Ideia de um conselho formado pelos mais altos decisores do país surge em meio à demanda por uma nova autarquia federal e à criação da secretaria da reconstrução de SP
20 de maio de 2024
Mariza Louven
As mudanças climáticas são uma grande força perturbadora. Chuvas torrenciais, enchentes, queimadas e secas devastadoras no Brasil e no mundo têm provocado crises humanitárias e econômicas dramáticas. São emergências que testam a capacidade dos governos, empresas e pessoas tomarem decisões rápidas e eficazes de mitigação e aumento da resiliência.
É fundamental amenizar imediatamente o sofrimento das pessoas diretamente impactadas por catástrofes como a do Rio Grande do Sul; e agir para estancar os efeitos danosos, de longo prazo, dessa e de outras tragédias. Além das perdas humanas, os impactos negativos dos eventos climáticos extremos se estendem sobre a economia e a sociedade, resultando em altas de preços de alimentos, proliferação de doenças e aumento das migrações, entre muitos outros.
Para lidar com a crise atual, o governo do Rio Grande do Sul acaba de anunciar a criação de uma secretaria especial focada na reconstrução do estado. Já a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem defendido a criação de um novo órgão federal para ser o operador do futuro plano de prevenção de desastres climáticos que está sendo elaborado pelo governo. Segundo ela, não seria a Autoridade Climática anunciada quando foi candidata presidencial em 2022.
Passou mesmo da hora de os governos priorizarem a crise climática. Cada uma no seu quadrado, municipal, estadual ou federal, as reações à catástrofe do Rio Grande do Sul ajudam a dar mais foco ao problema. A questão é se essas iniciativas são suficientes para lidar da gigantesca tarefa do momento e com os desastres que virão, sem que haja uma união institucional maior.
Como dar celeridade às ações de maneira coordenada, considerando as divergências políticas no país, dentro dos limites da lei, à luz da ciência e sem tornar insustentável o peso dos gastos necessários sobre os já combalidos cofres públicos?
Uma ideia que estaria circulando no entorno do ministro Rui Guerra, da Casa Civil, seria reunir numa mesma mesa os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, sob a coordenação da Presidência da República, para formar uma espécie de Conselho Superior do Clima. A iniciativa agregaria os maiores expoentes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O economista Fernando Antonio Ribeiro Soares, professor convidado da Fundação Dom Cabral, lembra que algo parecido já aconteceu no que ficou conhecida como a crise do apagão. No momento atual, no entanto, ele opina que seria interessante definir claramente as exigibilidades para estar sujeito às decisões de um conselho desse tipo. Uma precaução contra excessos.
Em maio de 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou, por meio da medida provisória 2.147, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), com o objetivo de dar uma resposta à crise hídrica que ocorria no país. O problema ocorreu devido à falta de chuvas e de planejamento, aliadas ao aumento da demanda por eletricidade e à alta dependência das hidrelétricas.
A Câmara de Gestão da Crise, presidida pelo então chefe da Casa Civil da Presidência da República, Pedro Parente, reuniu quadros governamentais de diversos setores como o elétrico, economia e segurança nacional, por cerca de um ano (foi desfeita em 2002). Além de acompanhar os desdobramentos da situação de desabastecimento de energia, o grupo tinha a função de tomar decisões conjuntas para equilibrar oferta e demanda, evitando novas falhas no fornecimento.
Fora do Brasil, em março de 2023, o Governo Biden também criou um Comitê de Ação Rápida (Fast Track Action Committee on Climate Services) para lidar com os eventos meteorológicos extremos nos Estados Unidos, composto por membros de 17 departamentos, agências e o Gabinete Executivo do presidente. Entre os participantes estão as agências responsáveis pela gestão direta dos riscos climáticos e outras de atuação indireta. Uma delas é a Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço (NASA, na sigla em inglês).
O Comitê de Ação Rápida dos EUA surgiu logo depois que o país registrou um recorde de catástrofes climáticas. Em 2022, foram 22 ocorrências de grande porte, que causaram danos estimados em pelo menos US$ 165 bilhões, segundo levantamento da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês).
Em 2023, os norte-americanos enfrentaram um número ainda maior de eventos climáticos extremos. Ano passado, o mais quente em todo o mundo, os desastres naturais causaram prejuízos em todo o planeta, estimados pela Munich Re, uma das maiores companhias de resseguro do mundo, em US$ 250 bilhões.
Uma das justificativas para a criação do Comitê de Ação Rápida dos EUA foi a de que o governo federal dos EUA, sozinho, pode ter que gastar de US$ 25 bilhões a US$ 128 bilhões todos os anos para lidar com prejuízos climáticos. Outros custos consideráveis são previstos para serem suportados por indivíduos, comunidades e empresas em todo o país.
A magnitude das perdas humanas e materiais impostas pelo clima extremo gera pressão por respostas rápidas e eficazes, que requerem uma combinação de informações qualificadas com capacidade de decisão, além, claro, de tecnologia e recursos financeiros. Chegou a hora de sair da postura reativa e passar à antecipação estratégica, porque, como disse outro dia o professor da USP, Ariaster Chimeli, neste exato momento, estamos produzindo a próxima crise.
As estruturas precisam ser ágeis, robustas e trabalhar em colaboração para gerenciar as crises do presente e do futuro, sejam elas uma secretaria, uma autarquia, um conselho interinstitucional ou tudo isso junto.