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Brasil está desaparelhado para lidar com a influência do oceano no clima

Brasil está desaparelhado para lidar com a influência do oceano no clima

Mapa mostra 1.333 sensores oceanográficos concentrados no hemisfério norte e apenas sete na costa brasileira. País precisa de ao menos 20, segundo o professor Segen Estefen, diretor do INPO

21 de maio de 2024

Mariza Louven

Os raros sensores oceanográficos ancorados na costa brasileira são insuficientes para entender o comportamento do oceano e seus impactos no clima. Esta limitação dificulta a prevenção ou a remediação de catástrofes como a ocorrida no Rio Grande do Sul. Um mapa da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (National Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA) dos Estados Unidos mostra 1.333 pontos de medições no globo terrestre, a maioria concentrada no hemisfério norte. Apenas sete aparecem em águas próximas ao Brasil.

“Se compararmos os pontos de medição no hemisfério norte, em relação ao hemisfério sul, vemos que estamos totalmente desaparelhados em termos de informação”, afirma o diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), Segen Estefen.

“Não há um número pré-fixado de boias para prever os eventos extremos, mas quanto mais melhor. Os USA, por exemplo, possuem uma quantidade enorme em sua costa e plataforma continental. Além disso, investem muito em boias distribuídas em todos os oceanos, pois há conexão entre eles”, acrescenta o também professor titular de Estruturas Oceânicas e Engenharia Submarina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As boias na costa brasileira, assinaladas no mapa da NOAA, integram um total de 18 unidades mantidas na região equatorial pelo Projeto Pirata, uma iniciativa multinacional da qual o Brasil participa, juntamente com os Estados Unidos e a França. Fazem parte do Programa Nacional de Boias (PNBoia), coordenado pela Marinha do Brasil. Existem, ainda, algumas estações de medições de marés não contabilizadas. Um dos projetos estratégicos do INPO é coordenar as ações de projetos já em andamento de observação oceânica. Os sensores podem indicar, ao longo do tempo, a temperatura, a salinidade, o aumento do nível do mar e outras variáveis essenciais para entender e correlacionar eventos extremos a comportamentos do oceano; e confirmar os tipo de fenômenos e que regiões serão mais afetadas. Tragédia do RS e obras de adaptação O oceano tem grande influência no clima, principalmente no hemisfério sul, onde ocupa 80% da superfície do planeta. Mais ainda com o El Niño - um fenômeno conhecido no Oceano Pacífico, próximo à costa do Peru - modificado pelo aquecimento global. A água mais quente vem alterando o regime de chuva e de seca na área continental. Muita chuva no sudeste da América do Sul, onde está o Rio Grande do Sul, e seca na região da Amazônia são alguns dos efeitos do aquecimento do oceano nesta parte do planeta. A elevação do nível do mar, provocada pela expansão térmica da água e pelo derretimento das geleiras, também aumenta a possibilidade de inundações em áreas costeiras. De acordo com Estefen, esses fenômenos devem ser considerados no planejamento de obras de adaptação. Por exemplo, nas que precisam ser feitas para garantir o escoamento efetivo das águas da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, em casos de chuvas como as ocorridas recentemente. “Não podemos sair fazendo obras a esmo. Não temos nem recursos para isso. É totalmente fora de questão. Obras feitas sem o planejamento necessário podem causar outros problemas.” Na recente tragédia do RS, as inundações estão ocorrendo em cidades situadas nos vales da serra, em Porto Alegre e na zona costeira do estado. Neste caso, na avaliação dele, o sistema de observação deveria conjugar esforços de distintos sistemas de observação (terrestre e oceano-costeiro). “A integração entre esses sistemas não existe atualmente no Brasil, assim como não há medidores de nível da água ao longo da Lagoa dos Patos e Lago Guaíba.” O sul do Brasil também é muito afetado por ciclones extratropicais, cada vez mais intensos e frequentes, potencializados pelas altas temperaturas. “A origem e o trajeto desses ciclones podem ser detectados. Para isso, é necessário criar um sistema de observação e previsão que funcione 24horas/7dias.” Aumento do calor, chuvas torrenciais, secas prolongadas, ciclones e degelo da Antártica estão relacionados e impactam o mundo todo. O derretimento do gelo modifica a salinidade das correntes marítimas, podendo alterar as suas trajetórias e causar problemas seríssimos no globo terrestre, assinala: “correntes que são normalmente quentes e chegam à Escandinávia poderiam ser, em parte, descontinuadas; e as temperaturas, lá, descerem a níveis muito baixos.” Propostas do INPO Criado ano passado, através de um contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o INPO se propõe a gerar impacto positivo por meio de três principais projetos estruturantes, que exigirão investimento de R$ 50 milhões. O primeiro é o de observação oceânica. O segundo, em parceria com as empresas, visa a instrumentação oceanográfica: “entendemos que o Brasil tem capacidade de reparar os instrumentos de medição no mar, calibrar e fabricar aqui. Não faz sentido, toda vez que dá problema, mandado o instrumento para o exterior.” O terceiro está relacionado à infraestrutura de dados, com a Marinha. Stefen destaca o trabalho realizado por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e a Marinha. Mas diz que é preciso adicionar informações aos órgãos que já atuam durante ou na prevenção de desastres climáticos. “O papel do INPO é agregar conhecimento científico e resultados que possam contribuir para essas ações serem mais efetivas. Quanto mais conhecimento e informação para os órgãos que atuam localmente nessas emergências, maior sucesso pode-se ter, inclusive para evacuar pessoas e tornar os alarmes mais efetivos.”
Imagem: NOAA

Segundo ele, são necessárias ao menos 20 boias: dez ao longo dos 7.367 km da costa brasileira e outras dez na zona econômica exclusiva – uma faixa marítima de 200 milhas medidas a partir da linha do litoral. O investimento seria de até R$ 20 milhões por ano, incluindo os novos equipamentos, instalação, manutenção e aquisição dos dados.

“Não há um número pré-fixado de boias para prever os eventos extremos, mas quanto mais melhor. Os USA, por exemplo, possuem uma quantidade enorme em sua costa e plataforma continental. Além disso, investem muito em boias distribuídas em todos os oceanos, pois há conexão entre eles”, acrescenta o também professor titular de Estruturas Oceânicas e Engenharia Submarina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As boias na costa brasileira, assinaladas no mapa da NOAA, integram um total de 18 unidades mantidas na região equatorial pelo Projeto Pirata, uma iniciativa multinacional da qual o Brasil participa, juntamente com os Estados Unidos e a França. Fazem parte do Programa Nacional de Boias (PNBoia), coordenado pela Marinha do Brasil. Existem, ainda, algumas estações de medições de marés não contabilizadas.

Um dos projetos estratégicos do INPO é coordenar as ações de projetos já em andamento de observação oceânica. Os sensores podem indicar, ao longo do tempo, a temperatura, a salinidade, o aumento do nível do mar e outras variáveis essenciais para entender e correlacionar eventos extremos a comportamentos do oceano; e confirmar os tipo de fenômenos e que regiões serão mais afetadas.

Tragédia do RS e obras de adaptação

O oceano tem grande influência no clima, principalmente no hemisfério sul, onde ocupa 80% da superfície do planeta. Mais ainda com o El Niño – um fenômeno conhecido no Oceano Pacífico, próximo à costa do Peru – modificado pelo aquecimento global. A água mais quente vem alterando o regime de chuva e de seca na área continental.

Muita chuva no sudeste da América do Sul, onde está o Rio Grande do Sul, e seca na região da Amazônia são alguns dos efeitos do aquecimento do oceano nesta parte do planeta. A elevação do nível do mar, provocada pela expansão térmica da água e pelo derretimento das geleiras, também aumenta a possibilidade de inundações em áreas costeiras.

De acordo com Estefen, esses fenômenos devem ser considerados no planejamento de obras de adaptação. Por exemplo, nas que precisam ser feitas para garantir o escoamento efetivo das águas da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, em casos de chuvas como as ocorridas recentemente. “Não podemos sair fazendo obras a esmo. Não temos nem recursos para isso. É totalmente fora de questão. Obras feitas sem o planejamento necessário podem causar outros problemas.”

Na recente tragédia do RS, as inundações estão ocorrendo em cidades situadas nos vales da serra, em Porto Alegre e na zona costeira do estado. Neste caso, na avaliação dele, o sistema de observação deveria conjugar esforços de distintos sistemas de observação (terrestre e oceano-costeiro). “A integração entre esses sistemas não existe atualmente no Brasil, assim como não há medidores de nível da água ao longo da Lagoa dos Patos e Lago Guaíba.”

O sul do Brasil também é muito afetado por ciclones extratropicais, cada vez mais intensos e frequentes, potencializados pelas altas temperaturas. “A origem e o trajeto desses ciclones podem ser detectados. Para isso, é necessário criar um sistema de observação e previsão que funcione 24horas/7dias.”

Aumento do calor, chuvas torrenciais, secas prolongadas, ciclones e degelo da Antártica estão relacionados e impactam o mundo todo. O derretimento do gelo modifica a salinidade das correntes marítimas, podendo alterar as suas trajetórias e causar problemas seríssimos no globo terrestre, assinala: “correntes que são normalmente quentes e chegam à Escandinávia poderiam ser, em parte, descontinuadas; e as temperaturas, lá, descerem a níveis muito baixos.”

Propostas do INPO

Criado ano passado, através de um contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o INPO se propõe a gerar impacto positivo por meio de três principais projetos estruturantes, que exigirão investimento de R$ 50 milhões.

O primeiro é o de observação oceânica. O segundo, em parceria com as empresas, visa a instrumentação oceanográfica: “entendemos que o Brasil tem capacidade de reparar os instrumentos de medição no mar, calibrar e fabricar aqui. Não faz sentido, toda vez que dá problema, mandado o instrumento para o exterior.” O terceiro está relacionado à infraestrutura de dados, com a Marinha.

Stefen destaca o trabalho realizado por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e a Marinha. Mas diz que é preciso adicionar informações aos órgãos que já atuam durante ou na prevenção de desastres climáticos.

“O papel do INPO é agregar conhecimento científico e resultados que possam contribuir para essas ações serem mais efetivas. Quanto mais conhecimento e informação para os órgãos que atuam localmente nessas emergências, maior sucesso pode-se ter, inclusive para evacuar pessoas e tornar os alarmes mais efetivos.”