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Frisson legislativo de 2023 deve dar lugar a debate sobre a precificação do carbono em 2024

Frisson legislativo de 2023 deve dar lugar a debate sobre a precificação do carbono em 2024

A advogada Isabela Morbach fala ao Carbon Report sobre as perspectivas da agenda de desenvolvimento brasileira, ancorada na manutenção da floresta em pé, na transição energética e na descarbonização

Mariza Louven

O debate sobre a precificação do carbono no Brasil deverá ganhar força em 2024, com uma possível discussão sobre a adoção de instrumentos como a tributação de carbono na fronteira do país. A previsão é da advogada Isabela Morbach, cofundadora da CCS Brasil e counsel na área da Energia e Recursos Naturais do Campos Mello Advogados, em cooperação com o DLA Piper.

A criação de um Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) verde e amarelo acompanharia a tendência internacional de mais países adotarem o mecanismo, até para garantir a competitividade dos produtos nacionais. Seria uma evolução natural da pauta de desenvolvimento econômico que se delineia no Brasil, ancorada na manutenção e a proteção da floresta em pé; na transição energética, com multiplicidade de energias renováveis; e na descarbonização da economia.

O instrumento que liga esses três pilares é o mercado de carbono, em tramitação no Congresso. Depois de resolver o que ela chama de “esse básico”, haverá espaço para abrir a pauta sobre a precificação do carbono, até como instrumento de competitividade internacional.

Um CBAM.Br

Em 1º de outubro de 2023, o CBAM entrou em um período de transição na União Europeia, com a exigência de registro das emissões de carbono incorporadas aos produtos importados. A cobrança efetiva ocorrerá a partir de 2026. Enquanto isso, países fora do bloco também se preparam para estabelecer o mesmo tipo de taxação aduaneira de CO2.

Isabela Morbach

O Reino Unido está aprovando o equivalente ao CBAM europeu, afirma Morbach, assim como o Canadá e o Japão. “Essa é uma tendência. O mundo está tentando fazer esse controle. Inclusive pela competitividade do seu produto interno. Eu ainda não vi essa discussão começar aqui, mas creio que é uma questão de tempo, porque a gente ainda tem muita coisa na pauta.”

 

Na avaliação dela, não é negligência e sim porque o Brasil ainda está se esforçando para solucionar questões fundamentais, como o marco legal do mercado de carbono. “Acho que, mais para frente, a gente vai ver algo para além do mercado de carbono, como os instrumentos de precificação de CO2.”

Isso também envolverá uma discussão ampla e aprofundada. “A gente precisa resolver o básico para ir desenvolvendo e sofisticando o sistema. Esta pode ser uma discussão para 2024.”

Embora a Europa esteja basicamente tributando o CO2 em commodities, a advogada avalia que o Brasil também poderia cobrar o imposto de carbono sobre produtos de alto valor agregado que importa. “Não existe fórmula.”

Por que não tributar itens como automóveis, roupas e uma série de outros produtos que o Brasil importa da China? “Eles podem, sim, ter um inventário de CO2 realizado e a gente saber quanto de CO2 está vazando nesse processo.”

2023 foi o ano do frisson e 2024 será da implementação

O básico que o Brasil precisa resolver antes de avançar, a que Morbach se refere, são os marcos legais do mercado de carbono e outros projetos relacionados à agenda climática, analisados pela Câmara, pelo Senado ou pelas duas casas em 2023, mas não aprovados definitivamente. Os debates e embates tornam o processo mais lento, mas também ajudam a amadurecer as discussões.

Além do texto sobre a regulamentação do mercado de carbono, entre os projetos de lei que não chegaram à aprovação final estão os que tratam do hidrogênio verde, de energia eólica offshore e da captura e armazenamento de carbono (Carbon Capture and Storage – CCS).

Os ajustes para as votações continuarão no primeiro semestre, principalmente nos textos alterados por uma ou outra casa, como o do mercado de carbono ou o que trata da energia eólica offshore. Ambos foram mudados na Câmara depois de terem sido aprovados pelo Senado, por isso voltam para revisão.

Implementação vai exigir esforço hercúleo

Na avaliação da diretora da CCS Brasil, depois do frisson legislativo de 2023, 2024 deve ser mais de implementação, com o início do trabalho técnico para dar suporte às regulamentações das leis sancionadas.

Para o mercado de carbono, por exemplo, está prevista a formação de vários grupos de trabalho, que já estão sendo organizados para elaborar a regulamentação. “Uma vez que a lei passe, a gente vai ter dois anos de um esforço hercúleo de regulamentação.”

A construção da regulamentação não deve envolver tantos embates. “Ela é mais técnica. Mas é muito mais dura, porque vai ter que regulamentar palavra por palavra. Isso é um desafio, por exemplo, para o CCS. Vai ter que nascer uma regulação inteira sobre o que é um poço seguro para injeção do CO2, o que é a vazão, o que é a cimentação, o que é a metalurgia do poço, tudo.”

Por isso, vai tomar tempo a regulamentação dos projetos de hidrogênio, eólicas offshore, mercado de carbono. A aprovação do projeto de lei é só o passo inicial, “em que a gente se livra do componente político. A gente não se livra nunca totalmente, mas do grosso político. E aí vai para o técnico.”

Perspectivas para as atividades de CCS

Com relação ao marco legal das atividades CCS, Morbach acredita que não terá muitos altos e baixos. “Olha, eu acho que o CCS está fazendo um movimento que tem mais ritmo. Segue com aprovações nas comissões.”

Segundo ela, o projeto sobre CCS tem sido aprovado em duas comissões por semestre. “Temos mais três comissões pela frente. A expectativa é de aprovar na comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável logo no início do ano legislativo. Aí vão restar só duas comissões.”

Se não for mais alterado, poderá seguir para sanção presidencial assim que aprovado pela Câmara.

O estica e puxa do mercado de carbono

O estica e puxa em torno da regulamentação do mercado de carbono, porém, ainda deve seguir no primeiro semestre, prevê Morbach.

“Tem coisas para ajustar, mas o Aliel colocou temas novos, que não tinham sido endereçados”, afirma, referindo-se ao relator do projeto na Câmara, deputado Aliel Machado (PV-PR).

Entre as alterações mais relevantes do projeto de lei na Câmara, ela destaca a criação do Certificado de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAM). Além disso, a casa deu espaço e voz para atores que não tinham sido ouvidos no Senado, como os governadores da Amazônia Legal.

“Quando você não ouve, eles dão um jeito de ser ouvidos”, afirma, fazendo referência à possibilidade de os estados desenvolverem programas de REDD+ jurisdicional, ou seja, de créditos de carbono oriundos de projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes de desmatamento e degradação florestal gerados nos seus territórios, inclusive em áreas privadas.

Os estados da Amazônia Legal fizeram um esforço muito grande para serem ouvidos pelo Senado, mas na visão dela foram negligenciados. “Não só no projeto de lei do mercado de carbono. Agora, começam a ter voz. A solução talvez não seja a ideal, mas eles mostraram que sabem se articular. Esse é o recado para o Senado: escutem.”

COP28 surpreendeu positivamente

Morbach participou da COP28, realizada no fim de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Segundo ela, até os últimos dias do evento, muita gente achava que de lá não ia sair nada. No entanto, avalia, por pressão da sociedade civil, houve avanços importantes.

Entre os resultados positivos que considera concretos estão acabar com os subsídios para combustíveis fósseis que não sejam para garantir acesso à energia barata para pessoas pobres. “Quer mais concretude do que isso? Acabar com subsídios que não sejam para diminuir desigualdade? Acho um resultado muito além do que eu tinha expectativa.”

O fato de o artigo 28 endereçar de forma expressa e concreta de que forma a gente vai fazer isso foi muito importante para as atividades de captura e armazenamento de carbono, acrescenta. Isso porque o texto reconhece expressamente as chamadas atividades de CCS como parte da estratégia que será prioritária para reduzir emissões.

“Para a gente, isso é uma vitória incrível, porque coloca em outro patamar a discussão. Não é mais etéreo.”

Isso dá uma sinalização para a indústria, complementa. Fora do Brasil, a indústria já comprou a solução CCS e a está incorporando em seus custos, ou pelo menos no planejamento de longo prazo. “Para a indústria nacional, esse vai ser mais um passinho para gente entender que CCS será importante.”