que investem.
CR: Qual é o impulso que as regras do CFC podem dar ao mercado de créditos de carbono brasileiro como um todo, voluntário ou regulado?
Flores: Com maior previsibilidade dos tratamentos contábeis é possível que haja melhores condições de prever a consequência das formulações de políticas públicas. Acredita-se que esse seja um fator relevante para estimular o desenvolvimento desses mercados.
CR: As orientações do CFC são suficientes para reduzir os riscos de passivos associados, especialmente para nos investimentos relacionados a aposentadorias (fundos de pensão)? Por quê?
Flores: Normas contábeis robustas do ponto de vista técnico devem permitir que os investidores compreendam a situação patrimonial das empresas em que investem. Contudo, os riscos associados a investimentos não se restringem somente à qualidade das normas contábeis. Passam desde a percepção de riscos dos gestores de ativos até à qualidade da governança da entidade investidora. Portanto, seria injusto esperar que a mitigação de riscos de investimentos ficasse exclusivamente a cargo e sob a responsabilidade das normas contábeis. Trata-se de um sistema como um todo, que deve ser pensado de forma integrada.