A Morfo Brasil custeia o investimento e usa tecnologia para aumentar a produtividade, garantir ganho de escala e retorno financeiro suficiente para remunerar os donos das terras
15 de janeiro de 2024
Mariza Louven
“Não é só plantar árvores”, diz o CEO da Morfo Brasil, Grégory Maitre, em conversa com o Carbon Report sobre a restauração ecológica que a empresa está realizando na Fazenda das Palmas, da família Almeida Braga, localizada em Vassouras, Rio de Janeiro. O uso de ferramentas tecnológicas como drones e monitoramento por satélite, para recuperar grandes áreas degradadas mais rapidamente, é o que garante a escala, compensa o alto custo da certificação dos créditos de carbono e faz o projeto dar lucro.
A Morfo anunciou, nesta segunda-feira (15/1), que também fechou parceria ambiental com a prefeitura do Rio de Janeiro, com objetivo de reflorestar as áreas verdes do município. Os drones utilizados pela startup farão a dispersão das sementes nativas em zonas de difícil acesso das regiões montanhosas da cidade. O reflorestamento de encostas é fundamental para evitar deslizamentos de terras como os que têm ocorrido devido a chuvas torrenciais.
Viabilidade econômica
É necessária uma extensão mínima de mil hectares de terras para tornar economicamente viável a certificação de um projeto de restauração ecológica gerador dos créditos de carbono, informa Maitre.
Proprietários rurais de todo o Brasil querem participar do mercado de carbono, mas esse negócio ainda não é acessível aos pequenos. “A grande verdade é que o custo da certificação é proibitivo para os pequenos proprietários rurais“, diz o CEO da Morfo. “A abertura que temos é juntar vários projetos para formar um projeto maior. Podem ser reunidas propriedades na mesma região, como Vassouras, Miguel Pereira, Mendes, para garantir a homogeneidade.“
O custo do plantio, que pode chegar a R$50 mil por hectare, é financiado pela Morfo. A empresa se remunera com a comercialização dos créditos no mercado voluntário e gera renda adicional para os proprietários das terras.
Este é o caso da restauração de cerca de 19 hectares da Fazenda das Palmas. O custo está sendo diluído pela escala. De acordo com Maitre, nos casos em que a área não alcança os mil hectares mínimos, vários subprojetos são reunidos abaixo de um projeto único de certificação.
Os herdeiros do banqueiro Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, falecido em 2021, não tiveram que arcar com o investimento e ainda vão receber parte do resultado da venda dos créditos de carbono. Segundo Maitre, o projeto tem atraído o interesse de proprietários rurais e do setor público, que também é dono de áreas com solo degradado que precisam ser recuperadas.
Ter escala garante retorno financeiro
“Nossa expectativa em relação ao projeto de restauração é regenerar a mata nas áreas degradadas e fazer com que o entorno da fazenda volte a ser completamente verde. Como sabem, temos mais de 120 hectares de mata secundária e pretendemos completar o resto com a exceção da área da casa, golfe e os 6 hectares de cana”, afirma Rafael Cunha Daló, sócio e diretor criativo da Pindorama, marca da cachaça artesanal produzida pela Almeida Braga no local.
O objetivo principal da restauração ecológica, com o incentivo financeiro do mercado de carbono, é aumentar a captura de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Isso também evita deslizamentos de terra, melhora a fertilidade e a absorção da água pelo solo. “A floresta não é só bonita. Ela tem uma função ecológica muito importante, que é dar segurança de recursos hídricos ao local.”
Mas recuperar grandes áreas também possibilita ganhos financeiros suficientes para custear a certificação dos créditos de carbono, vendidos para cobrir todos os custos e dar lucro aos proprietários rurais. As certificações dos créditos de CO2 são feitas por organismos independentes, que funcionam como intermediários entre o projeto emissor dos títulos e os interessados em investir neles. “Os investidores têm que ter a segurança de que o projeto foi validado”, explica.
No mercado voluntário de carbono, o governo não faz parte do processo. A certificação tem o papel de fiel da balança, para garantir que os créditos correspondem à efetiva captura de carbono durante todos os anos a que o projeto se refere.
Tecnologia transforma custo em lucro
A maioria das restaurações tradicionais ocorre por meio do plantio manual de mudas. Isso funciona muito bem, afirma Maitre, mas limita o tamanho da área plantada. “Nosso drone consegue fazer 50 hectares por dia, o que dá um salto de produtividade.”
O plantio manual também necessita de uma estrutura de viveiro, além de alguns meses para as mudas crescerem e depois serem plantadas uma a uma. “Nossa solução é um processo diferente e, é claro, permite superar algumas limitações existentes hoje no plantio manual de mudas.”
A restauração de ecossistemas visa recuperar áreas degradadas há mais tempo do que as que foram simplesmente desmatadas. No caso da Região Serrana do Rio de Janeiro, por exemplo, a maioria das terras degradadas no passado ocupadas pela Mata Atlântica é formada por pastagens abandonadas. Isso quer dizer que a terra foi “aberta” derrubando-se as árvores e ali foi plantado capim para alimentação do gado.
“O lado ruim, uma vez que não há mais gado, é que esse capim tem uma função alelopática: a raiz dessas espécies invasoras secreta uma substância química que impede a floresta de voltar a crescer naturalmente. Tanto que, se você abrir um corte na Floresta Amazônica ou da Mata Atlântica, por exemplo, e não fizer nada, depois de cinco, dez anos, a vegetação natural volta para o lugar dela. Mas se deixa entrar uma espécie invasora, como a braquiária ou o capim colonião, ela não deixa a vegetação se recuperar. Nosso trabalho é dar à natureza as condições de prosseguir com a sua sucessão natural.”
Regulação e recuperação de áreas públicas podem estimular mercado
A regulamentação do mercado de carbono brasileiro, prevista para este ano, deve ser um impulsionador desse mercado, com valorização também dos créditos vendidos no mercado voluntário.
“Meu palpite é que estamos em ascendência e sem freio. Já batemos no fundo do poço e a tendência é de valorização dos créditos do mercado voluntário”, que segundo ele estão em torno de US$25 a US$30 a unidade que corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono (CO2), em média, no mercado internacional. “Eu diria que cada vez mais estão se privilegiando créditos de qualidade no mercado voluntário. Os projetos de qualidade serão valorizados e esses preços aumentarão. Sinceramente, não diria que o céu é o limite, mas está abaixo do que pode valorizar.
Outro estímulo pode vir da recuperação de áreas públicas, como unidades de conservação, que em grande parte precisam ser restauradas. Entre os incentivos para isso estão os pagamentos por serviços ambientais, que é “legislado mas não efetivamente regulamentado ou efetivado na vida real”, opina.
“Acho que o Brasil está mudando e este ano a gente vai ter o marco de um mercado de carbono um pouco mais estruturado”, completa Maitre, referindo-se à aprovação do mercado regulado de carbono, em análise no Congresso Nacional.