Projetos apoiados pela iniciativa “Amazônia em Casa, Floresta em Pé” poderão contar com redução de tarifa da Latam e da Azul Cargo para reduzir custo de transporte
Mariza Louven
Levar produtos da floresta para os grandes mercados exige muito mais do que recursos financeiros. Logística cara, burocracia e desinformação estão entre os maiores desafios, segundo a coordenadora operacional do “Amazônia em Casa, Floresta em Pé”, Mariana Parra. O projeto apoia negócios comprometidos em manter a floresta, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a geração de renda local.
O leque de atuação do “Amazônia em Casa, Floresta em Pé” é amplo. Vai da negociação de tarifas especiais – em curso com a Latam e a Azul Cago – para transporte de produtos por via aérea a ajudar os empreendimentos da sociobiodiversidade a transpor regras aduaneiras do exigente mercado europeu.
No ciclo iniciado em 2022 e concluído no início de 2023, a iniciativa apoiou 33 negócios que geraram quase R$ 1,4 milhão em vendas. Com base em dados autodeclaratórios, ou seja, fornecidos pelos empreendedores, a estimativa é de que tenham sido mantidos e conservados 14 mil hectares de Floresta Amazônica e 398 famílias impactadas positivamente. Este ano, serão 50 empreendimentos, com expectativa de faturamento de R$ 3 milhões.
Do portfólio de 33 marcas apoiadas em 2022, 14 exportam ou estão se movimentando para isso. Algumas já vendem diretamente, outras por meio de plataformas como a Amazon, ou estão homologando algum market place da Europa, comenta a coordenadora comercial do projeto, Laís Bombonatte. Há também as que estão prontas, mas ainda não conseguiram atravessar o oceano. “A maioria, porém, muitas vezes nem sabe por onde começar”, acrescenta.
A marca Jambuzera, de cachaça de jambu, por exemplo, vende para Portugal. Mas para outros países da União Europeia, precisa de validação no equivalente local à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) brasileira, o que dificulta. “Cada ‘Anvisa’ tem o seu processo e o seu custo, o que às vezes torna o cumprimento de todas as etapas necessárias para a homologação um impeditivo, afirma Bombonatte.
Entre as que já exportam para os EUA e a França estão a Soul Brasil Cuisine e a Manioca. A primeira acaba de fechar uma parceria com a Swift para fazer a marca própria do molho de pimenta da empresa, pertencente ao grupo JBS.
O problema da logística
O plano de logística do “Amazônia em Casa, Floresta em Pé” apoia os negócios no envio dos produtos para os eventos no Brasil e no exterior – fundamentais para a divulgação das marcas e realização de vendas.
“É um desafio bem grande, esse da logística. Estamos desenhando duas parcerias fortes com a Latam e a Azul Cargo, para trazer benefícios e preços especiais de transporte”, afirma Parra.
As parcerias com a Azul e a Latam estão sendo discutidas desde o ano passado. “Estamos prestes a bater o martelo. Tentamos um desconto na tarifa de envio. A meta era reduzir em 50% o custo logístico”, detalha Parra.
A Azul tem uma proposta de diminuir em até 80% o custo de envio para algumas localidades, dependendo da origem e da tabela de destinos de sua malha viária, acrescenta Bombonatte.
Segundo ela, nem todas as marcas serão contempladas, o que dependerá da localização de cada uma.
“A matemática de redução de custo da Latam é um pouco diferente da Azul, mas a empresa também tem uma tabela especial para negócios de impacto, de maneira a facilitar o envio aéreo em vez do terrestre. Devido à distância, isso é algo que impacta o crescimento das marcas, assinala Bombonatte.
Semana da Amazônia em Berlim
Os produtos da Amazônia são cada vez mais desejados em alguns mercados de alto poder aquisito sensíveis à problemática do desmatamento. Este ano, os projetos apoiados terão a oportunidade de expor na Semana da Amazônia (Amazonas Woche), uma série de eventos sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia, prevista para acontecer entre 11 e 15 de setembro, em Berlim. O rastreamento de produtos, para evitar que sejam originados de áreas desmatadas, é um dos temas que serão tratados.
“O que sabemos é que alguns itens como castanhas, por exemplo, se chegam lá com casca, são tratados de uma forma. A castanha beneficiada, pronta para o consumo, é sujeita a outra legislação. Isso porque o produto sem beneficiamento, mais barato, é transacionado no mercado negro, de grileiros”, comenta Bombonatte.
Na visão dela, a exigência do rastreio, em debate na União Europeia, é uma tentativa de amarrar uma forma de comércio justo e garantir a origem. O produto beneficiado pode ser rastreado.
“Esta é uma tendência de toda a União Europeia: começar a fechar a porta de entrada para produtos que possam ter origem em áreas desmatadas. É uma inciativa super válida para evitar essa exploração velada, que todos sabem que existe, mas não se consegue rastrear. Por outro lado, dificulta e torna o processo mais lento”, acrescenta.
Objetos de desejo
Parece simples vender para um mercado onde o produto já é “objeto de desejo”. No entanto, apesar do potencial das marcas da sociobiodiversidade brasileira, existem questões burocráticas que dificultam muito, como a nomenclatura utilizada pelos países para tributar cada item que ingressa em seu território.
A Alemanha, por exemplo, é um dos países da União Europeia mais criteriosos e cuidadosos quanto à importação de produtos alimentícios, principalmente. Por isso, entrar lá é complicado.
Um exemplo é o relacionado à Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), um sistema regional para categorização de mercadorias adotado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, utilizado nas operações de comércio exterior. O NCM adota códigos de oito dígitos, seis deles considerados universais, e dois específicos. São informações que definem a mercadoria e sua classificação fiscal, para efeito das alíquotas de impostos aplicadas no comércio exterior e tributos internos.
Na Alemanha são usados dez dígitos, o que cria problemas para os produtos brasileiros, informa Bombonatte: “Quando a gente chega na Alfândega, tem que preencher outros dados, como a tabela nutricional do produto. No caso do chocolate, por exemplo, precisamos informar quanta gordura tem no leite, quanto açúcar etc. Isso serve para preencher os outros dígitos não existem no código brasileiro. Se temos que fazer isso na chegada, para as 33 marcas, ficamos meio perdidos”, diz ela.
A solução para o problema é ter as informações necessárias para preencher a numeração, mas isso precisa ser feito com base em documentações. Se o produto é orgânico, exigem um laudo válido para a União Europeia, que é diferente do documento usado no Brasil, por exemplo. “Estamos olhando como ajudar”, acrescenta Parra.
Manter a floresta em pé para descarbonizar
O “Amazônia em Casa, Floresta em Pé” é uma realização de Climate Ventures, AMAZ Aceleradora de Impacto e Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Idesam); correalizado por Fundo Vale, Instituto Clima e Sociedade (iCS) e CLUA; e tem apoio de GIZ, Fundo JBS Pela Amazônia, Mercado Livre, Mercado Pago e Humanize.
Uma maneira de manter a floresta em pé é fortalecer empreendimentos de impacto da sociobiodiversidade, com um olhar especial para os de base comunitária, que são associações de povos tradicionais, assegura Parra: “Buscamos negócios de impacto que tenham o propósito de beneficiar famílias e populações que se proponham a manter a floresta em pé.”
O projeto nasceu em 2020, como um protótipo no LAB Amazônia, e iniciou sua operação com sete marcas. Em 2021, ganhou mais recursos captados pela Climate Ventures, AMAZ e o Idesam. Isso possibilitou o apoio a 33 projetos no ano ciclo 2022. Em 2023, foi realizada uma chamada pública com o objetivo de apoiar até 50 negócios. Das 95 inscrições, 50 foram selecionadas. O ciclo 2023 começou em maio e vai até maio de 2024.
“Fizemos duas campanhas grandes de vendas e awareness para divulgação das marcas e participamos de nove feiras”, informa Parra. “Nosso programa de impulsionamento para este ano foi muito baseado no levantamento das principais dores desses negócios, ou seja, em que eles precisavam ser capacitados. Incluímos temas de gestão, awareness, vendas e retenção de clientes”.
O projeto inclui aulas, mentorias e workshops. “Tudo o que a gente faz por eles é com o objetivo de alavancar vendas, para se desenvolverem e terem mais impacto na ponta”, acrescenta Parra.
Foto: Amazonas Woche/Gleeson Paulino