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Descarbonização carioca inclui frear construções ilegais, ISS Neutro, mais VLT e usina solar

Descarbonização carioca inclui frear construções ilegais, ISS Neutro, mais VLT e usina solar

“Cashback” de imposto para estimular atividades limpas e o mercado de carbono estão no pacote, que inclui um hub de inovação previsto para começar a ser construído este mês

12 de janeiro de 2024

Mariza Louven

O combate às mudanças climáticas vem sendo cada vez mais incorporado a políticas públicas de grandes centros urbanos como o Rio. A descarbonização da cidade passa pelo enfrentamento das construções ilegais, criação do ISS Neutro, estudos para a expansão do VLT a bairros além do centro, instalação de uma usina solar em Santa Cruz e outras iniciativas da prefeitura com vistas a tornar a vida do carioca mais sustentável.

“Hoje, na favela do Rio de Janeiro, a exploração irregular e imobiliária é basicamente promovida pelo crime organizado, que significa a milícia e o tráfico em algumas regiões. Isso invade as florestas, derruba áreas de proteção ambiental, traz desafios humanos e de infraestrutura”, afirma ao Carbon Report o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, Chicão Bulhões (foto).

Não é óbvio para a maioria, o que acaba gerando polêmicas principalmente nas redes sociais, mas as construções irregulares infringem leis urbanísticas e ambientais. Isso tem impacto até na segurança pública. Para enfrentar o problema, a Secretaria de Ordem Pública da cidade realizou 3.141 demolições no município desde 2021, 70% em áreas com atuação do crime organizado. As ações, principalmente na Zona Oeste e no Recreio dos Bandeirantes, causaram um prejuízo de aproximadamente de R$420 milhões aos responsáveis pelas obras.

Já o ISS Neutro visa estimular o surgimento de projetos de baixo carbono, por meio do incentivo à compra de créditos pelas empresas que pagam ISS no município. A medida pode alcançar desde escritórios de advocacia à indústria do petróleo, que garante uma receita de R$1 bilhão em royalties para a cidade. “Que bom que essas empresas estão aqui. Isso inclui Petrobras, Shell, Vibra e outros players do mercado. Elas estão tentando fazer uma transição energética em suas atividades porque, claro, não vão simplesmente desligar uma plataforma amanhã”, destaca Bulhões.

Afinal, a agenda climática também é pautada pelo pragmatismo, comenta o secretário ao ser questionado sobre a dificuldade de transpor as barreiras ideológicas sobre o tema. “A questão do clima acabou sendo levada para este campo de discussão, quando na verdade é bem pragmática. Temos uma emergência climática que afetará todos os cidadãos do mundo, sejam comunistas, liberais, socialistas, acreditantes de qualquer religião ou de qualquer coisa. Nos afetará a todos.”

Veja, aqui, algumas medidas da prefeitura para tornar a cidade mais sustentável e, a seguir, os principais trechos da entrevista com o secretário Chicão Bulhões.

Carbon Report: Neste ano de eleições municipais em todo o Brasil, as mudanças climáticas e a descarbonização das cidades estarão mais em pauta?

Chicão Bulhões: Esse é um assunto central para o desenvolvimento da cidade, principalmente no longo prazo. Claro que quando a gente fala de desenvolvimento econômico, quer resultados de hoje para amanhã. Mas, para além das ações de curto prazo, a gente precisa plantar as sementes de algo mais permanente. Para isso, dependemos de ações globais e coordenadas também em âmbito nacional. O Rio de Janeiro vai fazer a sua parte localmente.

Concretamente, o que a cidade tem feito?

Bulhões: A gente trabalha nos eixos educacional, de incentivos e de montar regulações e regras que, de certa maneira, criam um ambiente que se soma ao educacional e de eventos. Dentro desses eixos, temos o ISS Neutro.

O que é o ISS Neutro?

Bulhões: Hoje, não temos um mercado de carbono regulado no Brasil. As empresas, incluindo as poluidoras, ainda não têm metas nem precisam comprar créditos de carbono para compensar as suas emissões de gases de efeito estufa. Algumas delas vão ao mercado voluntário, acessam plataformas digitais – e é muito importante que tenham certificações e auditorias, para que não haja greenwashing – e compram créditos que possam compensar as suas emissões, originados de atividades limpas. Os créditos de carbono são uma forma de remunerar as atividades limpas, que ajudam a compensar as emissões de carbono. Quando o mercado de carbono estiver regulado, também vamos aceitar esses créditos.

As empresas de petróleo podem se beneficiar?

Bulhões: A cidade recebe R$1 bilhão em royalties do petróleo. Que bom que essas empresas estão aqui. Isso inclui Petrobras, Shell, Vibra e outros players do mercado. Elas estão tentando fazer uma transição energética em suas atividades porque, claro, não vão simplesmente desligar uma plataforma amanhã. Também estamos incentivando a inovação na cidade, para que essa transição ocorra mais rápido, por meio da educação e da formação de hubs.

Nesse caso, a prefeitura faz uma renúncia fiscal?

Bulhões: Falar em renúncia não é errado, porque a gente está abrindo mão (de uma parte da receita). É claro que tem um limite. A empresa paga 5% de alíquota de ISS, mas o abatimento será de, no máximo, 2%. Separamos R$60 milhões para isso, com limite máximo de R$3 milhões, para que mais empresas possam se beneficiar.

A adesão correspondeu às expectativas da prefeitura?

Bulhões: Isso é totalmente inovador. A gente teve até dificuldade de mensurar essa expectativa. Tivemos pelo menos dez empresas na primeira rodada (em 2023), que teve um período curto, só de 20 dias para as empresas se inscreverem. Queremos que mais empresas participem. Por isso, estendemos o prazo. Empresas de qualquer tamanho podem ter o benefício. Não é só para as de petróleo, mas para todas que pagam ISS no Rio, como escritórios de advocacia, hospitais, qualquer atividade econômica.

Quanto essas dez empresas representam em incentivos?

Bulhões: Não dá pra saber ainda. Depende das operações que apresentarem.

O ISS Neutro é um tipo de crédito de carbono de natureza fiscal?

Bulhões: Quase isso. Qual é a lógica desse incentivo? Estamos dando um dinheiro de volta para as atividades econômicas poluidoras que se servem de operações no mercado de carbono para comprar créditos certificados em plataformas reconhecidas, originados de atividades limpas no Rio de Janeiro. Não estamos emitindo nenhum título, fazendo nenhum registro. Estamos pegando R$60 milhões e dizendo: empresas cariocas pagadoras de ISS, se vocês forem ao mercado voluntário hoje, fizerem a compensação das suas emissões, que consequentemente vão financiar atividades limpas da cidade do Rio de Janeiro, podem contar com a prefeitura. A gente vai dividir essa conta com vocês, porque queremos ver esse dinheiro chegar nas atividades limpas que estão aqui.

Que outras medidas a prefeitura está adotando?

Bulhões: Outro eixo é o educacional, da pesquisa e inovação. A gente acha que inovação é um ponto central para trazer soluções para os grandes desafios. Temos trabalhado para transformar o Rio na capital da inovação e tecnologia, muito focados na transição energética. Vamos ter um hub, que é um ponto de contato de vários atores, com a primeira universidade do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), em parceria com o governo federal, na região do porto. As primeiras aulas começam no dia 2 de abril, para alunos com bolsas de 100% em quatro cursos: matemática, ciência de dados, ciência da programação e física. As inscrições já estão abertas. No mesmo lugar haverá um hub de empresas que produzem inovação e vão se acoplar a esses jovens e pessoas ligadas ao setor de energia. A gente também tem conversado com fundos de investimento estrangeiros e locais. Vamos conectando a parte educacional com a de produção de conhecimento, as startups, as empresas inovadoras e os investimentos.

O centro tem uma área de baixa emissão de carbono. Isso funciona?

Bulhões: O que acontece com o centro é que a gente inverteu a lógica de crescimento da cidade. Criamos incentivos para ter mais residenciais na região, que tinha ficado vazia. Tem prédios, metrô, saneamento, escolas, hospitais. A coisa está pronta. Só não tem gente. Estamos incentivando construções residenciais no centro e em áreas da cidade que já possuem infraestrutura, como Zona Norte, um pouco na Zona Sul e na Barra. Isso é para evitar que os preços dos imóveis e a demanda fiquem tão proibitivos, em alguns lugares, que a gente continue vendo o processo de favelização, hoje explorado pelo crime organizado. Hoje, na favela do Rio de Janeiro, a exploração irregular e imobiliária é basicamente promovida pelo crime organizado, que significa a milícia e o tráfico em algumas regiões. Isso invade as florestas, derruba áreas de proteção ambiental, traz desafios humanos e de infraestrutura. A cidade cresceu muito rápido na direção da Zona Oeste, que tem áreas sensíveis do ponto de vista ambiental. Lá a terra é mais barata e, consequentemente, mais compatível com a demanda da classe média. Quando a gente muda a regulamentação, com o Plano Diretor, o Reviver Centro e tudo mais, queremos trazer mais essas pessoas para o centro da cidade.

Como tornar cidades como o Rio mais sustentáveis, se faltam recursos para prioridades como transporte, habitação e segurança?

Bulhões: Do ponto de vista estrutural, ainda precisamos fazer uma transição dos nossos modais. O Rio tem agora um plano de expansão do VLT, um modal limpo, para substituir no longo prazo o BRT em outras regiões da cidade. No Centro, a malha do VLT vai ser ampliada. Isso começa a acontecer quando inaugurarmos o Terminal Gentileza, ainda este ano, ao lado da Rodoviária. Ali haverá uma conexão das novas linhas de VLT, malhas de BRT e outros modais. Transporte é um tema complexo. Na pandemia, as pessoas pararam de se locomover e isso trouxe um desafio para contratos, concessões e novos desenhos. Fora a burocracia.

Qual é a relação com a burocracia?

Bulhões: Hoje, para construir em determinados lotes da cidade, você pode fazer manejo de flora e fauna. É obrigado por lei a fazer compensações ambientais para determinadas espécies de árvores. Isso é uma forma de compensar o crescimento, que atende à demanda habitacional, e ter mais habitações. Podemos converter as existentes, mas isso não é suficiente e, para construir novas habitações, elas precisam respeitar a lei. Quando a gente desburocratiza processos e os torna mais acessíveis, consegue ver a formalização acontecer e melhorar a fiscalização. Isso faz com que a gente tenha uma presença maior, evite desmatamentos e construções irregulares que, no Rio de Janeiro, são majoritariamente, senão totalmente promovidas hoje pelo crime organizado. Consegue também, falando de segurança pública, dar prejuízo para o crime organizado. Para o bom empreendedor, para o bom investidor que quer fazer a coisa certa, esse sistema precisa ser acessível. Quando a gente faz a unificação do licenciamento ambiental e urbanístico, é para as normas urbanas conversarem com a licença ambiental e dar racionalidade ao processo, que precisa ser impessoal, eficiente e entregar o que se propõe. Não podemos viver numa hipocrisia em que a lei do bem existe mas não é aplicada. Mas no dia a dia das redes sociais, essas coisas ficam muito à flor da pele.

As questões climáticas costumam ser mais associadas a bandeiras da esquerda. Como transpor as questões ideológicas?

Bulhões: Sou um político que vem de um espectro de centro-direita. Acredito na lógica de mercado, de um capitalismo sustentável, no direito de propriedade e também em liberdades individuais. Dentro da direita também tem esse espectro. O que aconteceu no Brasil é que a direita ficou ligada só, recentemente, a um movimento reacionário, que nem é necessariamente sobre o que estou falando aqui. Virou quase uma seita de uma figura política que não está mais no poder. Espero que não volte, porque não agrega. Partiu para o campo da violência política e esse campo é uma violência entre irmãos, entre pessoas que compartilham o mesmo espaço: entre brasileiros e brasileiras. A questão do clima acabou sendo levada para este campo de discussão, quando na verdade ela é bem pragmática do ponto de vista técnico. Temos uma emergência climática que afetará todos os cidadãos do mundo, sejam comunistas, liberais, socialistas, acreditantes de qualquer religião ou de qualquer coisa. Nos afetará a todos. Portanto, podemos ter diferenças sobre como resolver. Isso é natural e até desejável. A democracia existe para isso: discordar no campo institucional e chegar às melhores soluções. As melhores soluções possíveis entre pessoas que pensam diferente. Qualquer pessoa que esteja no poder, independente de sua ideologia, terá que lidar. Melhor participar do processo, mesmo os que são contra, para ter voz na construção de soluções, do que só ficar gritando e negando que a questão existe. O mundo inteiro vai nessa direção.