carbonreport.com.br

Futuro Florestal negocia aporte de R$ 250 milhões com plataforma de carbono holandesa

Futuro Florestal negocia aporte de R$ 250 milhões com plataforma de carbono holandesa

Disponibilidade de recursos internacionais contrasta com oferta restrita até no BNDES, Fundo Clima e Plano ABC para projetos de longa maturação de pequenos e médios produtores

Mariza Louven

Está aberta a caça aos projetos agroflorestais do tipo florestamento, reflorestamento e revegetação (Afforestation, Reforestation and Revegetation – ARR). Esses empreendimentos visam a implementação de uma simples restauração ecológica até a produção de florestas e agroflorestas para colheita da madeira ao longo de 40 anos, combinada à produção de alimentos no médio e curto prazo, tendo ainda o plus de gerar créditos de carbono.

Dinheiro para os chamados projetos ARR não falta no mundo, segundo Rodrigo Ciriello, diretor da Futuro Florestal, uma empresa brasileira que está negociando um aporte de R$ 250 milhões com uma plataforma holandesa de projetos de carbono.

Os recursos deverão ser destinados à restauração de uma área degradada de 10 mil hectares, usando modelos produtivos de silvicultura mista e agrofloresta com espécies nativas e exóticas. A expectativa é faturar R$ 400 mil a R$ 1 milhão por hectare – dependendo das espécies plantadas entre as árvores – com as colheitas de ciclo curto, enquanto as árvores crescem e compensam o equivalente a 2,5 milhões de toneladas de carbono no período.

Rodrigo Ciriello, diretor da Futuro Florestal,

“O carbono é a cereja do bolo. Pode render entre US$ 37,5 milhões a US$ 125 milhões”, calcula Ciriello.

A plataforma holandesa cujo nome ainda não pode ser mencionado elegeu o Brasil como o país com o maior potencial para projetos ARR. Para viabilizá-los, reuniu possíveis investidores americanos e europeus que dispõem de recursos para dar escala a essas iniciativas. Entre elas está um fundo com US$ 5,6 bilhões sob gestão.

“Grandes empresas de carbono como a Carbonext, Moss Carbon Credit (MCO2) e Future Carbon estão captando recursos no mercado internacional e trazendo projetos para o Brasil. Isso está bombando”, assegura Ciriello. “Todo mundo quer fazer reflorestamento e restauração com viés produtivo e ainda gerar créditos de carbono: produzir madeira e produtos não madeireiros tendo o carbono como moeda forte.”

A ideia da plataforma holandesa é entrar no capital social (private equity) e não apenas conceder financiamento, o grande problema desses projetos com longo prazo de maturação, especialmente para os pequenos e médios produtores. Os investidores reunidos pela iniciativa dão preferência à compra da terra, que será feita pela Futuro Florestal.

“Estamos prospectando áreas para comprar no Sul da Bahia e entrarmos no projeto como sócios terrenistas e executores”, acrescenta.

Abundância e escassez

Não faltam recursos internacionais para projetos ARR, afirma Ciriello, mas no Brasil o financiamento é escasso para o plantio de nativas, que têm ciclo longo de amadurecimento. O acesso de pequenos e médios empreendedores é difícil até em linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fundo Clima e Plano ABC.

Fala-se muito em reflorestar e recuperar áreas de solo degradado, maiores causas das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, mas na prática o país não está investindo nesses projetos. O dinheiro é ainda mais raro quando são necessários 20, 40 anos para uma floresta de espécies nativas crescer, ficar madura e ser plenamente explorada comercialmente. “O BNDES precisa dar recursos também para os pequenos e médios”, reclama.

O valor mínimo financiado pelo BNDES com recursos do Fundo Clima é de R$ 10 milhões no Subprograma Florestas Nativas. É dinheiro barato, com custo de 0,1% ao ano mais taxas. A linha de crédito pode ser acessada por meio de operação direta com valores inferiores, quando combinada com outros recursos do Banco, mas nisso nem sempre acontece na prática.

Valor mínimo alto e prazo insuficiente para a maturação dos projetos são os primeiros problemas, segundo Ciriello. Quem toma financiamento para manejo florestal sustentável, plantio florestal com espécies nativas e recomposição da cobertura vegetal com espécies nativas tem até 25 anos para pagar o financiamento do BNDES, com oito anos de carência. Mas o amadurecimento de uma floresta nativa não é igual à de eucalipto, que pode ser colhido depois de aproximadamente sete anos de plantado. “O produtor precisaria de, no mínimo 35 com 15 de carência”, diz ele.

A subdivisão do valor mínimo por agentes financeiros do BNDES também não deu certo: “Se o Banco do Brasil, por exemplo, pega esse valor e o subdivide em empréstimos menores, ótimo, mas o BB não quer ter em sua carteira um risco de no mínimo 25 anos”, explica.

Outro problema, ainda maior, é a garantia real, de 130% o valor do financiamento nos empréstimos do Fundo Clima. Num financiamento de R$ 10 milhões, a garantia precisa ser de R$ 13 milhões. “Isso torna esses recursos acessíveis só para grandes players como a Vale, Suzano, Klabin e outras corporações”, acrescenta.

Como chegar ao dinheiro?

Um dos caminhos, na opinião de Ciriello, é a Cédula de Produtor Rural Verde (CPR Verde), criada para estimular atividades de serviços ambientais relacionadas à conservação de florestas e recuperação da vegetação nativa que resultem em redução de emissões de gases de efeito estufa. Criada pela chamada Lei do Agro (Lei 13.986/2020), sua implementação ainda está “engatinhando”.

A CPR é um instrumento consolidado, criado pela Lei n. 8.929/1994, para que o produtor possa financiar a safra, recebendo valores financeiros e dando como garantia de pagamento o resultado futuro de sua produção. A propriedade rural também entra como lastro para o não pagamento do empréstimo ou não entrega da safra.

Em última instância, a propriedade rural é a garantia real. No entanto, segundo Ciriello, a CPR só funciona para commodities como cana e a soja. Faltam diretrizes que possibilitem o seu uso para produtos florestais e não florestais.

Caçadores de projetos

Como muitas propriedades rurais têm áreas de reserva legal que precisam ser regeneradas, a chamada restauração produtiva está em alta. E a Futuro Florestal aposta em sua expertise em silvicultura (ciência de restaurar e melhorar o povoamento nas florestas para atender às exigências do mercado) e agrossilvicultura (floresta combinada com agricultura) de espécies nativas e exóticas para ganhar mercado.

A empresa está envolvida em diversos projetos como o Verena, desenvolvido pela WRI Brasil em parceria com a Coalizão Brasil para desenvolver modelos econômicos de plantio florestal de espécies nativas. Indústrias como a Klabin, Suzano e Vale participam do grupo de apoiadores da Coalizão Brasil, que tem membros como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), BNDES, ONGs, entidades da sociedade civil e universidades.

Alguns desses grandes players investem recursos financeiros enquanto empresas como a Futuro Florestal entram com sua experiência. “Faço a coliderança da força-tarefa de silvicultura de nativas junto com Miguel Calmon, do World Resources Institute (WRI). Esta articulação já vem rendendo excelentes frutos, como a criação do Polo de Silvicultura de Nativas do Espírito Santo, que recebe apoio do governo estadual e entidades locais.”

A Futuro Florestal tem dois dos 12 cases selecionados pelo WRI para serem modelados economicamente: agrofloresta com palmito pupunha e madeira; e café e madeira. Essas combinações já estavam funcionando e gerando receita “intermediária” na empresa, por meio da venda do palmito e do café, além de subprodutos como sementes e mudas.

Desde que entrou no radar do WRI, a Futuro Florestal “foi para a vitrine de negócios e ficou visível para o mundo inteiro”. Com sede em Washington e representações em vários países do mundo, o WRI reúne investidores focados em projetos socioambientais.

Hoje, uma das limitações para os projetos ARR é a falta de histórico, ou seja, dados de quem já plantou, colheu e ganhou dinheiro, mas o carbono está fazendo a diferença: “O que mudou, de 2008 para cá, foi a moeda forte do carbono. O carbono entrou de uma forma muito pesada, a partir de 2019, impulsionado por agendas como a 20×20”, acrescenta.

Em 2014, oito países da América Latina e Caribe, se comprometeram a restaurar 20 milhões de hectares de áreas degradadas até 2020, numa preparação para o Acordo de Paris. O Brasil não aderiu de imediato a este compromisso, mas em 2016 declarou a intenção de restaurar, reflorestar e promover a recuperação natural de 12 milhões de hectares de florestas até 2030.

Apoio da Cargill à restauração de reservas legais

A Futuro Florestal também tem atuado em projetos de grandes empresas do agronegócio, como o Hub Agroambiental H2A, que é gerido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e tem a Eccon/Cargill como financiadora nesse primeiro momento. A meta é contribuir para a restauração de reservas legais e áreas protegidas que totalizem 100 mil hectares até 2027. O hub capta as áreas com necessidade de restauração e articula os executores.

Depois de uma auditoria, o Imaflora libera cerca de R$ 10.800,00 por hectare para a restauração, que custa de R$ 25 a 40 mil por hectare. A Cargill apoia os projetos com 25% a 40% do valor necessário e o restante tem que ser bancado pelos proprietários rurais. Em contrapartida, os créditos de carbono ficam com a Cargill.

Benefícios das nativas

A Futuro Florestal é referência no mercado nacional em plantio de espécies nativas em grandes áreas. Por seu histórico, sempre foi procurada para atuar como parceira de iniciativas que demandam escala.

Em 2008, chegou a ser pautada pelo Banco Sumitomo e pela Volkswagem para um grande projeto de geração de créditos de carbono, mas foi “atropelada” pela crise financeira internacional. No embalo do Protocolo de Quioto, os investimentos internacionais em carbono estavam decolando, mas acabaram na gaveta depois da crise dos subprimes.

“A Volkswagem tinha um projeto com a gente de plantar 30 mil hectares de florestas para o lançamento de um carro chamado na época de Polo Ecomotion, que já sairia com o seu consumo de carbono zerado. O banco Sumitomo chegou a trazer diversos investidores para visitarem a nossa fazenda, em Garça, São Paulo. Entre eles estavam o CEO da Mitsubishi e representantes de outras empresas japonesas que operavam no Brasil. Eram potenciais compradores dos créditos de carbono que queriam plantar árvores numa escala absurda”, recorda Ciriello.

Segundo ele, o plantio com mudas de espécies nativas faz o papel da descarbonização de maneira muito mais eficiente do que com madeiras de ciclos curtos, como o eucalipto. Mesmo que o objetivo seja o corte futuro, a manutenção das árvores por 20 a 40 anos num solo degradado recompõe o ambiente. Forma uma espécie de almofada de material orgânico com as folhas e galhos que caem e são transformados em serrapilheira composta de nutrientes, carbono e biodiversidade. A microfauna é riquíssima para o solo.

“Uma floresta dessas pode ter um manejo florestal sustentável, em que são retiradas as melhores árvores ao longo do processo e mantidas as que estão se desenvolvendo, para não deixar o solo exposto”. Neste período, podem ser cultivados alimentos como banana, cacau, açaí e outros, que garantem o sustento da propriedade até que a plantação principal começar a ser explorada comercialmente”. Tem ainda o ganho extra proporcionado pela geração de créditos de carbono.

Futuro Florestal

A Futuro Florestal nasceu da com o propósito principal de produzir madeira tropical brasileira de forma sustentável, para uso comercial. Sua origem está relacionada com a visão empreendedora de Pedro Ciriello, que em 2002 mobilizou os filhos para mudar o foco de produção da propriedade rural familiar, então dedicada ao café e à pecuária.

Com experiência no mercado financeiro, previdência privada e investimentos a longo prazo, o patriarca vislumbrou a possibilidade de alterar o uso do solo com o plantio de uma floresta nativa de guanandi. Esta é uma espécie de rápido crescimento comparado a outras árvores de madeira nobre. À família proprietária à época de uma empresa de seguros, pareceu natural continuar no ramo de investimento de longo prazo. Assim surgiu a Tropical Flora, que deu origem à Futuro Florestal.

O guanandi não cresceu tão rápido, nem rendeu o que era esperado, mas mudou para sempre o negócio. Por volta de 2006, a empresa decidiu adotar o sistema de plantio misto de madeiras nobres. Hoje, o mote principal da silvicultura é o plantio misto – mais ou menos o que ocorre na natureza, onde várias espécies são produzidas ao mesmo tempo – e não só madeireiro: resinas, óleos, essências, frutas e castanhas podem coexistir na mesma floresta e gerar renda.

Desde 2005, os membros da família passaram também a realizar palestras, workshops e cursos sobre silvicultura de nativas. “As árvores não foram cortadas até hoje”, diz ele. Nesse período, ocorreram apenas cortes intermediários ou desbastes seletivos.

O plantio exige, a partir do quarto ou quinto ano, a realização de um inventário florestal. Dependendo do resultado, é necessário eliminar 20%, 30%, 40% das árvores para reduzir a competição por água e nutrientes. Isso também permite a geração de renda com a venda da biomassa para carvão, lenha, cavaco, entre outros subprodutos madeireiros.

A Futuro Florestal foi criada em 2006, tendo seu viveiro com o foco principal para produzir mudas próprias e criar modelos produtivos com espécies tropicais nativas e exóticas de alto valor, além de montar uma equipe técnica de engenheiros agrônomos e florestais. Com as mudanças na legislação, esses modelos podem ser criados em áreas de reserva legal, que devem ocupar no mínimo 20% da área de uma propriedade rural, podendo chegar a 80% na Amazônia.