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Produtos neutros em carbono começam a chegar aos supermercados

Produtos neutros em carbono começam a chegar aos supermercados

Moeda com lastro em carbono está sendo gestada

Mariza Louven

Existe uma fila de mais de 150 agroindústrias do Brasil buscando certificação carbono neutro para seus produtos junto à Associação Brasileira de Rastreabilidade de Alimentos (Abrarastro). O maior interessado no selo é o setor de carnes, mas a lista é extensa e vai de laticínios ao açaí. O próximo passo é criar uma moeda com lastro em carbono, que deverá circular a partir de 2025.

O interesse reflete os bons resultados das primeiras certificações. Os produtos carbono zero estão, definitivamente, chegando às prateleiras dos supermercados, com estímulos para o agronegócio e os consumidores reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa.

A Abrarastro acaba de certificar o primeiro queijo artesanal brasileiro, o Vidalat, com um diferencial para a marca e para o consumidor. O selo não é, na verdade, só um selo. Ele vem com um QR Code acoplado, para rastreabilidade do produto e acesso uma calculadora que permite à pessoa compensar um pouco de sua pegada de carbono.

Fernando Baccarin, presidente da Abrarastro

“A fila de pedidos de certificação é um indicativo do crescente interesse do setor agropecuário em adotar práticas sustentáveis e reduzir sua pegada de carbono”, afirma o presidente da Abrarastro, Fernando Baccarin, em conversa com o Carbon Report.

O selo também possibilita a pequenas propriedades, que nunca teriam condições de fazer uma certificação internacional, receberem a chancela. Este é o caso da queijaria Vidalat, uma empresa familiar com 40 anos no mercado, que não teria como arcar com os custos.

A família Capra produz um queijo artesanal denominado colonial, no Paraná, o único desse tipo no país neutro em carbono. “O diferencial é ter o reconhecimento de uma associação brasileira sem fins lucrativos e não de uma empresa que simplesmente criou um CNPJ e deu a certificação”, dispara Baccarin.

O processo da Vidalat levou cerca de oito meses. Além de todos os passos técnicos, a anélise exige documentação e termo de confidencialidade, item adicionado para evitar que as empresas não façam propaganda antes da conclusão: “a gente leva isso bem a sério”, afirma Baccarin.

Problemas e soluções

A Abrarastro está sendo literalmente assediada por diversas empresas do agronegócio. O setor de carnes é o principal interessado, porque é lá que estão grandes questões a serem solucionadas. O gado produz um “pum” composto pelo metano, um dos mais poderosos gases de efeito estufa que, em excesso na atmosfera, contribui para o aquecimento da temperatura do planeta.

Baccarin defende a tese de que, se existe um problema, ele tem que ser resolvido: “é da natureza do animal emitir gases. Temos que resolver”, afirma o engenheiro agrônomo. Segundo ele, a Abrarastro está trabalhando com animais em larga escala – bovinos, ovinos e outros para encontrar a solução. “Tem um turbilhão de processos a serem feitos, mas queremos ir fundo e não só fazer marketing”, acrescenta.

Metodologia brasileira e internacional

A Abrarastro foi criada como entidade responsável pela rastreabilidade de alimentos e segurança alimentar no Brasil. Só recentemente começou a emitir certificações de créditos de carbono voluntários.

“Nos últimos anos, trabalhamos junto com as empresas, principalmente, a tecnologia e a padronização da rastreabilidade. Em alguns casos a rastreabilidade é normativa, ou seja, é obrigatória por lei. Passamos a pensar também a questão do carbono um pouco na contramão das metodologias internacionais” afirma.

Muitas vezes, segundo Baccarin, a metodologia da certificação internacional não se aplica à realidade brasileira. Os sistemas usados em outros países vieram para o Brasil, em geral, com foco na Amazônia. “O Brasil é muito grande e tem outros biomas. Por isso, passamos a trabalhar metodologias e criar um processo de certificação nacional alinhada com padrões internacionais”.

Segundo ele, são considerados os gases de efeito estufa dos escopos 1, 2 e 3 do GHG Protocol para todos os biomas, como Mata Atlântica, um dos mais devastados e que ficou “um pouco esquecido pelas metodologias internacionais”.

Tecnologia é fundamental na certificação

Junto com a Cresol, um banco cooperativo associado à entidade, foi criada a startup AgroCarbon 360, com o propósito de integrar áreas rurais que respeitam o meio ambiente e podem produzir créditos de carbono voluntários para venda através da certificação da Abrarastro.

A AgroCarbon 360 faz o trabalho técnico e as visitas in locu às propriedades candidatas ao selo. Segundo Baccarin, este é o grande diferencial da metodologia: ir à propriedade.

“Fazemos o trabalho por satélite, por tecnologia de índice de vegetação, um processo eletrônico. Entretanto, é fundamental ir ao local. Às vezes a propriedade tem uma vasta área de preservação permanente ou um reflorestamento legal, mas está queimando carvão, queimando lenha. Tecnicamente, nesses casos, está emitindo gases de efeito estufa”, explica.

Em 2022, o Banco Mundial visitou a sede da Cresol para conhecer o projeto, cujo destaque é a rastreabilidade. Este é um item previsto no Acordo de Paris e em outros tratados internacionais, com o objetivo de coibir o desmatamento ilegal e o descumprimento da legislação trabalhista e sanitária.

A rastreabilidade também é fundamental no mercado de carbono. “É uma dor de cabeça garantir que o comprador não está adquirindo um crédito de carbono que já foi vendido, ou que o vendedor está computando o crédito duas vezes”, assegura Baccarin.

Rastreabilidade também é uma exigência da União Europeia, como “corte de segurança”. Para enviar soja para lá, por exemplo, é preciso demonstrar, por satélite e por certificações, nos últimos cinco anos, que aquele produto não é oriundo de área de desmatamento. 

Baccarin tem conversado com diversos segmentos do agronegócio, como o de produção de feijão e arroz, para implementar um projeto de rastreabilidade nessas indústrias. Quem cuida hoje do processo de rastreamento do Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar), da Embrapa, é uma das empresas associadas à Abrarastro.

O selo é um combo

O selo disponibiliza ao consumidor um QR Code, em que é possível ver a pegada de carbono e neutralizá-la um pouco toda vez que um produto certificado for adquirido. A pessoa não precisa comprar créditos de carbono para isso. O consumidor tem apenas que informar o CPF na hora de fazer o cadastro e, cada vez que acessar o QR Code, compensar suas emissões.

A principal vantagem, segundo ele, é não precisar tirar dinheiro do bolso para adquirir um crédito de carbono, como propõem algumas empresas que já oferecem aos seus clientes a compensação de emissões por QR Code, como a Gol e o C6 Bank. Basta consumir produtos neutros em carbono.

O selo acaba sendo um diferencial de marketing das empresas na prateleira, embora este não seja o principal objetivo.

selo QR Code


Tokenização e moeda de carbono

O próximo passo é a tokenização, prevista para 2025: “vamos criar um gatilho na tokenização. Muitas empresas tentaram fazer moeda não deu certo. Um lastro muito bom é o carbono, diferente de boa parte das moedas digitais, que não têm lastro”, diz dele.

A moeda com lastro em carbono vai utilizar só o excedente dos créditos não comercializados num determinado ano para serem transformados em token. “Esse token vai ter um gatilho de segurança, para não gerar inflação.

Foto: Fernando Baccarin, presidente da Abrarastro