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Os 20 anos da sigla ESG e o nascimento do mercado regulado de carbono, em meio a muita confusão

Os 20 anos da sigla ESG e o nascimento do mercado regulado de carbono, em meio a muita confusão

As empresas vão ter que se mexer mais em 2024, mas faltam profissionais qualificados, diz a professora da FGV e fundadora da Darwin Consultoria, Marta Camila Carneiro

08 de Janeiro de 2024

Mariza Louven

Tenho uma samambaia. Quanto ela vale em créditos de carbono? Só falta essa!, diz a professora de MBAs em ESG e Mudanças Climáticas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marta Camila Carneiro, para ilustrar o desconhecimento sobre o mercado de carbono, que segundo ela é confundido com caixa automático.

Piadas à parte, existe muita confusão em relação ao mercado de carbono e até sobre ESG, apesar de a sigla que reúne as iniciais das palavras Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança) estar completando 20 anos em 2024. Este ano também marcará o nascimento do comércio regulado de carbono no Brasil.

O paralelo entre as duas décadas de ESG e o surgimento do mercado regulado de carbono no país enfatiza pontos em comum e diferenças entre as duas áreas, para as quais faltam profissionais especializados, cada vez mais necessários. ESG e créditos de carbono “não são produtos de prateleira”, prontos para serem usados pelas empresas, e sim processos que exigem customização e mão de obra qualificada, destaca a professora.

A expectativa é de que um número maior de empresas se mexa na direção das agendas ESG e de descarbonização este ano, impulsionadas pelas novas exigências legais e de mercado, como o marco regulatório do comércio de carbono, em aprovação no Congresso Nacional. Com o agravamento da emergência climática, não será possível esperar mais duas décadas.

De “ecochatos” a provedores de soluções de negócios

Em conversa com o Carbon Report, Marta Camila Carneiro faz um retrospecto da época em que biólogos como ela eram vistos pelas empresas como "ecochatos", até o momento atual. "Sou bióloga e acabei fazendo também engenharia, para entrar um pouco mais nesse mundo corporativo, entender o outro lado da moeda."

Em conversa com o Carbon Report, Marta Camila Carneiro faz um retrospecto da época em que biólogos como ela eram vistos pelas empresas como “ecochatos”, até o momento atual. “Sou bióloga e acabei fazendo também engenharia, para entrar um pouco mais nesse mundo corporativo, entender o outro lado da moeda.”

 

Ainda hoje, ela se pergunta por que muitas empresas não vêem que as agendas de sustentabilidade, de ESG e de descarbonização não são o mesmo que “abraçar árvores”, mas questões de negócios.

Desde o surgimento do conceito de sustentabilidade, nos anos 1990, passando pela a primeira publicação da sigla ESG no relatório “Quem se importa ganha” (produzido pela ONU e pelo Banco Mundial, em 2004), ao Acordo de Paris (2015), muita coisa mudou. Mas o ritmo continua mais lento do que o necessário.

Passadas duas décadas do surgimento da sigla ESG, ainda são relativamente poucas as empresas que deram os primeiros passos na implementação do conjunto de estratégias lançado em 2004 pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, para dar mais sustentabilidade aos negócios a longo prazo.

A motivação também nem sempre é, genuinamente, a busca da sustentabilidade. No geral, as empresas são movidas por exigências legais ou de mercado, comenta. Levam muito em consideração quando a mudança pode representar redução de custos, como de energia, por exemplo.

Mercado de carbono não é caixa eletrônico

“Me deparei algumas vezes com pessoas que queriam implementar uma estratégia ESG numa empresa, achando que bastaria fazer um inventário de gases de efeito estufa.” O inventário é uma ferramenta que ajuda a fazer um diagnóstico das emissões de gases de efeito estufa, explica. Não é a estratégia, em si, adotada para evitar emissões.

“Brinco que vou ver o dia em que alguém vai me perguntar: tenho uma samambaia. Quanto ela vale em créditos de carbono? Só falta essa!”, dispara.

“Estou vendo as pessoas entenderem o mercado de carbono como oportunidade de ganhar dinheiro. Está errado. Não é caixa eletrônico.”

As expectativas quanto à regulação do mercado de carbono

A falta de entendimento sobre o mercado de carbono está relacionada à ausência de regulação, tanto em nível mundial quanto no Brasil. Alguns países já têm sua regulamentação, mas aqui e em quase todo o mundo funciona apenas o mercado voluntário, muitas vezes criticado pela falta de regras e problemas variados, que minam sua credibilidade.

Ainda que a regulamentação do mercado brasilieiro de carbono seja sancionada este ano, como previsto, o Brasil também tem especificidades que ajudam a confundir. O país é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, mas com perfil diferente de outros locais do mundo.

Aqui, a maior parte dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera não vêm dos veículos ou das indústrias movidos a combustíveis fósseis, como acontece nos países mais desenvolvidos. No Brasil, o preponderante é o uso e ocupação do solo, relacionados às atividades agropecuárias.

“Ao mesmo tempo, o nosso Produto Interno Bruto (PIB) é (em grande parte oriundo) do agronegócio. Então, não vai rolar fazer o Brasil inteiro virar uma Amazônia, mas a gente tem que deixar de desmatar e investir em tecnologias de reflorestamento. Um agronegócio sustentável é possível, para que a gente gere valor dentro do mercado de carbono.”

O link entre estratégia ESG e descarbonização

Outro equívoco comum é confundir estratégia ESG e descarbonização. “Não são a mesma coisa”, mas existe um link entre as duas. O investidor faz análise de riscos e o clima é um deles.

“Elaborei um plano de descarbonização para uma mineradora, recentemente, e outro para uma empresa que está comprando os ativos de uma grande rede de supermercados, com toda a análise dos riscos de transição.

O que os riscos relacionados às mudanças climáticas têm a ver com ESG? A professora cita uma grande empresa que vende cápsulas de café e compra o produto de pequenos produtores. Em sua estratégia ESG, ela precisa lidar com os riscos do aumento da temperatura global, porque o clima extremo exige maior uso de sistemas de irrigação, de agrotóxicos e de fertilizantes para manter a quantidade produzida. O café, especificamente, necessita de uma temperatura mais amena para ter mais qualidade.

Se a empresa não estiver monitorando os produtores e o quanto eles estão se adaptando ao aumento da temperatura, corre o risco de não ter produto suficiente. O investidor faz análise de risco, repete, e é preciso evidenciar o que está sendo feito para a empresa se preparar para enfrentar as mudanças climáticas.

Como ficam os pequenos negócios e as pessoas comuns?

As oportunidades de negócios no mercado de carbono, para as pequenas e médias empresas, estão dentro da cadeia de valor, prevê. Isso porque as grandes corporações precisarão, cada vez mais, monitorar como os seus fornecedores estão se adaptando às mudanças climáticas. Uma das consequências é que os pequenos e médios negócios também vão ter que se adequar, com impactos no mercado de trabalho.

“Para o mercado de carbono eu vejo uma perspectiva muito positiva. Acho que quem é da área vai ter um volume de trabalho imenso. A procura por formação, da parte de gerentes, diretores, coordenadores de diferentes áreas, tem sido cada vez maior.” Atenta à demanda crescente, a FGV vai incorporar este ano a disciplina “Mudanças climáticas e transição energética” em seus cursos de pós-graduação e MBAs.

As mudanças climáticas e os mercados criados em torno afetam o bolso de todas as pessoas. Na agricultura, por exemplo, quanto mais aumenta a temperatura do planeta, mais surgem pragas resistentes e gastos com irrigação, defensivos etc.

“Você acha que o produtor vai ficar com esse prejuízo no bolso? Não. Ele vai passar para o consumidor final. Então, quando aumenta a temperatura, a gente não está falando da conta do ar condicionado, mas sim de toda uma cadeia econômica impactada, inclusive nós.”