Empresas exportadoras para a União Europeia terão que passar a registar as emissões de carbono incorporadas a seus produtos. Cobrança efetiva do imposto sobre CO2 será iniciada em 2026
Mariza Louven
Hoje é um dia que alguns temiam e outros aguardavam para comemorar. Neste 1º de outubro de 2023, entrou em vigor o Mecanismo de Ajuste de Mercado de Carbono (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM), uma nova regra de taxação aduaneira de carbono agregado a produtos que entram na União Europeia.
A partir de agora, as empresas que exportam ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, hidrogênio e energia para o continente europeu começam a ter que registar as emissões de carbono incorporadas a seus produtos, num período de transição que vai até o fim de 2025. São consideradas as emissões em toda a cadeia de valor, incluindo o carbono associado à produção de eletricidade.
Por enquanto, os exportadores terão apenas que comunicar suas emissões de carbono, sem ainda pagar a taxa. De 2026 em diante é que o imposto sobre o carbono será efetivamente cobrado. Isso deve exigir mudanças ou ajustes na contabilidade das empresas.
Descarbonização e reserva de mercado
O CBAM é o instrumento utilizado pela União Europeia para atribuir um preço ao carbono emitido durante a produção de bens intensivos na emissão de gases de efeito estufa. A Europa alega que, assim, incentivará a produção industrial mais limpa e a descarbonização, um reforço no combate às mudanças climáticas.
A lógica é a de que atribuir um preço ao carbono importado evita que empresas europeias transfiram suas operações para países onde o preço da emissão de CO2 não é considerado. O CBAM garantiria, assim, que o valor do carbono das importações seja equivalente ao do carbono embutido na produção local europeia e que os objetivos climáticos da União Europeia não fossem prejudicados. A introdução gradual do CBAM está alinhada à eliminação progressiva das emissões prevista no Regime de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia.
Se para as metas de descarbonização da União Europeia o CEBAM é um marco, para países exportadores isso pode ser considerado uma penalização e um mecanismo para garantir reservas de mercado. Os países que exportam para a União Europeia devem, a partir de 2026, demonstrar que têm um preço de carbono equivalente ao europeu ou pagar para compensar a diferença.
“Essas regras têm uma dupla função de reduzir as emissões e de proteção comercial”, disse ao Carbon Report, no fim de agosto, a advogada especializada em negócios com a Europa, Camila Lefèvre, sócia do Vieira Rezende Advogados.
O tema também tem mobilizado o meio político. Em mais de uma ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos que criticaram o aumento das exigências ambientais europeias. Ele defende que os países ricos paguem pela conservação ambiental nas nações em desenvolvimento e mais vulneráveis às mudanças climáticas.
“Não foi o povo africano que poluiu o mundo. Não foi o latino-americano. Na verdade, quem poluiu o planeta nos últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e, por isso, têm que pagar a dívida histórica que têm com o planeta Terra”, afirmou Lula durante evento paralelo à cúpula de Paris, em junho deste ano. Esta foi uma das ocasiões em que o presidente repetiu o mantra de que é preciso garantir financiamento climático aos países em desenvolvimento e mais vulneráveis.
Recentemente, em palestra durante evento da CNI no Brasil, o economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia, também criticou a medida: Segundo ele, isso é uma nova forma de “protecionismo verde”, que poderá prejudicar as exportações de países como o Brasil. “Os países desenvolvidos estão dificultando a transição para as economias emergentes”, afirmou na ocasião.
Inicialmente, o CBAM abrange só alguns setores
Durante o período de transição, os importadores europeus são obrigados a apresentar trimestralmente um relatório CBAM que detalha a quantidade de produtos, o total de emissões incorporadas associadas a esses itens, se e quanto foi pago pelo carbono no país de origem. De 1º de janeiro de 2026 em diante, terão que entregar, até 31 de maio de cada ano, uma declaração CBAM relativa ao ano anterior.
As declarações precisarão conter informações sobre a quantidade total de produtos importados, o total de emissões incorporadas associadas a esses produtos e o cálculo do ajuste correspondente às emissões incorporadas e verificadas de forma independente. Os importadores da União Europeia afetados devem classificar as mercadorias importadas, de acordo com códigos aduaneiros da alfândega.
Impactos no Brasil
De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Superior de Desenvolvimento Sustentável (Condes) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o CBAM torna necessária a criação de um modelo de cálculo de emissões para cada produto brasileiro exportado para a União Europeia. A nova regra europeia é um novo fator de competitividade, já que produtos com menor pegada de CO2 serão economicamente mais atraentes para o importador europeu.
O CBAM considera tanto as emissões diretas, relacionadas diretamente ao processo produtivo, quanto as indiretas, provenientes da produção da eletricidade consumida nos processos de produção. Nisso, segundo a Fiesp e especialistas no tema, o Brasil pode ter uma grande vantagem competitiva, já que a matriz energética brasileira tem uma das maiores proporções de renováveis no mundo. Assim, o CBAM também tem sido visto como oportunidade de descarbonização em alguns setores industriais do Brasil, aproveitando as vantagens do país em termos de energias renováveis.
De acordo com o levantamento da Fiesp, de todas as exportações brasileiras em 2022, 15% tiveram como destino a União Europeia (US$ 50,9 bilhões) e os produtos que seriam afetados pelo CBAM representam 4% desse total (US$ 2,1 bilhões), especialmente ferro e aço.