Para o professor da Fundação Dom Cabral, Fernando Antônio Ribeiro Soares, faltam ajustes para adesão do agro que garanta diferencial competitivo ao setor
29 de novembro de 2023
Mariza Louven
Ainda dá tempo de levar para a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28) a notícia de que o Brasil já tem um mercado de carbono regulado, como pretendia o governo? A resposta é não, segundo o professor convidado da Fundação Dom Cabral, Fernando Antônio Ribeiro Soares. Esta não é uma fala política e nem uma torcida do contra, mas sim uma avaliação do timing da tramitação, disse ele ao Carbon Report.
“Minha fala não é política. Esta é a constatação de uma questão temporal. O agro brasileiro vai querer participar e ter destaque no mercado de carbono para aumentar o seu diferencial competitivo no mundo. E tem condições para isso. Estou falando do agro moderno, do agro que se desenvolve, que produz para o mercado interno e exporta”, afirma. No entanto, é preciso tempo para encontrar a melhor maneira. Uma das discussões que ganha corpo é a incorporação de parte dos créditos do mercado voluntário de carbono na composição do mercado regulado.
Segundo ele, o Projeto de Lei 412/2002, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões estava muito voltado para o mercado regulado quando saiu do Senado. A discussão agora, na Câmara dos Deputados, para onde o PL seguiu depois de aprovado pelo Senado, é como tornar o mercado voluntário mais robusto no Brasil, para que valorize as soluções baseadas na natureza. “Se um pedaço do mercado voluntário vai para dentro do regulado e a avaliação dos créditos for feita como se regulado fosse, seria uma solução também para o agronegócio.”
A ideia não é o mercado voluntário ser regulado, mas que seus créditos sejam certificados, contabilizados e reconhecidos como tal. “Que os créditos do mercado voluntário tenham esse carimbo.”
Na avaliação de Soares, é preciso tempo para debater os ajustes no arcabouço legal brasileiro, com vistas a incorporar o segmento primário do agro no mercado de carbono, de maneira que o setor ganhe um diferencial de mercado. Tecnicamente, esta solução ainda não foi encontrada, diz ele. “Isso demanda um pouco mais de tempo do que os 15 dias de duração da COP28. A COP é agora!”
A COP28 começa amanhã, quinta-feira (30/11), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e este ano terá a presença de uma delegação com um número recorde de participantes brasileiros.
O agro brasileiro já é top em produtividade, qualidade de produtos etc. e pode ter um diferencial ainda maior, afirma. Principalmente se a regulação brasileira contemplar a possibilidade de um percentual do mercado regulado de créditos de carbono ser composto por títulos originados nos mercado voluntários, a partir de projetos focados em soluções baseadas na natureza, como preservação e restauração de florestas e outros biomas, recuperação de pastagens etc.
Especialistas presentes ontem (28/11) em audiência pública da Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, formada por deputados e senadores, defenderam a chamada “interoperabilidade” entre os comércios regulado e voluntário de créditos de CO2.
Custo e benefício do mercado de carbono para o agro
Em outras partes do mundo, o segmento primário do agronegócio também não foi incluído na lista de setores regulados. Mas, enquanto em outros países as fontes energéticas e as indústrias são as maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, aqui o agronegócio é diretamente responsável por cerca de 25% do total do país e associado a parte das emissões causadas pelo desmatamento, que representam cerca de 50% do total.
O benefício de o agro fazer parte do mercado regulado é ter um diferencial internacional e até aumentar a possibilidade de gerar receita com a comercialização de créditos de carbono. Para isso, na visão do professor, ainda é necessário algum tempo de discussão e de elaboração.
“Eles já estão convencidos. O que falta é definir a forma como vão entrar. O agro brasileiro, principalmente o regularizado, exportador, que está passando pelo escrutínio do mercado internacional, está convencido. Mas em que entrar numa condição em que não perca vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes internacionais.
O cuidado é para que a questão ambiental não seja uma barreira técnica que possa ser usada pelos outros países contra o agro brasileiro.
Tramitação
A aprovação do Projeto de Lei 412 pelo Senado, na opinião de Soares, é uma conquista que não deve ser desprezada. O PL saiu da Câmara, foi para o Senado e voltou para a Câmara, onde foi apensado a outros projetos relacionados, que já estavam em tramitação. Assim que forem concluídas as análises pelas comissões, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões será votado em plenário e seguirá para sanção presidencial.
Soares lembra que o mercado de carbono é um tema relativamente novo, do ponto de vista legislativo. Vem do Protocolo de Quioto e depois do Acordo de Paris.”Aprovar o PL 412 no Senado é uma baita evolução. Até porque existem interesses naturalmente conflitantes” Não só pela presença ou não do agro na mesa, mas também da interseção.
Voluntário versus regulado
O Brasil precisa de uma regulação forte, que alcance o mercado voluntário, opina. Porque isso é negócio! Existem co-benefícios em fazer a atividade ambiental para outros países que têm dificuldade de fazê-lo.
Todo o mundo está sendo afetado pelas mudanças climáticas. Se o Brasil está realizando projetos para gerar créditos usados por países do Oriente Médio, que tem mais dificuldade, vai contribuir para melhorar o clima como um todo e ainda gera emprego e renda aqui.
Ainda não está definido como o mercado regulado brasileiro poderá incorporar um percentual de créditos de carbono gerados no mercado voluntário. A lógica, explica Soares, é a de que há entre os dois uma disparidade muito grande de valores. Por quê? Porque o mercado voluntário ainda lida com problemas em todo o mundo, como de certificação.
“É preciso que o mercado voluntário seja mais bem certificado e contabilizado para ter uma valorização maior. Se um projeto em 10 mil hectares está gerando créditos de carbono no mercado voluntário, se 20% dos créditos são aceitos dentro do regulado, a certificação abrangerá o projeto todo. Essa é uma maneira de tornar o voluntário mais atrativo, por ter a chance de receber uma chancela do regulado.
A dificuldade de lidar com a questão ambiental em outros países corresponde a uma chance de negócios para o Brasil. Na hora que o voluntário for mais bem certificado, contabilizado etc, vai ser valorizado e vamos atrair mais investimento, além de gerar mais empregos e renda aqui.
“O proprietário rural vai pensar: entre desmatar, degradar e ter uma pastagem irregular diante do Código Florestal e gerar créditos de carbono com a recuperação da área, o que eu ganho? Com um mercado voluntário mais valorizado, vai valer mais a pena manter a floresta em pé e recuperar as pastagens.
Um dos planos do governo na COP8 é defender a criação de um fundo internacional para a proteção de florestas e um plano de recuperação de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas.
Faz diferença ter uma fiscalização não só para combater o desmatamento, mas também para verificar que a recuperação daquela área degradada [e pra valer e quem fizer vai ganhar dinheiro com isso, além de gerar empregos.
Carbono no Brasil
Com o desmatamento liderando as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, na opinião dele, é fundamental ter um mecanismo de mercado que permita a monetização da floresta em pé, para que ela tenha mais valor do que a derrubada. Mas não será possível defender o meio ambiente e manter a floresta em pé por meio de comando e controle, poder de polícia. A conscientização principal tem que ser monetária: gerar incentivos.
Segundo ele, a regulação adequada do mercado de créditos de carbono pode criar os mecanismos para que as pessoas passem a se monetizar melhor. A fiscalização deve servir para abraçar o que a monetização não alcançou, acrescenta.
Concessão de florestas
No contexto de um mercado regulado e de um mercado voluntário mais robusto, a concessão de florestas e parques também pode ser impulsionada no Brasil e ajudar a contornar a questão fiscal. Se faltam recursos para as áreas essenciais como saúde, educação e segurança, tornando mais difícil para o poder público como administrar essas áreas.
Para isso, seria preciso casar a lei de concessão de florestas com a do mercado de carbono. Isso aumentaria a atratividade para a concessão das áreas de floresta, de cerrado e de parques.
“Está surgindo aí um novo mercado. Dado o problema fiscal do país, pode ser vantajoso conceder essas áreas de florestas, principalmente florestas públicas, para o setor privado preservar ou recuperar e ainda se monetizar, seja por hotel, restaurante, manejo sustentável ou geração de créditos. Para isso, esse crédito de carbono tem que ter mais valor.