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Minuta de regulação do mercado de carbono que tem circulado traz versão “genérica” do projeto de lei

Minuta de regulação do mercado de carbono que tem circulado traz versão “genérica” do projeto de lei

A principal vantagem de tirar impostos de um lado e aumentar em outro é promover a descarbonização sem onerar demais o setor produtivo.


Mariza Louven

 

Não existe clima político para aprovar um projeto de lei de regulação do mercado de carbono brasileiro este ano, a tempo de o Brasil chegar à Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 28) de Dubai, em novembro, com uma “entrega robusta”. A avaliação é do cientista político Eduardo Viola, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). O economista Fernando Antônio Ribeiro Soares, professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC), também acha que só a COP 30, em Belém do Pará, criará as condições adequadas.


A definição dos setores que terão suas emissões de gases de efeito estufa reguladas é a questão mais complexa e poderá se tornar “uma guerra”, já que envolve players poderosíssimos como os da indústria de petróleo e gás e do agronegócio. A minuta em discussão no governo trata da criação de um sistema regulado, com limitação das emissões de gases de efeito estufa para as atividades que mais emitem, mas o agronegócio estaria de fora. Para Viola, se aprovado este ano, provavelmente será um projeto de lei não efetivo, quase um “greenwashing”. Depois de conhecer o conteúdo da minuta que está circulando no meio político e entre especialistas, Soares viu nela uma “versão genérica”, mais focada na governança do mercado de carbono, e que exigiria uma pesada regulamentação posterior.


Soares avalia que 2024 é um horizonte mais factível para a regulamentação do mercado de carbono brasileiro, porque haverá toda uma mobilização às vésperas da COP 30, prevista para ocorrer em 2025, em Belém do Pará. A pressão do evento deve tornar o clima político mais favorável à aprovação de uma proposta robusta no Congresso Nacional. A COP de Belém vai permitir a criação de uma “cesta de entregáveis” mais consistente. Até lá, também aumentarão as pressões externas sobre exportações brasileiras destinadas ao mercado europeu. Se o agronegócio brasileiro não se adaptar, “vai doer no bottom line”, avalia o professor da FDC. Soares acredita que o governo poderia até aprovar um projeto de lei este ano, para regulação do mercado de carbono a toque de caixa, mas depois seria mais difícil alterá-lo. Criar apenas a governança geral do mercado de carbono, sem um aprofundamento da discussão entre as partes é uma possiblidade que embute riscos de questionamentos judiciais. Nesse caso, pode ocorrer o problema de “hierarquia na norma”.Segundo ele, a questão não é fazer uma lei principiológica, dando as diretrizes e a governança do processo do mercado de carbono: “Mas se ofender determinados interesses, legítimos ou não, que fazem parte do jogo democrático, pode levantar questões sobre a normatização – se é possível por decreto, se extrapola a lei etc.”

O cientista político Eduardo Viola também não acredita que o governo vá colocar toda a sua força política em priorizar a aprovação de uma lei robusta para regular o mercado e precificar o carbono no Brasil este ano. As prioridades são outras, como por exemplo a reforma tributária, cujo texto ainda precisa ser avaliado pelo Senado após o recesso parlamentar.
Outra prioridade é sancionar o novo arcabouço fiscal, aprovado em maio pela Câmara e, em junho, pelo Senado, mas devolvido à Câmara para análise final das mudanças feitas pelos senadores. Tem precedência, ainda, o projeto que recria o voto de qualidade no Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), outra pauta postergada para depois do recesso.

Agro versus petróleo

A questão dos setores que terão suas emissões de gases de efeito estufa reguladas é a mais complexa. Como equilibrar o tratamento dado a atividades tão relevantes como o agronegócio e a indústria de óleo e gás? Afinal, ambas são fundamentais para a economia e também grandes responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa do país. Na avaliação de Soares, a disputa poderá levar a um conflito, uma guerra dentro do Congresso. “Aí, sim, tem um ponto de discussão pesada. Construir consenso entre atores com paybacks tão diferentes é mais complexo, porque todos mundo teria que abrir a mão um pouquinho. Construir esse bem-bolado tomará tempo”, afirma Soares.


Além disso, é difícil ir contra as vantagens comparativas: há questões de custo envolvidas, que fazem com que determinados setores sejam mais produtivos e eficientes do que outros. Entre eles estão o agronegócio e os combustíveis brasileiros. Tanto o petróleo quanto o agro são naturalmente fortes na economia. “Escolher entre um e outro vai levar a muita discussão”. Ainda assim, Soares lembra que, mesmo o agro não estando na lista de setores que precisarão reduzir suas emissões, acabará sendo forçado à descarbonização pelo mercado externo, pela entrada em vigor de regras como as da União Europeia.


Viola diz que não apostaria quase nada na tributação das emissões do agronegócio e tem dúvidas de qual será o tratamento dado ao petróleo. “O governo ama o petróleo, com exceção da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. “Existe esse limite gigantesco da admiração pelo petróleo na sociedade brasileira e no PT”, afirma. “Tem toda a questão histórica, o lema ‘o petróleo é nosso’, que petróleo é soberania nacional. Deve haver apenas só uns 5% do pessoal do PT que não pensam assim”.
A tendência, segundo Viola, é o Brasil continuar ampliando suas emissões de carbono porque a produção de óleo e gás deve continuar crescendo e a redução do desmatamento deverá ocorrer em ritmo lento. Embora livre de críticas a ministra Marina Silva, o professor da FGV avalia que o governo está comprometido com a redução do desmatamento, mas não tão rápido quanto seria necessário. Um indicador é o fato de ainda não ter sido aberto o concurso para o Ibama, hoje com 700 fiscais, frente aos 1.700 de que tinha em 2010.

 

“O desmatamento na Amazônia aumentou muito, por causa da imbricação entre o crime ambiental e o crime organizado. O concurso depende de a Casa Civil priorizar o edital para selecionar novos fiscais. Mesmo depois da publicação, ainda serão necessários ao menos seis meses para preparar o concurso e, depois, nomear os novos fiscais etc.

Imposto de carbono, cap and trade ou os dois?

Viola defende a criação de um imposto sobre o carbono no Brasil, mas acha que não será adotado: “Desde a era Bolsonaro, o subsídio ao carbono foi ampliado. O ministro Fernando Haddad sinalizou que queria voltar atrás, mas Lula não aprovou totalmente. “Comparados com dois anos atrás, nós estamos numa fase de maior subsídio ao carbono do que havia antes. Isso é uma realidade”, afirma Viola.
A tributação sobre o carbono esbarra na carga tributária já elevada do Brasil. Por isso, Viola defende a lógica da compensação: tributar atividades fortemente emissoras de carbono e reduzir impostos sobre o trabalho (folha de salários) e o capital (ICMS, por exemplo).

A principal vantagem de tirar impostos de um lado e aumentar em outro é promover a descarbonização sem onerar demais o setor produtivo.
“A tributação sobre o carbono deveria ser quase neutra. Senão, haveria muita resistência”. No entanto, o professor da FGV não acredita que o resultado final será neutro e cita projeções de alguns economistas de que a carga tributária – gira em torno de 34% do Produto Interno Bruto (BIB) – terá que aumentar cerca de 2% durante o governo Lula para manter a situação fiscal, que está muito deteriorada.

Afinal, quem vai pagar a conta da descarbonização no Brasil?

Para Soares, a tributação sobre o carbono precisaria ser muito inteligente e seletiva, para não ter impacto social e ampliar a carga tributária. O professor da FDC lembra que a matriz de transporte brasileira é basicamente rodoviária. Uma tributação extra sobre o diesel, por exemplo, encareceria o transporte público e toda a rede de mobilidade urbana. “No fim, a conta vai cair no bolso da população que utiliza o transporte público. O arroz, o feijão, a carne, o produto de limpeza, todos esses produtos são transportados por rodovias. Isso vai pesar para a população mais pobre”, acrescenta.


Ao ser questionando se o imposto de carbono não deveria ter sido incluído na reforma tributária, Soares diz que, embora louvável, a iniciativa teria sido complexa. “Moveria corações e mentes”, no governo e no Congresso. “Dado que já existe uma arena extremamente ampla de disputa dentro da reforma tributária.”
A discussão sobre o imposto de carbono precisa avançar e ganhar amplitude, mas hoje há uma visão cap and trade – o mecanismo de mercado pelo qual uma empresa que não atingiu o seu limite de emissão (cap), fica com um crédito que pode ser vendido no mercado (trade) a outras empresas que não cumpriram seu limite de emissão.


No caso do imposto de carbono, mesmo que fosse possível alcançar a neutralidade (não aumentar a carga tributária), “algum setor ou algum agente arrecadador sempre perderia”, analisa Soares. Por isso, na opinião dele, o mais provável é o governo adotar o cap and trade, sistema de cotas de emissão e de compensações mais bem aceito no meio empresarial.