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Laticínio vegetal Naveia investe no reflorestamento para garantir status ambiental

Laticínio vegetal Naveia investe no reflorestamento para garantir status ambiental


Mariza Louven

A Naveia captura mais gases de efeito estufa do que emite. É negativa em carbono, um estágio além do net zero, em que a soma do dióxido de carbono (CO2) liberado por uma atividade e o retirado da atmosfera é nula. Em entrevista ao Carbon Report, a cofundadora e CMO da empresa, Alexandra Soderberg (foto), fala sobre os planos de manter o status ambiental já conquistado, garantir a descarbonização futura e ajudar a revolucionar a produção de leite no Brasil.

Com presença comercial em todos os estados do país, a Naveia fatura cerca de R$ 2 milhões por mês e planeja estrear ainda este ano no exterior, o que deverá resultar numa expansão de 50% de sua produção. Para assegurar a posição carbono negativo em paralelo ao crescimento do negócio, a empresa investe na Floresta Naveia (foto), um projeto experimental situado próximo ao Parque Estadual de Ibitipoca, no Sul de Minas Gerais.

A Floresta Naveia sequestra e estoca CO2 em uma área de 220 hectares que até 2021 era degradada por pastagens. A ideia é criar um efeito cascata positivo para além da fria contabilidade de carbono, com a produção de alimentos no sistema de agrofloresta e possibilidade de transformação do sistema produtivo local para outro de menor impacto ambiental.

Não há interesse da empresa em criar créditos de carbono para negociação no mercado, porque precisará deles em seu processo de crescimento. Alexandra Soderberg acha inclusive que, restrita aos números, esta discussão é limitada. A recuperação de um solo degradado tem outros benefícios, como aumento da biodiversidade, criação de corredores ecológicos, mais produtividade, impacto socioeconômico e produção de água.

A executiva conhecida como Alex é graduada em Geociências pela Universidade de Dalarna, na Suécia, com mestrado em Gestão de Recursos Naturais na Universidade Martin Luther de Halle-Wittenberg (MLU), na Alemanha. Atualmente, desenvolve uma pesquisa concentrada na agricultura de conservação ambiental e uso de biochar, ou biocarvão, para na produção der alimentos em pequena escala. 

A tecnologia biochar gera carbono pela decomposição da biomassa e o retém no solo, aliviando problemas ambientais mais prementes de forma eficaz. Como pesquisadora associada ao Instituto Internacional de Sustentabilidade (IIS) e sob orientação do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, sua atual pesquisa de tese explora a conversão do uso da terra de pastagens degradadas no Brasil.

O mau uso do solo é responsável pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa do país, provocadas principalmente pela derrubada de florestas 

que deveriam ser preservadas e ampliadas porque tiram CO2 da atmosfera e estocam carbono. “Fiquei chocada quando conheci os dados do Brasil”, conta a sueca, especialista em recursos naturais e uso do solo. Mais de 70% dos pastos estão em algum estado de degradação, segundo informações da Embrapa. 

Pegada carbono limpa

A Naveia estima sua pegada de carbono total em 127,58 toneladas equivalentes de dióxido de carbono (CO2), o gás de efeito estufa mais abundante e citado como causador do aquecimento global, embora existam outros, como o metano. O cálculo foi baseado na metodologia GHG Protocol, considerando todas as etapas de produção, desde os insumos à chegada do produto final nos pontos de venda. 

O dado não é oficial porque ainda será validado por especialistas, mas os cálculos preliminares indicam que a taxa de absorção da Floresta Naveia é equivalente a 14,6 toneladas de CO2 por hectare ao ano. De certa forma, criamos os créditos de carbono que servem para negativar o saldo de CO2 de todas as nossas atividades”, informa. 

Para a executiva, o propósito dos créditos de carbono vendidos no mercado deveria ser compensar as emissões de uma atividade. Existem exceções, diz ela, mas cerca de 90% é gerada por projetos que alegam proteger uma área de floresta existente. Nesses casos, não há adicionalidade.

“É legal apoiar a preservação de uma floresta, mas isso não é, de fato, compensar emissões. Dizer que é carbono neutro, assim, é quase enganar o consumidor”, dispara.

Alex engrossa o coro dos descontentes com o sistema predominante. “Devemos nos desvencilhar do conceito de ‘compensar emissões’ e focar em reduzi-las. Algumas das maiores empresas do mundo já vêm substituindo os projetos de compensação de emissões por redução. 

Leite de aveia agrada veganos e engajados no combate às mudanças climáticas

O casal Alex e Felipe Ufo enxergou o leite de aveia como ferramenta de ativismo ambiental e para criar um negócio com potencial de agradar consumidores veganos e também pessoas preocupadas com o meio ambiente e as mudanças climáticas.

“Cresci tomando leite de aveia, que na Suécia era como o de soja aqui no Brasil. Já existia há mais tempo. O Felipe, meu marido, é brasileiro. Ele não conhecia. É um produto gostoso a que o público majoritariamente não vegano está aderindo”. No mercado externo, o consumo de leites vegetais está aumentando, inclusive na América Latina, para onde a Naveia deve começar a exportar este ano. 

O leite de aveia tem a menor pegada ambiental entre seus concorrentes de origem animal ou vegetal. Alex relata que a emissão de gases de efeito estufa do leite animal é 3,5 vezes maior do que a do produto baseado na aveia. Segundo a empresária, beber um copo de leite de vaca por dia emite o equivalente a 229 kg de CO2 por ano, mas esse número cai para o equivalente a 65kg CO2, no mesmo período, quando o leite é de aveia.

Cita anda que quem toma um copo de leite de vaca por dia também está usando mais água: o equivalente a 45,7 mil litros por ano, frente a 3,5 mil litros do consumo de leite de aveia. 

Existe ainda o metano, um poderoso gás de efeito estufa produzido no sistema digestivo de animais ruminantes como a vaca. Esse “pum” é pelo menos 20 vezes mais potente do que o CO2 como gás de efeito estufa e corresponde a 16% das emissões globais. 

Do insumo à logística reversa

Da principal matéria-prima às embalagens, a Naveia atua em todos os elos da cadeia produtiva para diminuir impacto ambiental e gerar impacto social. A aveia é comprada de uma cooperativa de produtores agroecológicos do Rio Grande do Sul. 

O Brasil tem a vantagem de produzir mais de uma safra de aveia por ano, diferente da Europa e de muitos lugares dos Estados Unidos, com uma só. Além disso, a aveia do Sul é da safra de inverno, que não compete com o milho e a soja, possibilitando escalar a produção mais facilmente, sem risco de faltar matéria-prima.

No fim do ciclo de vida do leite, as embalagens recebem tratamento diferenciado. A Política Nacional de Resíduos Sólidos responsabiliza as empresas pela gestão de, no mínimo 22% de suas embalagens, mas a Naveia criou o seu próprio programa de logística reversa que amplia esta proporção. 

O 110% Naveia garante a compra de telhas produzidas com embalagens Tetra Pak recicladas em quantidade equivalente a 110% da produção da empresa no ano. Todas as telhas são doadas para projetos sociais e de proteção animal. Em 2022, a ONG TETO construiu com elas seis moradias de emergência com as telhas doadas pela Naveia, na comunidade Parque das Missões, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. 

Revolução na produção de leite

A Naveia oferece uma solução para o consumidor vegano ou engajado em questões climáticas. Mas, e o pequeno produtor de leite? Eles não podem simplesmente parar de produzir leite e começar a reflorestar o pasto. De que vão viver? Como convencer um produtor que tem um pasto, chamado de terra “limpa”, a transformá-lo numa floresta, vista como “suja”? As áreas sem árvores costumam ter mais valor no mercado do que a floresta, sujeita a restrições para novas construções ou atividades.  Alex acredita que a agrofloresta é a resposta.

O primeiro passo é provar que é possível. Em paralelo à recuperação de 95% da Floresta Naveia, a empresa destinou cerca de 10 hectares à produção de alimentos em sistema de agrofloresta. O projeto-piloto tem o objetivo de criar uma cadeia de produção vegetal, vegana e saudável. A ideia validar um modelo escalável e viável economicamente, que possa ser replicado em toda a região.

Hoje, são produzidas cerca de 80 toneladas de comida por hectare, a partir do cultivo vegânico, sem adubo ou aditivos de origem animal, nem pesticidas. Abóboras, feijões, batatas, couve, beterraba, tomate, banana etc. têm sido colhidos e distribuídos entre os funcionários da Naveia e para um restaurante parceiro.

Além dos dois hectares de agrofloresta já implantados, a empresa planeja expandir a produção de alimentos em mais três hectares em 2023, totalizando 50% da área destinada à agrofloresta. Para 2024, a meta é chegar aos 10 hectares. O retorno da biodiversidade já é evidente, com o aparecimento de animais, fator de medição do sucesso do projeto.

“Pesquisei muito sobre o que é mais eficiente em terras degradadas. O custo-benefício da regeneração natural, em que se usam ferramentas como muvuca, bomba de sementes etc. é muito maior do que o do plantio de mudas”, compara. Ainda assim, a Floresta Naveia tem um viveiro com capacidade para 30 mil mudas destinadas a acelerar a recomposição de áreas mais críticas da propriedade.

As mudas também serão doadas aos produtores que se engajarem no projeto. Transmitir conhecimento e suporte técnico para os que quiserem deixar de produzir leite faz parte do pacote. “Vamos emprestar todo o equipamento e reduzir o risco do investimento, garantindo a compra da produção deles a partir da primeira colheita. Como Naveia, já tenho facilidade de criar essa cadeia de produção e chegar até o mercado”, assegura.

A executiva gosta de dizer que a Naveia não é uma marca com propósito, mas um propósito que criou uma marca. “A gente não curte muito a ideia de sustentar o modelo atual de produção e consumo. Sustentabilidade sugere manutenção. Preferimos regeneração”, conclui. 

Fotos/ divulgação Naveia