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Força-tarefa propõe transição energética com os menores custos e maiores benefícios

Força-tarefa propõe transição energética com os menores custos e maiores benefícios

Investimento em biocombustíveis avançados aliados à tecnologia CCS, fim do desmatamento e mudanças no uso do solo são destaques, segundo a senior fellow do Cebri, Rafaela Guedes.

Mariza Louven

O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) está liderando uma força-tarefa para mapear os caminhos possíveis para a descarbonização do Brasil, com o máximo de benefícios e menores custos. Numa primeira etapa, o “Programa de Transição Energética” identificou a biomassa como a fonte de energia renovável com o maior potencial de ganhar mais participação na matriz energética, informa ao Carbon Report a senior fellow do Cebri, Rafaela Guedes. 

Durante dois anos, o “Programa de Transição Energética” definiu três principais cenários que, a partir de agora, serão desdobrados em caminhos ou roadmaps detalhados de como o Brasil pode chegar a emissões líquidas zero, o chamado net zero, em 2050, aproveitando benefícios e reduzindo custos. 

Para isso, a força-tarefa procura respostas a perguntas, como: Quais as trajetórias 2025/40 possíveis para que a transição energética brasileira atenda as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e o Brasil seja neutro em emissões até 2050? Quais os custos e oportunidades da transição energética para o país? Que setores serão mais impactados? Quais serão os impactos no Produto Interno Bruto (PIB) e na geração de empregos? 

O investimento em biocombustíveis avançados aliados à tecnologia de captura, transporte e armazenamento (Carbon Capture Storage – CCS), o fim do desmatamento e as mudanças no uso do solo estão entre os destaques de uma descarbonização à brasileira identificados pelo estudo. As soluções devem ser específicas para o país, “tropicalizadas”, afirma Guedes.

Com os incentivos que o país tem hoje, a rota do biocombustível é muito mais barata do que outras, como a do hidrogênio”, exemplifica a economista.

A ideia de que é necessária a total eletrificação da frota nacional de veículos, por exemplo, é questionada como a única saída para a descarbonização da mobilidade. 

“Tem que se levar em consideração a infraestrutura logística e toda a cadeia de produção, que inclui até a disponibilidade de minerais para produção das baterias. Não é que não se possa ter eletrificação, mas ela pode não ser adequada para tudo”, diz ela. 

Este é um exemplo de que os modelos adotados pela Europa ou pelos Estados Unidos, mercados sem tanto acesso ao biocombustível como o brasileiro, podem não ser os melhores aqui.

Descarbonização tropicalizada

Modelos importados podem não servir totalmente às necessidades brasileiras. A economista cita a expressão usada pelo secretário nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Tiago Barral, de que o caminho brasileiro passa pela “tropicalização”. Isso significa, por exemplo, mais investimento em biocombustíveis avançados.

“Há uma visão europeizada de que na transição energética todo o setor de transporte deve ser eletrificado. Isso não é necessariamente verdade para o Brasil. É essencial entender que, na geopolítica energética atual, a rota depende de fatores como disponibilidade de recursos hídricos, quantidade de sol, vento, petróleo, território amplo ou não e por aí vai. Para cada região do globo terrestre haverá um ótimo diferente, com vários caminhos”, complementa.

Mapa da mina

A primeira etapa do trabalho, que levou cerca de dois anos, já chegou a algumas conclusões, como a de que os biocombustíveis convencionais (etanol e biodiesel) devem responder pela maior parcela da expansão das energias renováveis do país até 2040. Já os biocombustíveis avançados, como o SAF (combustível sustentável de aviação), diesel verde, biogás, bionafta e biobunker (combustível para navios) terão aumento expressivo de participação a partir de 2040, principalmente, para atender à demanda dos segmentos de transporte aéreo, marítimo e de difícil descarbonização.

O setor de transporte é um dos focos do estudo e exemplo da importância das soluções de descarbonização verde e amarelo. Neste segmento, o custo da adoção automática de modelos importados, como o de eletrificação veicular europeu ou americano, pode ser muito alto. 

Por isso, o estudo defende que os biocombustíveis devem ter um peso maior aqui, combinados com a alternativa elétrica. Esta solução tende a ser usada mais em nichos de mercado como os de automóveis de luxo e ônibus urbanos, ou combinada com o etanol em veículos híbridos.

A previsão é de as energias renováveis chegarem a uma participação superior a 70% na matriz energética brasileira, frente a 30% no mundo. A maior queda relativa será na utilização de combustíveis fósseis, com impacto sobre a indústria de óleo e gás. Hoje, as energias renováveis representam 50% da matriz energética brasileira.

O futuro do gás natural

Outra tendência é de o Brasil usar menos gás natural, um combustível de origem fóssil, para gerar energia no setor elétrico. É provável que o gás natural seja mais deslocado para a indústria, prevê o estudo. 

O problema da intermitência no fornecimento das energias renováveis é considerado, mas minimizado no caso brasileiro. “No Norte e no Nordeste, quando não está ventando tem sol e quando não tem sol está ventando. Um vai compensando o outro”, diz ela. É diferente da realidade do Mar do Norte europeu, por exemplo.

Como se dará o salto das renováveis? Pelo esperado e provável desenvolvimento de tecnologias que possibilitarão a produção em grande escala de baterias com preço mais baixo e maior capacidade de armazenamento de energia. 

Hidrogênio não deve ser o carro-chefe

O hidrogênio (H2), tão aclamado em outras partes do mundo, no Brasil talvez seja uma alternativa mais viável para exportação. Aqui, o H2 pode ser produzido a partir de diversas fontes de energia, como eletricidade, gás natural, biomassa, e ter destaque em sua aplicação na produção de gás de síntese para biocombustíveis avançados. 

“Fala-se muito em hidrogênio, uhuh! Mas para quem consumir? E a que preço?”, questiona Guedes. “Não recomendamos lock-in tecnológico. Não me venham com essa história de que só serve hidrogênio verde. Tem que deixar as tecnologias concorrerem. Pode ter também hidrogênio azul”, assinala.

A diferença do h2 verde para o azul é que a fonte energética do primeiro é a água e a do segundo é o petróleo. Na produção do H2 azul, quando o carbono é capturado e juntado ao oxigênio, por meio de um processo químico, vira CO2, que pode ser capturado e armazenado (CCS) ou ter diversas finalidades, como uso na indústria de alimentos ou farmacêutica. 

O H2 azul é tão puro quanto o verde, explica Guedes. Só que o verde vem da eletrólise da água, com o uso de energia solar ou eólica. Sua produção depende de resiliência hídrica: “Existe um arco-íris de opções de hidrogênio, porque tem várias formas de quebrar as moléculas para chegar ao hidrogênio puro”, acrescenta.

Que tipo de H2 será economicamente mais viável para o Brasi? Dependerá das políticas públicas e do arcabouço legal, como por exemplo os incentivos fiscais na cadeia produtiva.

Transição energética, sozinha, não basta

A indústria contribui para as emissões totais de gases de efeito estufa do país, tanto pela queima de combustíveis fósseis quanto por seus próprios processos produtivos. Entre os setores carbono intensivos, em que a descarbonização é um grande desafio, estão os de metalurgia e cimento.

Outra questão é como atender à ampliação da demanda por energia para uso residencial. O Brasil é um país emergente, onde o consumo de equipamentos elétricos continuará aumentando, impulsionado pela expansão da renda, da telefonia móvel e da internet. Entre os desafios da transição energética no país estão conciliar a tendência de crescimento da demanda com a sustentabilidade.

No entanto, diferente de outros lugares do mundo onde a maioria das emissões de gases de efeito estufa é proveniente do uso de combustíveis fósseis, no Brasil o grosso vem do desmatamento e do mau uso do solo. Resumindo: aqui, a transição energética, sozinha, não basta.

“O modelo mostrou que o Brasil pode fazer o que quiser, usar a tecnologia que quiser, encher o mercado de fontes renováveis, mas, ainda assim, não vai chegar à neutralidade de carbono se não zerar o desmatamento ilegal até 2030”, destaca.

Se a solução não passa só pela transição energética, será necessária uma maior articulação com os demais setores econômicos. Caso isso não aconteça, prevê a economista, a conta ficará mais cara. Por isso, o combate ao desmatamento é considerado um problema de todos.

Força-tarefa da descarbonização

O estudo reuniu uma verdadeira força-tarefa com representantes do governo, de empresas privadas, de organizações não governamentais, de instituições estrangerias e do setor acadêmico. Estão representados vários ministérios, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Agência Internacional de Energia e entidades empresariais, como a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Essas entidades participaram do seminário realizado em setembro pelo Cebri, em Brasília, para apresentação da primeira etapa do trabalho.

“A originalidade da proposta é juntar stakeholders com perspectivas diferentes para tratar das mudanças climáticas com foco na realidade brasileira”, opina Guedes. 

O objetivo principal dos roadmaps é auxiliar os tomadores de decisão na adoção de políticas capazes de levar a um maior crescimento do PIB, da geração de empregos e de desenvolvimento social, a um custo suportável. 

“Não vamos dizer qual é o melhor caminho, mas apontar as possibilidades mais promissoras: se o país incentivar essa ou aquela rota, terá esses e aqueles impactos no PIB, na balança comercial e na geração de empregos”, detalha.

Segundo Guedes, é fundamental mostrar que, em alguns cenários, “apostar numa determinada indústria pode resultar na criação de novos postos de trabalho e desenvolvimento socioeconômico. Isso, para o tomador de decisão ou para o deputado que precisa explicar ao seu eleitorado o que está acontecendo, é fundamental”, acrescenta. 

O estudo considera aspectos setoriais, disponibilidade de recursos naturais, tecnologias disponíveis ou promissoras e diferenças regionais do país.

Corrida de obstáculos

O Brasil apresentou as suas NDCs, no âmbito do Acordo de Paris, mas as visões de como percorrer o caminho até o net zero quase sempre seguem o modelo mental do Norte global. O que as promessas brasileiras significam, na prática, em termos de esforços dos setores envolvidos, sob uma ótica verdadeiramente nacional?

Aqui, a questão do uso do solo, por exemplo, é completamente diferente de outros lugares do mundo. Num país como o Brasil, em que a restrição orçamentária é grande, o olhar também tem que ser pelo ponto de vista do custo efetivo.

O Centro de Economia Energética e Ambiental (Cenergia), um laboratório integrado de pesquisa do Programa de Planejamento Energético da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi escolhido para liderar a construção quantitativa dos cenários por meio de modelagens computacionais avançadas que usam método de análise integrada considerando no modelo não só as emissões, mas também as principais questões nacionais, como usos do solo. “A função objetiva é olhar as restrições, as vantagens e as tecnologias disponíveis para chegar ao menor custo de transição”, reforça Guedes.

Cenários e custos

Para a Coppe rodar o modelo, foram estabelecidas premissas que passaram por uma etapa de divergências empregada na metodologia World Caffee. O objetivo era responder a perguntas-chave sobre quais são as grandes incertezas, pontos críticos e dúvidas. O passo seguinte foi buscar convergências. 

Esse processo resultou em três cenários. No primeiro, “Transição Brasil”, o modelo tinha que achar uma função ótima que levasse o país a atingir as suas NDCs e chegar ao net zero em 2050. É um olhar na direção do custo mais eficiente, que considera os compromissos assumidos pelo Brasil em termos de recursos, conhecimento e expectativas de custos. 

O segundo, “Transição alternativa” quer testar uma maior eletrificação no país. Para tanto, prevê algumas restrições como, por exemplo, restrição ao uso de CCS, restrições de disponibilidade de água, que reduziria a oferta de hidroeletricidade, dentre outras. Além de pressupor exportação de hidrogênio e entrada de mais energia nuclear por meio de Angra 3.

Já o terceiro, “Transição global”, considera rotas tecnológicas para o Brasil se inserir nas metas globais de limitar o aumento médio da temperatura do planeta a 1,5°C até 2100, em comparação com os níveis pré-industriais. “Quando você cria essas travas para o modelo, está dizendo: você vai procurar o menor custo, mas passando necessariamente por esse caminho aqui. O modelo vai te dar o menor custo a partir das premissas definidas.” 

Visão micro e regional

O que as empresas estão cobrando e será o foco da segunda etapa? A trajetória, ou seja, o que é preciso acontecer num prazo mais curto, de 2025 a 2040. A ideia é mostrar cases bem-sucedidos para gerar efeito multiplicador e, no final, apresentar as alternativas para o governo e o setor privado.

“Vamos separar grandes macrotemas, como óleo e gás, setor elétrico, tecnologias (notadamente, CCS), hidrogênio, eólica offshore, minerais críticos e setor de transporte. É uma visão mais micro. Ao fazer isso, será possível divulgar para os diversos stakeholders o que é inviável em termos de competitividade, frente a outros mercados como o europeu e o americano; e o que é mais vantajoso para a inserção do país na cadeia de produção global. 

A pergunta é: como chegar mais rápido e no melhor custo-benefício? “Nesta etapa, esperamos contar com Universidade de São Paulo (USP), que vai rodar a matriz insumo-produto. Este trabalho consiste em usar os cenários (suas premissas) para entender qual será o impacto setorial e no PIB, na geração de empregos, na balança comercial etc.”, esclarece. 

De acordo com ela, as metas intermediárias serão importantes. “Para não ficarmos esperando pelo resultado final, serão divulgados os resultados preliminares à medida em que formos avançando com o trabalho. Num primeiro momento, pretendemos apresentar showcases setoriais de negócios voltados para a transição energética e que já estão dando certo, com informações sobre níveis de custos, investimento, desafios e oportunidades de replicação”. 

A economista acredita que a primeira etapa do “Programa de Transição Energética” já foi muito bem-sucedida, ao indicar tendências. “A EPE recepcionou os cenários e, a partir deles, saíram dez recomendações para políticas que estão sendo desenhadas e implementadas pelo Ministério das Minas e Energia recentemente”, comenta. 

Segundo Guedes, o trabalho cumpre, assim, o seu principal propósito. “Não queremos ser mais um cenário na multidão, mais um roadmap. O trabalho tem que servir para a tomada de decisão do governo, na implementação de políticas públicas e regulação, e, do setor privado, na decisão de investimento consistente no Brasil. Só assim seremos bem-sucedidos fomentando desenvolvimento socioeconômico no país.”