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Enquanto os créditos florestais são escrutinados, peixes, mariscos e algas podem sair na frente das commodities

Enquanto os créditos florestais são escrutinados, peixes, mariscos e algas podem sair na frente das commodities

Paula Packer, da Embrapa Meio Ambiente, falou com o Carbon Report sobre o que está sendo feito para diminuir a pegada de carbono da produção de alimentos

Mariza Louven

O mercado voluntário de carbono brasileiro é baseado em créditos de reflorestamento, uma limitação que precisa ser superada se o país quiser atingir todo o seu potencial de gerar recursos para a descarbonização da economia. A agregação de títulos de carbono de setores como o agronegócio – um dos maiores emissores de gases de efeito estufa – a este comércio, porém, não deverá ocorrer rapidamente, segundo a chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Paula Packer.

Não pela ausência do agronegócio – com possível exceção para os grandes frigoríficos – do projeto de mercado regulado de carbono em elaboração no Ministério da Fazenda. O mapeamento do carbono nas cadeias produtivas do setor ainda está em curso, o que torna o processo de geração de créditos do agro mais lento.

“É mais fácil um mercado de carbono baseado na proteína do peixe, mariscos, ostras e algas do que em commodities como soja e milho”, opina Packer.

“Hoje, o mercado de carbono é baseado no REDD+, que é plantar floresta. Como as outras cadeias produtivas vão participar desse comércio, ainda é um processo que está sendo desenhado. O mais importante é ter o que a gente chama de MRV: medida, reporte e verificação, senão não anda”, diz ela.

O REDD+ é um mecanismo projetado para utilizar incentivos de mercado e financeiros visando a redução das emissões de gases do efeito estufa oriundos da degradação das florestas e do desmatamento. A qualidade desses títulos algumas vezes é questionada, assim como a adicionalidade representada por parte deles em termos de sequestro de carbono.

Deverá levar tempo para o mercado de carbono de atividades agropecuárias se estabelecer porque é preciso, primeiro, definir os indicadores que serão usados, afirma Packer. Já existe uma gama deles, mas falta saber quanto carbono pode ser estocado dentro de cada cultura.

Os estudos sobre a soja são os mais avançados. Na opinião dela, em um ou dois anos será possível saber se existirá um mercado de créditos de carbono negociáveis em bolsas de valores equivalente ao que hoje é baseado em REDD+. Mas mesmo que isso não aconteça, deverá ocorrer a valoração de produtos oriundos de sistemas que evitam a emissão de carbono.

Em entrevista ao Carbon Report, a engenheira agrônoma falou sobre a perspectiva de descarbonização do agronegócio brasileiro e o que está sendo feito nos setores público e privado para o mapeamento do carbono das cadeias produtivas.

Os créditos de carbono do agronegócio

“Há mais ou menos uns 15 anos, quando começou a se a falar em mercado de carbono, foi um auê e o assunto simplesmente derreteu, porque não havia parâmetros. Hoje, estamos numa maturidade um pouco maior, em que a gente vai fazer isso porque precisa: esse é um mercado que vai financiar a possibilidade de estocar mais carbono e de deixar de emitir mais carbono”, prevê.

Mercado do peixe

Enquanto o carbono é mapeado no agro, o cultivo de peixes (aquicultura), mariscos, ostras e algas promete ser uma alternativa mais rápida de gerar um comércio rentável de créditos.

“Faz uns seis anos que bato nessa tecla. Medir a pegada de carbono da aquicultura é uma necessidade, porque o setor está crescendo muito”, afirma Packer. Segundo ela, o Brasil ainda não tem essas informações oficialmente, mas é sabido, com base em estudos realizados em outros países, que as emissões da aquicultura são muito menores do que as de cadeias tradicionais como grãos.

O Brasil vai iniciar agora a mensuração das emissões da cadeia de proteína do peixe. Aqui, como em outros países, deverá ser comprovada a menor intensidade de CO2 nesse setor, informa Packer.

No fim deste mês, será realizado o I Encontro Nacional sobre Descarbonização da Aquicultura, um kick off do projeto com os stakeholders dessa cadeia de produção. Num segundo momento, diz ela, deverá ser calculada a pegada de carbono da malacocultura – cultivo de mariscos, ostras e algas, que tem grande potencial de estocar carbono.

Peixes, ostras e mariscos não são tão presentes na mesa dos brasileiros de partes do país quanto a proteína bovina ou suína, mas isso está mudando. Em alguns locais, são a base da alimentação.

Participação no consumo percapta

A aquicultura nacional vem ganhando mercado no Brasil e já é a principal origem do peixe consumido por pessoa (per capita), segundo a plataforma Seafood Brasil. Em 2021, chegou a 41,5% do total, frente a 32,4% de participação do pescado (extraído da natureza) e de 26,2% do produto importado.

“Acabei de voltar do Pará, onde 90% da alimentação é baseada no peixe. E com todo esse input de comida japonesa, o consumo está aumentando no país”, observa. A produção de algas também está “pulando”, destaca a brasileira selecionada este ano para atuar como assessora técnica da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

A FAO selecionou 72 especialistas em todo o mundo para compor grupos de trabalho sobre “Abordagens da Bioeconomia Circular” e “Serviços Ecossistêmicos”. Desse total, cinco são brasileiros, sendo dois da Embrapa. Packer atuará no grupo de biodiversidade, com foco na pecuária. O objetivo da FAO é produzir diretrizes que serão apresentadas aos países no início de 2024.

Pegada brasileira de carbono

Existem diversas iniciativas em curso para a medição da pegada de carbono do país e avaliação das políticas necessárias para a descarbonização da economia. Algumas delas, por meio de parcerias público-privadas.

A principal é o quinto Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa, lançado em maio deste ano pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Fundo Global do Meio Ambiente (GEF), Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O trabalho vai permitir que o Brasil apresente, em 2024, o primeiro Relatório de Transparência Bienal (BTR, na sigla em inglês), de acordo com as regras do Acordo de Paris.

O documento relatará, entre outros aspectos, o progresso de implementação e atingimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, compromisso assumido voluntariamente pelo país para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa no âmbito do Acordo de Paris. São considerados os setores de energia; processos industriais e uso de produtos; agropecuária; uso da terra, mudança do uso da terra e florestas; e resíduos.

Enquanto essas atualizações são esperadas, segundo Packer, os dados oficiais disponíveis mostram que 30% das emissões do Brasil, em 2016, eram relacionadas às mudanças no uso da terra, provocadas principalmente pelo desmatamento; 30% à agricultura e 30% à produção de energia. “Isso quer dizer que a nossa distribuição de emissões é muito diferente de qualquer outro país”, analisa.

Desde 2016, ONGs que trabalham com a mesma metodologia para ter dados mais atualizados passaram a dar uma ideia melhor da realidade. As projeções para 2021 são de que 50% das emissões brasileiras decorrem das mudanças no uso da terra. “É fácil deduzir por que isso aconteceu. O desmatamento aumentou nos últimos anos”, sintetiza Packer. Já as emissões do setor de energia diminuíram, porque o Brasil está com uma matriz energética muito mais limpa do que em 2016. Na agropecuária, porém, nada mudou.

O que está acontecendo na prática

Em junho, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) lançou o Programa Nacional de Cadeias Agropecuárias Descarbonizadas – Carbono + Verde. Na primeira fase, a iniciativa prevê a concessão de um selo de conformidade (Selo Carbono + Verde) para cadeias primárias de produção agropecuária. Em uma segunda etapa, prevista para ser iniciada em 2024, serão chancelados os créditos de carbono (Créditos de Carbono Verde) originados no setor agropecuário.

O selo é aplicável a todos os tipos de propriedades e cadeias produtivas primárias, desde que atendam aos requisitos mínimos de habilitação e aos critérios pré-estabelecidos. Em seu primeiro ciclo, o programa priorizará 13 cadeias produtivas: açaí, algodão, arroz, borracha, cacau, café, pecuária de corte, erva-mate, leite, milho, soja, trigo e uva. A perspectiva do governo é de que haja demanda por outros produtos, cujas cadeias já possuem iniciativas voltadas para a sustentabilidade e mitigação de carbono, como noz-pecã, amendoim e madeira.

A iniciativa Carbono + Verde dialoga com outras políticas públicas, em especial com o Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+ 2020/2030) que, ao estimular o uso de sistemas de produção e tecnologias de baixa emissão de carbono, tornou-se o principal instrumento indutor da agenda climática brasileira para o setor agropecuário.

O que o setor privado está fazendo

O setor privado tem participado de iniciativas como o Pro Carbono, uma parceria da Embrapa com a Bayer. Este projeto vai mapear três cadeias: soja, milho e cana. “É um estudo grande de mapeamento de solo, com potencial de melhorar a metodologia para a análise de carbono, o que não é nada fácil de fazer, mas necessário para mensurar o estoque de carbono que está ficando no solo”, explica Packer.

Segundo ela, o Pro Carbono será importante para definir o mercado de carbono da agricultura, assim como o programa Soja Baixo Carbono. Esta é uma iniciativa da Embrapa que também conta com o apoio da Bayer, Bunge, Cargill, Coamo, Cocamar, GDM e UPL. O objetivo é metrificar o carbono na cadeia da soja e criar um selo de baixo carbono para o setor, com base na análise de ciclo de vida do produto.

O Programa Soja Baixo Carbono está avançando para a fase de proposição das diretrizes do protocolo que irá atestar a sustentabilidade da produção de soja brasileira. O selo Soja Baixo Carbono será concedido a sistemas de produção que adotem tecnologias e práticas que reduzam a intensidade de emissões. Ainda no primeiro semestre de 2023, serão concluídas as diretrizes da metodologia, que começará a ser validada na safra 2023/24, processo que continuará por mais duas safras.

A Embrapa Meio Ambiente atua, ainda, em colaboração com o setor privado, na AgNest, um hub de inovação no formato farm lab em que a interação entre startups, empresas e outros agentes visa propiciar o surgimento de ideias e inovações. É um ambiente para testar tecnologias e fazer networking, capaz de conectar o universo da ciência e os mercados. “As startups são totalmente disruptivas. A ideia é fazer o link entre a pesquisa e a tecnologia e colocar no mercado produtos diferentes”, acrescenta Packer.

No início deste ano, a Embrapa divulgou o resultado do edital por meio do qual foram selecionadas as empresas parceiras do empreendimento. Bayer, Banco do Brasil, Nutrien Soluções Agrícolas e Máquinas Agrícolas Jacto vão compor o comitê gestor da iniciativa.