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Taxonomia sustentável prevista para 2026 ajudará a diminuir greenwashing e ações judiciais

Taxonomia sustentável prevista para 2026 ajudará a diminuir greenwashing e ações judiciais

A litigância climática é real e tende a aumentar, afirma ao Carbon Report a advogada Mariana Níquel, do Souto Correa Advogados

18 de dezembro de 2023

Mariza Louven

A advogada Mariana Níquel, do Souto Correa Advogados, tem lidado com um número crescente de ações judiciais questionando bancos e empresas por compromissos de descarbonização não cumpridos, também chamados de greenwashing ou propaganda enganosa. Na avaliação dela, a tendência é de a litigância climática continuar crescendo e diminuir com a taxonomia sustentável, que está em construção no Brasil, mas só deve entrar em vigor em 2026.

Mariana Níquel, do Souto e Correa Advogados

“Faço bastante auditoria para o mercado de capitais e a taxonomia é super relevante, especialmente para evitar os riscos de greenwashing, para que o investidor conheça se está aportando o seu capital em um projeto que busca uma economia verde, uma transição energética de fato, uma mudança nas questões do clima.”

As discussões sobre a taxonomia são uma tendência para o próximo ano, acrescenta. Isso vai trazer mais transparência para os mercados financeiro e de capitais. O que créditos de carbono também continua às voltas com muitos questionamentos. Em entrevista ao Carbon Report, Mariana fala sobre as tendências para 2024 com a visão de quem está com “a mão na massa.”

“A gente tem visto atores variados como parte ativa nessas ações chamadas de litigância climática. Podem ser tanto entidades da sociedade civil, do terceiro setor, ONGs, órgãos públicos, associação, reunião de consumidores, reunião de jovens ou até crianças de terminada região. Enfim, já teve um pouco de tudo”, diz ela, se referindo a processos registrados em todo o mundo e que também aumentam em quantidade aqui. “É mais comum fora do Brasil, especialmente por causa do tipo de legislação e o que a legislação aceita em termos de responsabilidade civil, dano, impacto.”

O investidor é um dos que estão cobrando. Ele quer saber onde vai aportar o seu capital. “Está mais consciente, buscando transparência no direcionamento do seu capital. Não só os investidores, mas também dos consumidores.”

Os processos buscam a punição das empresas que assumem compromissos voluntários e não os cumprem. Falam que vão descarbonizar, mas estão designando os recursos para o dia a dia da operação ou investindo em combustíveis fósseis, exemplifica. Nesses casos, a empresa está indo contra aquilo que propôs.

“Por mais que sejam compromissos voluntários da companhia ou do banco, a partir do momento em que foram expostos para o público, se tornam regra e a empresa tem que se justificar por aquilo. Senão, é propaganda enganosa.”

Cobrança vale para atividades em toda a economia

A cobrança de um comportamento alinhado com os critérios ambiental, social e de governança (ESG) é dirigida não só para a indústria e o agronegócio, listados entre os segmentos que mais emitem gases de efeito estufa. Vale até para escritórios de advocacia como o Souto Correa. “Cada vez mais, recebo dos meus clientes um formulário com questionamentos sobre o ESG do escritório.”

Segundo ela, os clientes querem saber para decidir se contrata ou não os serviços. Existe interesse e, consequentemente, cobrança em cadeia, já que a economia está toda interligada.

“A gente vê muito isso no mercado de carbono, porque o mercado de carbono exige que você avalie as emissões de gases de efeito estufa do escopo 1, 2 e 3. Avaliar a cadeia de valor, que é o escopo 3, inclui até os escritórios de advocacia que uma empresa contrata.

No chamado escopo 3, são avaliadas as emissões da empresa em si, das fontes de energia que ela usa e de toda a cadeia de valor, que inclui clientes e fornecedores. E, como ela diz, o escopo 3 é sempre o escopo 1 de alguém. “O céu é o limite”, afirma.

Taxonomia brasileira

O Ministério da Fazenda iniciou em setembro deste ano o período de consulta pública para ouvir os interessados em enviar contribuições para a elaboração da Taxonomia Sustentável Brasileira, que é parte do Plano de Transformação Ecológica. O processo foi concluído em outubro e, em dezembro, durante a 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP 28), em Dubai, o Ministério da Fazenda apresentou o seu plano de ação para a construção do sistema de classificação das diferentes atividades econômicas, ativos financeiros e projetos de investimento sustentáveis.

O texto-base já foi submetido à consulta pública e teve a participação de ministérios, do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários. A proposta final deverá ser apresentada durante a COP30, prevista para começar em novembro de 2025, em Belém do Pará, mas as regras só devem passar a vigorar em janeiro de 2026.

A intenção da taxonomia é trazer uma transparência, principalmente para o mercado financeiro e de capitais, dizendo quais fundos, de fato, podem ser considerados verdes, por exemplo. Outra utilidade será mostrar que investimentos e aportes de capital estão sendo direcionados para empresas e projetos são realmente relacionados à melhoria da biodiversidade, redução de emissões, estoque de carbono.

As regras de classificação e medição permitirão identificar mais facilmente os projetos voltados a gerar benefícios e impactos positivos relacionados ao meio ambiente e ao combate às mudanças do clima. “É para deixar mais transparente quais produtos de prateleira de mercado podem ser considerados verdes ou não.”

Gargalos fundiários fragilizam mercado voluntário de CO2

Enquanto a taxonomia sustentável promete diminuir os casos de greenwashing, a regulamentação do mercado de carbono pode ajudar a melhorar a credibilidade dos créditos de CO2. “O mercado voluntário tem créditos de qualidade no Brasil”, afirma Níquel, mas ela reconhece que existe discussão a respeito de sua credibilidade.

A prática de greenwashing costuma ser apontada como uma das principais causas desses questionamentos, mas Níquel diz que, no Brasil, existem outras, como os gargalos fundiários. “Especialmente na região amazônica, muitas áreas são baseadas em posse ou oriundas de grilagem.”

“É bem complexo”, acrescenta, porque muitos créditos de carbono negociados no mercado voluntário são originados de projetos decorrentes de soluções baseadas na natureza e REDD +, que são esses de floresta em pé, enfim, localizados na Amazônia, que tem essa sensibilidade.”

Os projetos de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation – REDD +), que evitam o desmatamento ou utilizam práticas de gestão do solo na agricultura.

Na visão de Níquel, a discussão sobre a credibilidade faz parte de um mercado que está renascendo. “Vejo isso como muito positivo para que os créditos de carbono tenham cada vez mais credibilidade.”

A negociação de um percentual de créditos de CO2 gerados no mercado voluntário dentro do mercado regulado (prevista pelo projeto de lei ainda não aprovado no Brasil) também é vista como positiva. “Dentro do contexto do mercado regulado, de alguma forma, tem que ter um mecanismo que define que tipo de crédito de carbono do mercado voluntário vai poder ser utilizado dentro do mercado regulado. Não vão ser quaisquer créditos. Isso vai ter que ser bem desenhado.”

Mercado de carbono não é a única solução e sim a tecnologia

Para ela, o mercado de carbono, em si, não é a solução para combater as mudanças climáticas. É parte da solução, que é melhorar a tecnologia, reduzir as emissões na base, na origem.

“Tem muita evolução em termos de tecnologia, incentivos fiscais e financeiros. Acho que as áreas de pesquisa e desenvolvimento vão bombar nos próximos anos, porque os projetos precisam sair do papel. Tanto de hidrogênio verde quanto outros como eólicas offshore, se esses forem os melhores caminhos, assim como de estocagem de carbono no solo, que ainda não tem uma legislação totalmente aprovada no Brasil (o projeto de lei sobre captura, transporte e armazenamento de carbono (CCS) foi aprovado pelo Senado.

“Acho que mercado de carbono, bacana, muito bom, vamos melhorar a credibilidade dos créditos, mas investimentos em tecnologia e em expertise, em ciência, é muito relevante também”, opina.

Esta é uma agenda que depende de investimento e que deve ser puxada pelos governos, pelo setor privado, por todos os lados: “Tanto do setor público, do setor privado, do terceiro setor, enfim, é interesse de todos.”