O vice-presidente de Engenharia e Projetos da empresa canadense Carbon Engineering, Marcus Temke, defende a precificação do carbono para estimular investimentos em redução e remoção de CO2
Mariza Louven
Estabelecer um preço nas emissões de carbono é uma variável-chave para a descarbonização da economia e combate às mudanças climáticas. Na avaliação do vice-presidente de Engenharia e Projetos da empresa canadense Carbon Engineering, dona de uma tecnologia que remove CO2 diretamente do ar (Direct Air Capture – DAC), Marcus Temke, estabelecer valor para a emissão de gases poluentes causadores do efeito estufa é o que vai, de fato, mobilizar as empresas para investir em equipamentos mais eficientes e na fabricação de produtos de baixa intensidade de carbono.
“O empresário precisa perceber esse preço e quantificá-lo no seu processo decisório”, afirma ao Carbon Report o executivo carioca morador de Vancouver, no Canadá, acostumado a rodar o mundo e observar iniciativas concretas de precificação do CO2. “É positivo ver que em 2010 somente 5% das emissões estavam precificadas e que no início de 2023 já eram 23%, mas ainda é muito pouco para atingirmos a meta de limitar o aquecimento global a 1,5oC”.
Para ele, o valor do carbono é o que determinará o ritmo e a dimensão da redução das emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, da remoção de CO2 necessária para se atingir o Net Zero em 2050. Isso é preciso para conter o aquecimento global.
Embora represente a indústria de remoção de carbono em bases tecnológicas, Temke diz que o esforço inicial deve ser em reduzir as emissões de CO2 e evitar compensações com créditos de carbono que não trazem nenhum benefício. Entretanto, restarão emissões muito difíceis ou até impossíveis de serem eliminadas, que devem ser compensadas com créditos de carbono de remoção.
Segundo ele, tirar todo o CO2 para se chegar ao Net Zero vai exigir um mix de soluções: baseadas na natureza, como o reflorestamento; tecnológicas, como DAC; ou hibridas, como Bioenergy wiht Carbon Capture and Storage (BECCS) e biochar.
Para reduzir as emissões, o carbono tem que ser precificado por meio da tributação ou de mecanismos de mercado, reforça. Alguns países já estão cobrando imposto sobre o CO2 lançado na atmosfera e/ou adotando sistemas como o cap and trade – modelo que deverá ser aplicado no Brasil, segundo o Projeto de Lei 412/2022.
O preço do greenwashing
O custo financeiro e reputacional também deve pesar cada vez mais na decisão de investir em créditos de baixa ou de alta qualidade, de redução ou remoção de CO2. A “propaganda enganosa” ainda é generalizada em todo o mundo, mas tende a diminuir, por pressão da sociedade e por força das novas legislações.
“Muita gente já apanhou por causa de greenwashing e não quer mais comprar créditos que não sejam de qualidade. Qualidade virou um atributo prioritário”, assinala Temke.
Um relatório da Comissão Europeia de 2021 concluiu que mais da metade das alegações ambientais corporativas on-line eram exageradas, falsas ou enganosas. No entanto, segundo estudo recente do Fórum Econômico Mundial sobre o mercado voluntário de carbono, estão surgindo iniciativas em todo o mundo para aumentar a transparência nas divulgações climáticas e uso dos crédito de carbono.
Entre elas estão a recomendações do Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade (International Sustainability Standards Board – ISSB), Relatório Europeu de Padrões de Sustentabilidade (European Sustainability Reporting Standards), Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Securities and Exchange Commission – SEC) e Grupo de Trabalho do Plano de Transição do Reino Unido (UK Transition Plan Taskforce).
O Mecanismo de Ajuste de Carbono de Fronteira (Carbon Boarder Ajustment Mechanism – CBAM), também passará a tributar produtos intensivos em carbono importados pela Europa. Esta medida começa a valer a partir de 1 de outubro de 2023, ainda numa etapa pedagógica em que as empresas terão apenas que relatar suas emissões até o fim de 2025. A tributação do carbono será iniciada em 2026.
Ainda na União Europeia, o Sistema de Comércio de Emissões já não permite o uso de créditos de carbono gerados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para compensar obrigações de conformidade.
“Nas definições da Universidade de Oxford, a manutenção e preservação de florestas não é um crédito de remoção. Esse investimento simplesmente evita uma emissão. Crédito de remoção baseado na natureza é reflorestamento: plantar árvores em áreas degradadas. O Brasil tem uma oportunidade enorme como o reflorestamento, que traz ainda benefícios ambientais e socioeconômicos”, acrescenta.
Greenwashig e a tal da adicionalidade
A questão da adicionalidade tem pesado. Sem ela, o investimento pode perder o sentido. Nesse radar estão os créditos de carbono oriundos de projetos de manutenção de florestas já existentes.
Cresce a tese de que, para lançar mais carbono no ar é preciso retirar uma quantidade de CO2 além da que já está sendo capturada. Uma das maneiras de essa conta dar um resultado positivo é plantar árvores que aumentem a captura de carbono e, assim, compensem novas emissões. Isso é adicionalidade no investimento: ir além do benefício que já existe.
“A Europa está mais na frente porque já viu que aquelas declarações de neutralidade de carbono que se fazia a partir da compra de créditos fajutos, sem nenhum benefício ambiental, são problemáticas. Isso não é mais permitido. As empresas estão tendo que se retratar e mudar de estratégia”, exemplifica.
No setor de aviação, por exemplo, muitas empresas oferecem a clientes a compensação de pegada de carbono dos voos, com base na compra de créditos de emissões evitadas, como por exemplo manutenção de florestas.
As empresas estão sob pressão legal e sendo questionadas por clientes, investidores e financiadores a se adequarem. Por isso, vão ter que começar a medir melhor as suas emissões de CO2 e ser mais transparentes nas suas divulgações.
Precisarão fazer o seu próprio planejamento para chegar ao net zero, definindo como chegarão lá, quais são as ferramentas que utilizarão para reduzir suas emissões, o portfólio de compensação baseado em créditos de remoção de carbono e metas intermediarias.
Licença para poluir?
A remoção tecnológica de carbono também recebe críticas de que os créditos de remoção são comprados por empresas que poluem. Mas como retirar do ar as bilhões de toneladas de CO2 necessárias no combate às mudanças climáticas?
De acordo com estudos de diversas instituições, incluindo a Agência Internacional de Energia, a tecnologia será fundamental para isso. Com base no pipeline atual de projetos de descarbonização, a avaliação é de que sem a tecnologia de remoção não será possível chegar à neutralidade de carbono a tempo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC neste século.
Na visão de Temke, as tecnologias de remoção de carbono do ar têm sido bode expiatório. “Os ambientalistas radicais nos viam como licença para poluir, dar sobrevida aos poluidores. É uma visão equivocada uma vez que a maioria dos setores não conseguirá reduzir as suas emissões a zero, havendo sempre uma emissão residual que precisa ser compensada com um crédito de remoção”.
Natureza e tecnologia
Temke informa que os especialistas recomendam montar um portfólio balanceado com um pouco de solução natural e um pouco de tecnológica, além de diversificação das empresas fornecedoras, para diminuir o risco dos investimentos.
As soluções naturais são mais baratas, mas com uma permanência menor e risco de reversão maior, assinala. Nesse caso, o cálculo que costuma ser usado é de cem anos. Este período equivale ao tempo médio de permanência do carbono, uma vez que algumas árvores viverão por 300, 400 anos, enquanto outras serão cortadas ou queimadas num curto prazo. O biochar têm permanência estimada em mil anos.
Já nas soluções tecnológicas, o cálculo é de milhões de anos e o risco de reversão bastante reduzido, explica Temke. Além disso, elas são muito fáceis de serem medidas e não competem por área para a produção de alimentos.
Tamanho do mercado de remoção
“O mercado é realmente enorme. O que precisa é baixar o custo das tecnologias”, afirma Temke. Segundo ele, os investimentos bilionários em curso nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente Médio e na China vão levar à otimização do processo e ao barateamento dos equipamentos. Foi o que aconteceu nas áreas de energia eólica e solar, beneficiando países como o Brasil, por exemplo. Com o tempo, as melhoras operacionais e tecnológicas promovem ganhos de eficiência e a escala torna os equipamentos e as plantas industriais mais baratos.
A Airbus é um dos grandes compradores dos créditos de carbono produzidos com a tecnologia DAC da Carbon Engineering. “Ela adquiriu 400 mil toneladas e trouxe junto uma série de empresas de aviação. Mais recentemente, a japonesa Air Nippon Airways (ANA) fez uma compra dedicada de 30 mil toneladas de créditos de remoção de carbono.”
Outro contrato importante fechado recentemente foi o de compra pela Amazon de 250 mil toneladas de carbono por dez anos. “Este é o primeiro contrato de longo prazo, bastante apropriado para financiamento de uma planta de DAC. É isso que o banco quer. Ele não quer uma compra spot”, acrescenta.
Todos os créditos gerados no projeto apoiado pela Amazon serão produzidos numa instalação de DAC com capacidade de captar 500 mil toneladas de CO2 do ar por ano, que está sendo construída no Oeste do Texas pela empresa 1PointFive, com tecnologia da Carbon Engineering. Essa planta iniciará sua operação comercial em 2025.
Bilhões de dólares para remoção de CO2
Sediada em Vancouver, na província de British Columbia, no Canadá, a Carbon Engineering tem hoje projetos em várias partes do mundo. O maior mercado atual é o dos Estados Unidos, impulsionado principalmente pela Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act – IRA) assinada pelo presidente Joe Biden.
“Para nós, os Estados Unidos são hoje o país mais atraente, onde duas leis ajudam extremamente”. Para projetos DAC, eles têm um incentivo fiscal de US$ 180 por tonelada de carbono.
Isso significa que, para cada tonelada capturada diretamente do ar e sequestrada, a empresa ganha US$ 180 e ainda pode vender o crédito de carbono. Como os americanos dizem, as duas receitas são “empilháveis”. Com isso, o modelo de negócio fecha. Temke não pode falar de custo de produção, mas usando estimativas de custos citadas por terceiros, de aproximadamente US$ 400, e o incentivo do governo de US$ 180, uma venda de crédito de carbono acima de US$ 220 resultaria numa margem positiva.
O IRA tem uma verba estimada inicialmente em US$ 380 bilhões para estimular iniciativas ambientais como energias renováveis, tecnologia DAC, hidrogênio verde, carro elétrico etc. Esta lei dará incentivo fiscal a todas as plantas industriais que iniciarem sua construção até 2032 e por um período de 12 anos.
Outro estímulo é a Lei de Investimentos e Empregos em Infraestrutura (Infrastructure Investment and Jobs Act), que disponibiliza US$ 3,5 bilhões para incentivar a construção de hubs de DAC no país. Desse total, US$ 1,2 bilhão já foi destinado a empresas selecionadas para desenvolver os primeiros projetos.
A 1PointFive, que utiliza a tecnologia da Carbon Engineering, é uma delas. Além da primeira planta no Texas, está concluindo a fase de engenharia da segunda instalação de DAC no Sul do estado, perto de Corpus Christi. Esta unidade terá capacidade de capturar um milhão de toneladas de carbono por ano, com início de operação previsto para 2027.
Oriente Médio e China
“Estamos olhando, ainda, dois mercados muito promissores. Um deles é o Oriente Médio, que vai sediar a Conferência do Clima da ONU (a COP 28) deste ano, nos Emirados Árabes”, disse o engenheiro químico na entrevista ao Carbon Report, durante passagem pelo Rio, antes de viajar para a China.
O mercado de remoção nesses países cresce embalado pela receita elevada com a venda de petróleo e os compromissos ambientais. A Carbon Engineering, junto com a 1PointFive, já está desenvolvendo um projeto de uma planta de DAC nos Emirados Árabes, junto com a Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), uma gigante de petróleo local.
A China é outro mercado promissor para a Carbon Engineering. De um lado, o país é o maior investidor em energias verdes e, de outro, ainda vai ser por muito tempo o maior poluidor. Por isso, tem necessidade e apetite de investir em energias verdes. “Lá existe uma demanda enorme por plantas de remoção de CO2. Como nos Emirados Árabes, o processo é top down, incentivado pelo governo.”
Tempo e custo pesam no Brasil
Temke trabalhou 35 anos desenvolvendo projetos industriais e, com base nessa experiência, diz que montar a infraestrutura para reduzir e remover as emissões remanescentes não será rápido. Do início de uma ideia até se iniciar a operação, leva tempo. É preciso montar um modelo de negócio, criar legislação, como é o caso do Brasil. “Já estamos atrasados!”, dispara.
“Mesmo que eu tivesse a ideia e o dinheiro, não conseguiria construir uma planta industrial sem ter as regras definidas. O ciclo de implementação tende a ser de cinco a dez anos. Não adianta achar que vai construir em dois anos. Depende também de financiamento bancário, do licenciamento ambiental, Ministério Público, uma série de coisas. As pessoas estão começando a ver que as coisas não vão acontecer tão rápido”, prevê.
A regulação CCS já passou pelo Senado brasileiro e voltou para revisão da Câmara. Está mais adiantada do que o arcabouço geral do mercado de carbono, cuja votação foi novamente adiada na Comissão de Meio Ambiente do Senado.
Para ter projetos e hubs como os que estão sendo construídos em outras partes do mundo, o Brasil precisará de tempo, além de recursos financeiros. A lei é uma orientação mais genérica, que precisará ser regulamentada. O investidor não vai botar dinheiro enquanto não souber os detalhes da regulamentação.
“A gente viu isso com a Lei do Gás. No caso de CCS, certamente a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai ter que regulamentar. Estamos avançando no caminho, mas não existirá planta de CCS tão cedo. Ainda vai demorar um bocado” afirma. O ritmo também não é tão rápido em outros países, esclarece, com exceção de alguns em que a disponibilidade de recursos e decisão política estão permitindo estimular as novas tecnologias, como os Estados Unidos.
Ainda assim, na avaliação dele, o Brasil devido a disponibilidade de energias renováveis competitivas é um mercado promissor. A redução do preço dos equipamentos, em decorrência do aumento da escala de produção para atender aos projetos dos Estados Unidos e de outros países vai ajudar a equacionar a questão financeira.