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Proprietários rurais aderem a projeto de restaurar Corredor de Biodiversidade do Araguaia

Proprietários rurais aderem a projeto de restaurar Corredor de Biodiversidade do Araguaia

Criada pelo holandês Ben Valks, a organização já atuou em 300 hectares em dois estados, uma fração da área do projeto, que visa aumentar a biodiversidade e gerar créditos de carbono

Mariza Louven

A Black Jaguar Foundation inicia em outubro o seu sexto ciclo de plantio de árvores nativas no Brasil, agora em parceria com 21 proprietários rurais e não apenas três, como em temporadas anteriores. A adesão dos fazendeiros é fundamental para o avanço do projeto de proporções épicas, que visa restaurar o Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia.

empreendedor social holandês Bem Valks

“Se quisermos ter um futuro como espécie, precisamos restaurar a natureza em grande escala. O Corredor de Biodiversidade do Araguaia, que liga dois dos biomas mais importantes da América do Sul, é um exemplo disso. Sua restauração vai ajudar a melhorar a vida das pessoas, proteger o meio ambiente e combater a crise climática”, afirma o fundador do projeto, o empreendedor social holandês Bem Valks.

Para fazer um raio x da iniciativa, o Carbon Report procurou o empresário Ben Valks; a publicitária Carol Sacramento, responsável pela captação de recursos; a engenheira ambiental Marcelle Grumberg, coordenadora de parcerias rurais; e o engenheiro florestal Dimitrio Schievenin, coordenador técnico.

Proprietários rurais aderem a projeto de restaurar Corredor de Biodiversidade do Araguaia

O objetivo da iniciativa é atuar numa faixa de terra com 2,6 mil km de extensão e 40 km de largura que cruza seis estados do país. De Goiás ao Pará, o corredor abrange as margens dos rios Araguaia e Tocantins, nos biomas Cerrado e Floresta Amazônica. Nas últimas décadas, mais de 70% da área do Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia foram desmatados para fins agrícolas.

A recomposição da vegetação tem o papel de aumentar a biodiversidade, garantir o fornecimento de água e absorver dióxido de carbono (CO2), gerando possíveis certificações de carbono a serem elaboradas futuramente pelas empresas apoiadoras da iniciativa.

Número de parceiros está aumentando

Em 2019, o custo total do projeto foi estimado em US$ 4 bilhões, a serem investidos durante 20 anos. Tanto quanto recursos financeiros, um empreendimento dessa magnitude depende de parcerias com as comunidades, informa Sacramento.

Nas temporadas anteriores de plantio, a iniciativa contou com apenas três proprietários rurais parceiros, mas isso vem mudando. Os produtores estão começando a sentir os efeitos negativos da destruição ambiental, afirma. Eles experimentam mais secas, em intensidade e duração, bem como redução do volume de chuvas e perda de produtividade de suas colheitas.

A cidade de Santana do Araguaia, no Sul do Pará, cedeu em 2021 uma área pública para o desenvolvimento de um viveiro com capacidade de produção de até 500 mil mudas, o que também é considerado um marco do maior engajamento, já que a base eleitoral local é formada fundamentalmente pelo agronegócio. O viveiro é peça fundamental na infraestrutura implantada na região para dar suporte ao trabalho de restauração florestal, que usa também as técnicas de muvuca de sementes e de regeneração natural.

Carol Sacramento

“Os produtores estão vendo que os afluentes do rio Araguaia estão secando”, assinala Carol Sacramento.

Por isso, eles estão cada vez mais atentos às mudanças climáticas que afetam a produtividade de suas lavouras e da pecuária.

A partir de outubro deste ano, o projeto vai atuar em 21 propriedades de Santana do Araguaia, Caseara e Marianópolis, as duas últimas no Tocantins. É um grande avanço em relação a temporadas anteriores, quando apenas três donos de terras toparam fazer parte da iniciativa.

Se estão sendo prejudicados, por que não estão restaurando suas terras degradadas?

Segundo Valks, porque carecem de experiência, conhecimento técnico, insumos apropriados e recursos financeiros. Em muitos casos, o solo está degradado, as fontes de mudas e de sementes de espécies nativas estão muito distantes ou a invasão de gramíneas é muito forte para uma regeneração natural bem-sucedida. Isso faz com que muitos tenham grandes porções de terra que não podem ser usadas, mas que também não contribuem para a preservação da natureza.

A adesão dos produtores é um ponto central da estratégia da Black Jaguar, que não faz aquisição de terras. Só trabalha em sistema de parceria, sem troca de titularidade. O apoio inclui assistência técnica, treinamento e até a formação de cadeia de fornecedores locais, como a Rede de Sementes do Araguaia, criada há dois anos. O grupo já conta com 55 coletores.

O projeto teve cerca de 120 colaboradores na última temporada de plantio, contratados direta e indiretamente, além de uma rede de prestadores de serviços, como cerqueiros, fornecedores de alimentação e de transporte.

A contrapartida ao suporte dado pela Black Jaguar aos proprietários das terras é o compromisso de manterem a área preservada e cederem os direitos aos créditos de carbono que poderão ser gerados com o projeto. A Black Jaguar repassa esses direitos às empresas financiadoras, que também podem comunicar as ações em seus relatórios ambientais e campanhas de marketing.

Atualmente, a Black Jaguar tem dois principais apoiadores financeiros no Brasil, a Movida e a Caixa, empresas que têm o compromisso de plantar um milhão de árvores cada, além de mais 120 apoiadores de menor porte.

“Fazemos uma conta de captura de carbono de, em média, 126 kg por árvore”, explica Sacramento. Para ser usado futuramente, a conta precisará ser feita de acordo com padrões internacionais e os dados serem auditados. As empresas apoiadoras podem eventualmente certificar esta restauração, adequando-se por exemplo à futura legislação de mercado voluntário ou regulado, mas por enquanto o apoio ao projeto, em geral, faz parte de suas estratégias de sustentabilidade, ESG ou responsabilidade social.

Secretarias municipais de meio ambiente, sindicatos rurais entre outros interlocutores também são a base da articulação das parcerias da Black Jaguar. Além disso, a organização é uma das convidadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) para fazer parte da elaboração do Plano de Recuperação da Vegetação Nativa do Pará – PRVN.

Maioria das propriedades tem déficit ambiental

Cerca de 85% da área abrangida pelo projeto é composta por propriedades rurais privadas, segundo mapeamento elaborado pelo WRI Brasil. São mais de 24 mil unidades, das quais 13 mil reportam algum déficit ambiental, segundo o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Marcelle Grumberg

“Realizamos parcerias com produtores rurais para restaurar suas áreas de preservação permanente e reservas legais que apresentem déficit ambiental, para que se adequem ao Código Florestal. Com o apoio de nossos doadores, indivíduos e empresas, cobrimos as despesas da restauração. Os produtores contribuem disponibilizando equipamentos e mão de obra, quando disponível, e se comprometem com a proteção das áreas restauradas”, informa Grumberg.

Esse empurrão é importante devido aos atrasos na validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e na efetiva implementação do programa de Regularização Ambiental (PRA). “São atrasos que adiam a pressão que os proprietários teriam para iniciar a restauração”, afirma Schievenin.

O novo Código Florestal, de 2012, determina que todos os proprietários rurais devem preservar a vegetação nativa em 20%, 35% ou 80% de suas terras, dependendo da região do país. Essas áreas são denominadas reservas legais e áreas de preservação permanente.

A meta da Back Jaguar é atingir os primeiros mil hectares restaurados até o ciclo de 2025/2026. Para realizar o Corredor do Araguaia, que compreende também as margens do Rio Tocantins e tem uma área total de 10,4 milhões de kms quadrados, será necessário restaurar um milhão de hectares degradados em áreas de preservação permanentes e reservas legais.

Devastação ocupou o lugar da onça preta

A Black Jaguar surgiu do desejo de Valks encontrar uma onça preta na natureza, mas ele só viu devastação ambiental durante sua perambulação pelo interior do Brasil para filmar um documentário sobre o felino. Na ocasião, conheceu o conceito de corredores da natureza e o Corredor de Biodiversidade do Araguaia.

Para restaurar um corredor de biodiversidade, é preciso restaurar as áreas degradadas e reconectar os trechos preservados, criando um caminho onde a biodiversidade pode fluir. Entre os animais esperados do Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia estão a onça preta ou black jaguar, que tecnicamente é uma “onça melânica”: uma pintada com excesso de melanina.

Ao retornar à Holanda, Valks, até então um empresário, se converteu em empreendedor social. Com recursos próprios, fundou a Black Jaguar Foundation em 2009, com a missão de promover a restauração da biodiversidade – flora e fauna – por meio do reflorestamento. Na época, a população de onças pretas no país era estimada em 600 animais.

Até agora, Valks não conseguiu encontrar o animal na natureza. As onças pretas são muito raras, mas “de vez em quando chega um vídeo com algum avistamento”, garante Sacramento.

Será preciso restaurar no mínimo um milhão de hectares no corredor

Inicialmente, a Black Jaguar se concentrou no planejamento e pesquisa para o projeto. Em parceria com o WRI Brasil, mapeou todo o corredor de biodiversidade, indicando os diferentes tipos de uso da terra e seu estado de degradação ou conservação.

O “Estudo de Impacto Green Capital”, uma análise independente de custo-benefício encomendada pela Black Jaguar em 2019, demonstrou os benefícios ambientais líquidos do projeto. A pesquisa foi conduzida por 11 cientistas nacionais e internacionais, das Universidades de São Paulo e de Illinois, e concluiu que um milhão de hectares precisavam ser restaurados na área do corredor, através do plantio de ao menos 1,7 bilhão de árvores nativas.

Para isso, Valks fundou a Black Jaguar Brasil em 2016.
A primeira temporada de plantio só ocorreu em 2018, com a realização de um piloto em Santana do Araguaia. A etapa seguinte foi criar uma rede de embaixadores para articular apoio financeiro.

Até agora, a Black Jaguar já restaurou 300 hectares com cerca de 670 mil árvores nativas. A meta é restaurar os primeiros mil hectares com cerca de 2 milhões de árvores até 2025/2026. Para chegar à área total de 1 milhão de hectares previstos em todo o Corredor de Biodiversidade do Araguaia, será necessário plantar 1,7 bilhão de árvores nativas.

Encontrar uma onça preta em seu habitat será a maior recompensa e um indicador de que a população do animal cresceu, assim como a biodiversidade necessária à sobrevivência do felino que está no topo da cadeia alimentar.