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Proposta do ICVCM de padronização global do comércio voluntário de CO2 já impacta o mercado

Proposta do ICVCM de padronização global do comércio voluntário de CO2 já impacta o mercado

Em entrevista ao Carbon Report, o diretor do Conselho de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono, William McDonnell, disse que princípios fundamentais de integridade viabilizarão negociações robustas e mais liquidez

Mariza Louven

Voluntário, sim, mas com regras. Enquanto a regulamentação do mercado brasileiro de carbono começa lentamente, o Conselho de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono (Integrity Council for the Voluntary Carbon Market ICVCM) registra os primeiros resultados de sua articulação para padronizar o comércio espontâneo de créditos de CO2 em todo o mundo.

Os Princípios Fundamentais do Carbono (Core Carbon Principles – CCP) lançados pelo ICVCM no início deste ano já estão causando impacto, mesmo antes de este selo estar disponível, informa ao Carbon Report o diretor de Operações da instituição, William McDonnell. O Conselho de Integridade espera que os primeiros créditos rotulados como CCP estejam acessíveis aos compradores no início de 2024.

Um caso concreto citado por ele é o da Verra, líder global em certificação de carbono, que divulgou recentemente documentos atualizados para refletir os principais critérios.

diretor de Operações da instituição, William McDonnell

Sabemos que outros programas também estão trabalhando para alinhar suas metodologias aos nossos critérios. É claro que ainda terão de ser avaliados, mas esta é uma demonstração poderosa de apoio do mercado”, afirma McDonnell.

 

O mercado voluntário tem sido abalado por denúncias recorrentes de que não está cumprindo o seu papel de mobilizar financiamento privado – com rapidez e escala – para projetos de redução e de remoção de emissões de CO2 que de outra forma não seriam concretizados. A principal consequência é a perda de credibilidade, que impõe limites à expansão desse comércio, como o aumento da liquidez e dos preços dos títulos transacionados.

No início deste ano, uma investigação conduzida pelo Guardian, Die Zeit e SourceMaterial verificou que créditos florestais de compensação de carbono chancelados pela Verra não representavam reduções genuínas de carbono. No último dia 3, a empresa também anunciou sua nova metodologia de Florestamento, Reflorestamento e Revegetação (ARR).

Passagem de bastão

McDonnell traçou um panorama do mercado voluntário de carbono para o Carbon Report ainda como diretor do ICVCM, um órgão independente de governança global criado há dois anos, com sede em Londres, na Inglaterra. Ele está de mudança para Sydney, na Austrália, onde assumirá em dezembro a posição de diretor financeiro do Insurance Australia Group, líder dos mercados seguradores australiano e da Nova Zelândia.

Será sucedido interinamente por Amy Merrill, atual diretora sênior e chefe de Mercados Globais de Carbono do Centro de Soluções Climáticas e Energéticas (Center for Climate and Energy Solutions – C2ES), uma organização ambiental sem fins lucrativos com sede na Virgínia, Estados Unidos. A advogada com mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento de estruturas políticas de financiamento climático e de carbono trabalha com a Secretaria Executiva do ICVCM desde fevereiro deste ano.

Em mais de duas décadas nas áreas de seguros, finanças, mercados de capitais, risco, governança e regulamentação, McDonnell foi um dos fundadores do Climate Financial Risk Forum do Banco da Inglaterra e membro do Conselho ClimateWise da Universidade de Cambridge. Presidiu o CRO Forum, um grupo formado por profissionais de multinacionais europeias de seguros, ocasião em que liderou uma pesquisa sobre riscos climáticos na área de seguridade.

Combate à propaganda enganosa

Segundo McDonnell, é essencial que, ao adquirir créditos de carbono do mercado voluntário, os compradores tenham confiança de que estão financiando uma verdadeira ação climática e não temam futuras acusações de greenwashing.

Hoje, cada programa de crédito de carbono tem suas próprias metodologias. “Regras de compromisso diferentes e transações altamente personalizadas não proporcionam um ambiente propício à liquidez e à transparência. Na verdade, criam obstáculos desafiadores ao mercado”, diz ele.

Os CCP introduzem critérios que visam provocar mudanças. Com o aumento da integridade desse mercado, a expectativa é de que uma porção maior do comércio de créditos de carbono passe de acordos bilaterais para transações realizadas através de bolsas.

“Esta transição não só aumentará a eficiência do mercado, mas também proporcionará uma plataforma para compradores e vendedores praticarem preços justos e transparentes, impulsionando participação e liquidez mais amplas no mercado.”

McDonnell espera negociações robustas de futuros e opções nos mercados voluntários de carbono à medida que a padronização avance. “Isto criará um importante sinal de preços, bem como melhores mecanismos de cobertura para os participantes no mercado. Os promotores de projetos poderão gerir melhor a sua exposição ao risco de preços, o que deverá tornar menos arriscado o lançamento de novos projetos, especialmente no Sul Global.”

Para ele, o mercado voluntário oferece uma ferramenta poderosa para alavancar o investimento do setor privado em sumidouros críticos de carbono. Isso é particularmente importante para países como o Brasil, situado no Sul Global, onde estão 90% das potenciais soluções baseadas na natureza.

Uma dessas soluções é o mecanismo REDD+, criado para incentivar ações de mitigação climática e a manutenção das florestas em pé, transformando-as em ativos com valor financeiro. O Conselho de Integridade está prestes a iniciar o processo de avaliação desses projetos florestais e de outras categorias, para avaliar se cumprem as suas diretrizes de integridade.

“O nosso Quadro de Avaliação foi concebido para garantir que os projetos baseados na natureza continuem a dar uma contribuição significativa para a redução e remoção de emissões. Fornece orientações claras sobre o que devem fazer para serem considerados de alta integridade.”

Potencial do mercado voluntário

O ICVCM não faz previsões sobre a escala do mercado voluntário de carbono. Entretanto, diversas fontes dão ideia do seu potencial. O Fórum Econômico Mundial estima que esse comércio poderá promover a remoção do equivalente a 2,6 gigatoneladas de CO2 até 2030. Já o Morgan Stanley prevê que o volume de recursos movimentado chegue a US$ 100 bilhões até o fim desta década.

Para McDonnell, esses números indicam o tamanho da contribuição que um mercado voluntário de carbono de alta integridade pode dar à ação climática global. O comércio espontâneo de créditos de CO2 tem ainda a capacidade de desenvolver economias verdes vibrantes, preparadas para o futuro e que podem mudar positivamente a vida das populações locais, através do estreito alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU).

De acordo com o especialista, há uma enorme oportunidade de acelerar o fluxo de financiamento do Norte Global para atividades de mitigação climática no Brasil e em outros países, contribuindo para uma transição justa.

“O mercado voluntário de carbono pode viabilizar uma série de projetos climáticos essenciais, desde ações para proteger e restaurar florestas até o desenvolvimento e a expansão de tecnologias inovadoras que são hoje difíceis de comercializar. Estes projetos necessitam de investimento para catalisar ações de mitigação.”

Os governos estão criando mercados de carbono em todo o mundo, à medida que reconhecem o seu poder. Por isso, o Conselho de Integridade está em diálogo com iniciativas no Brasil, na África Ocidental, no Oriente Médio, em Cingapura e na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

“É encorajador que eles vejam os CCP como um padrão internacional de elevada integridade que pode ser incorporado nas suas próprias estruturas. A Iniciativa Africana para os Mercados de Carbono já disse que irá adotar os CCP.”

O ICVCM trabalhou com partes interessadas em todo o mercado voluntário para construir um entendimento comum sobre o que significa alta integridade para os créditos de carbono. Entre elas, povos indígenas, comunidades locais e ONGs ambientais. Centenas de organizações participaram.

Critérios para qualificação ao selo CCP

Os créditos de carbono devem financiar atividades para reduzir e remover emissões e atender a 10 critérios para serem qualificados a usar o selo CCP. Quatro desses requisitos estão resumidos abaixo:

Permanência – Os projetos terão de monitorar e reportar as reduções e remoções de emissões durante pelo menos 40 anos, sempre que exista o risco de reversão, como incêndios florestais, por exemplo.

Transparência – Devem ser publicadas informações abrangentes sobre os projetos que emitem créditos, para que as pessoas possam compreender o seu impacto nos níveis de emissões, na sociedade e no ambiente; e sobre como são calculados e avaliados. Isto inclui a disponibilização de planilhas usadas para realizar esses cálculos.

Adicionalidade – Garantir que as reduções ou remoções de emissões não teriam acontecido sem os incentivos proporcionados pela comercialização dos créditos de carbono; e que os projetos não são simplesmente para cumprir de obrigações determinadas por lei. Devem mostrar que os créditos foram levados em consideração no desenvolvimento do projeto e que este não seria viável sem eles.

Quantificação robusta – Os programas devem garantir que os projetos medem o seu impacto nas emissões de forma conservadora para minimizar o risco de sobreposição.