carbonreport.com.br

Teste Conteúdo de Marca
teste

Teste Conteúdo de Marca

Além das recomendações para que a Câmara vote a matéria nos próximos dias, outro ponto comum foi a sugestão de que a lei brasileira mantenha ligação entre os mercados regulado e voluntário de CO2

28 de novembro de 2023

A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) do Congresso Nacional realizou, nesta terça-feira (28/11), uma nova audiência pública sobre a regulação do mercado de carbono no Brasil. Os participantes defenderam que a Câmara dos Deputados aprove o arcabouço legal nos próximos dias, durante o período em que está ocorrendo a Conferência do Clima da ONU, a COP28.

Segundo Mônica Sodré, CEO da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), diante da conferência que se aproxima, são pelo menos três recomendações ao Brasil: manter o prometido no Acordo de Paris e as suas metas; manter as ambições, que devem ser sempre progressivas; e aprovar o sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. “A aprovação, neste momento especial, dá uma sinalização ao mundo da capacidade do Brasil de transformar potencial em ação”, completou.

“Vamos torcer para a gente conseguir aprovar. O momento é muito propício para isso”, disse a deputada Flávia Morais (PDT-GO), autora do requerimento para a realização da audiência pública.

“A gente entende como muito importante essa aprovação. Seria incrível ter o nosso presidente Lula anunciando essa regulamentação na COP, em Dubai. Ele embarcou ontem. Então, a gente tem aqui um prazo apertado”, acrescentou Eduardo Brito Bastos, representante da Associação Brasileira do Agronegócio.

Além dos apelos para que a Câmara vote a matéria nos próximos dias, um ponto comum entre os participantes foi a recomendação de que a lei brasileira mantenha uma ligação entre os mercados regulado e voluntário de carbono. Os créditos gerados pelo comércio voluntário desses títulos de CO2 poderiam, assim, ser incorporados parcialmente ao comércio regulado.

Isso é particularmente interessante para o Brasil, explicou Natália Renteria, diretora de Assuntos Regulatórios da Biomas. “Temos uma floresta tropical como poucos países. E capacidade de projetos, de soluções baseadas na natureza (Nature-based solutions – NBS, na sigla em inglês). Manter a floresta em pé, recuperar a floresta e a agricultura de baixo carbono podem produzir créditos que entram por essa portinha através do mercado regulado”.

Segundo Renteria, essa “portinha” é muito especial. Para ela, é importante que se estabeleça essa interoperabilidade entre os dois mercados para valorizar o que a o Brasil tem de especial, que é o potencial de produção de créditos NBS.”

De acordo com Renteria, a interoperabilidade é muito importante porque quem vai comprar o nosso crédito NBS está lá fora. ‘É um mercado internacional e, pela legislação atual em discussão, é preciso que passe por essa portinha para poder ser exportado. O ponto de atenção é a definição da metodologia, que na visão dela pode criar um obstáculo à exportação desses créditos no futuro. Os projetos levam anos para ser implementados e, se em três anos a metodologia não for aceita para efeito de exportação dos certificados, isso é potencialmente um perigo para um país que tem as características do Brasil.

A reunião que durou mais de duas horas foi dividida em duas partes. A primeira, uma audiência destinada a debater a importância do mercado de carbono regulado como estratégia para a neutralização de gases de efeito estufa. A iniciativa foi da deputada Flávia Morais (PDT-GO). Além de Renteria, Sodré e Bastos, participaram também Caio Borges, gerente de Política Climática e Direito do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e Gabriela Savia, co-líder da Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura.

Mercado voluntário ainda não atingiu o seu potencial no mundo

Renteria lembrou que os mercados de carbono surgiram na “Era de Quioto”, como mecanismos de flexibilização, ou seja, instrumentos utilizados dentro da Convenção do Clima para facilitar que os países obrigados a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa,  pudessem realizar projetos em países que não tinham essa obrigação.

Segundo ela, isso mudou na chamada “Era de Paris”, em que nos encontramos agora: os mercados de carbono tiveram uma ressignificação. Além de mecanismos de flexibilização, passaram a ser também mecanismos de precificação do carbono nas economias nacionais. “Isso nos importa, porque atinge a maneira como estamos moldando a nossa regulação interna agora.”

Os mercados regulados são políticas públicas impositivas, disse ela, que têm como instrumento as chamadas permissões. Na proposta de lei brasileira (Projeto de Lei 412, aprovado pelo Senado e em discussão na Câmara), elas estão recebendo o nome de cotas negociadas entre os participantes.

Já o mercado voluntário nasce de compromissos livres entre empresas, que vão além da obrigação nacional. “Aqui a gente está falando de créditos de carbono vindos de projetos. O ativo é diferente e os objetivos desses mercados também são distintos”, explicou. “A gente não deve falar que um é melhor do que o outro. Eles são diferentes e têm objetivos diferentes.”

Renteria também explicou que o mercado regulado funciona em três níveis. A alocação dessas cotas, através de uma autoridade reguladora, é o guarda-chuva desse sistema. Esse órgão indica os setores regulados, determina o limite de emissões e como isso será distribuído.

O mercado regulado também tem “dois braços” operacionais: o reporte e o controle, que “não devem ser misturados”, acrescentou. Por uma questão de seriedade, quem aloca, e quem dá a distribuição tem que ser diferente de quem faz o controle.

Já o coração do mercado regulado é o sistema de comercialização: a fonte emissora, que está acima do limite que lhe foi atribuído por meio de licenças de emissão, busca quem ficou abaixo dos níveis de emissões. Essa é a lógica do mercado regulado.

Gap: em 2022, mercado regulado representou US$ 63 bilhões e o voluntário, US$1,3 bilhão

O mercado regulado já está em funcionamento em outras partes do mundo e cresceu nos últimos anos, especialmente de 2020 para cá. Segundo Renteria, isso é resultado dos compromissos (Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs) dos países. As NDCs estão levando à implementação dos mercados regulados, justamente para estabelecer uma política interna de precificação e de cumprimento dessas obrigações. Só em 2022, o mercado regulado representou US$63 bilhões no mundo. No voluntário, foram US$1,3 bilhão.

Segundo ela, essa diferença não significa que o voluntário é menos importante e sim que ele não chegou ao seu potencial. O regulado está mais desenvolvido e mais implementado atualmente no mundo.

A demanda por créditos de carbono no mundo pode chegar a 7,5 bilhões de créditos de carbono, mantido o ritmo atual, podendo ser maior. O cálculo é baseado nos compromissos já assumidos pelas empresas que se comprometeram com projetos de descarbonização. Renteria defendeu a importância, na legislação brasileira, de criar caminhos para que os dois mercados possam se desenvolver.

Apelo à aprovação na Câmara

Segundo Mônica Sodré, a mudança do clima é a agenda política do século XXI. “Existe uma expectativa e uma percepção de que chegou a hora do Brasil, porque somos uma potência verde. “No entanto, acho curiosa essa percepção para um país que já passou pelo ciclo do café, do ouro, da cana e, ainda assim, é um país em desenvolvimento. Quero dizer com essa fala que ninguém está condenado ao desenvolvimento. E a história do Brasil está aí pra mostrar que não estamos. Traduzir essa potência em resultados depende de ação e esta Casa hoje tem a chance de transformar potencial em ação.

Se a criação da legislação é complexa, a implementação também será. A partir do projeto que veio do Senado, existe uma base regulatória satisfatória. A experiência internacional mostra que a implementação ocorreu em fases. Exemplo disso é a União Europeia, que implementou o sistema de cap and trade em 2005 e, de lá para cá, reduziu em 45% as emissões de seus setores regulados. “Já estamos atrasados.”

Sodré defende que a legislação em discussão não limite a possibilidade de, no futuro, incluir o agronegócio entre os mercados regulados. Recomendou que a aprovação do mercado não represente um de futuro custos que prejudiquem a competitividade; e que o sistema seja economy-wide, com a entrada dos atores regulados feita em fases; e que as atividades primárias do agronegócio não tenham caráter exceção; que o mercado regulado seja complementar e conectado aos voluntários; que reconheça o mercados jurisdicionais, que já geram diversos resultados positivos ao país, como os estados do Acre e do Tocantins; que o arcabouço regulatório inclua uma governança participativa com os setores produtivo e privado, academia e sociedade civil.